09/10/2013 - 16:00
Poucos temas são tão controversos no mercado agrícola quanto a transformação do etanol em uma commodity internacional, como já ocorre com o petróleo, com a soja e com o milho. Há quem diga que a cotação de preços em bolsa irá extinguir os pequenos produtores de combustíveis verdes. outros garantem que estabelecer um preço global é a única saída para essa indústria. É o caso de Fred Seamon, diretor-executivo do CME Group, dono da bolsa de Chicago. Em entrevista à dinheiro rural, na sede da companhia, nos Estados Unidos, Seamon garante que o Brasil poderá liderar o mercado mundial de combustíveis renováveis, caso inclua o etanol na lista dos produtos agrícolas negociados na bolsa. Leia, a seguir, o que pensa o executivo:
DINHEIRO RURAL – Se transformar o etanol em commodity internacional é algo tão positivo, por que isso ainda não foi feito?
?FRED SEAMON – Porque nem todos enxergaram a importância e os benefícios de negociar contratos futuros. Quem vende sua produção antes mesmo de plantar evita prejuízos e assegura sua lucratividade e investimentos.
RURAL – Caso o etanol já fosse cotado internacionalmente, o setor estaria em situação melhor no Brasil?
?SEAMON – Se os produtores de cana-de-açúcar no Brasil já praticassem a venda de contratos futuros para o etanol, não teríamos visto a falência de tantas usinas, nos últimos anos. Aqui nos Estados Unidos, o etanol é uma commodity desde 2005, mas é um mercado que pode crescer muito ainda. O combustível demorou um pouco para convencer a todos de que era um produto promissor. Hoje, não há dúvidas sobre sua importância para várias economias em todo o mundo. O uso do biocombustível é global, uns utilizam mais, outros menos. Acredito que o etanol só vai crescer se virar uma commodity.
RURAL – O etanol americano já é uma commodity. Por que, então, o setor não está crescendo tanto como se esperava anos atrás?
?SEAMON – Porque a produção americana, embora seja a maior do mundo, ainda é limitada. Nós negociamos apenas etanol de milho produzido nos Estados Unidos, por enquanto. Isso não significa que qualquer outro tipo de etanol não possa ser negociado aqui. Se os produtores brasileiros quiserem, podem vender toda a produção do combustível, antes mesmo de plantar a cana, ou o biodiesel antes de colher a soja.
RURAL – O que falta, então, para o etanol brasileiro se tornar uma commodity global?
?SEAMON – Não gosto de especular nem de falar sobre algo que desconheço sobre outros países. O que posso dizer é que gostaria muito de ver o etanol brasileiro sendo negociado na Bolsa de Chicago. Contratos globais bem-sucedidos ajudam determinados setores a se desenvolver e conquistar novos mercados. Há muitos compradores europeus que procuram etanol brasileiro na Bolsa de Chicago, mas não encontram. O fato é que o preço do etanol, que está sendo negociado na Bovespa, está abaixo do que poderia alcançar no mercado internacional.
RURAL – Quem são os potenciais compradores do etanol brasileiro?
?SEAMON – Os principais clientes do mercado de combustíveis renováveis, ironicamente, são as companhias de petróleo. As grandes petrolíferas adquirem etanol ou biodiesel para misturar aos seus combustíveis de origem mineral. Algumas fazem isso para atender às legislações ambientais de cada país, outras para fortalecer sua imagem no setor de biocombustíveis.
RURAL – Há risco de que os Estados Unidos estabeleçam os preços do etanol brasileiro se os contratos forem negociados na Bolsa de Chicago?
?SEAMON – Isso é muito improvável. Os Estados Unidos não exportam etanol porque consomem toda a produção interna. Então, os preços americanos não servem de padrão para a cotação internacional do etanol. Já o Brasil tem condições de exportar e todas as condições de liderar o mercado global de combustíveis renováveis. Afinal, além de sustentar a frota interna, pode vender para o mundo.
RURAL – Por que o etanol brasileiro não pode ser negociado em São Paulo, em vez de Chicago?
?SEAMON – Os grandes contratos internacionais acontecem em Chicago. Devido à expansão da atividade agrícola em todo o mundo, temos parcerias com bolsas de valores em muitos países, inclusive com a BM&F Bovespa, no Brasil. A parceria permite que produtores americanos e brasileiros negociem contratos futuros e façam seus investimentos se movimentarem independentemente do que acontece nas lavouras. Essa troca é fundamental para os dois lados. Afinal, a agricultura é uma das atividades mais globalizadas do planeta. O que o produtor fazendeiro cultiva nas mais distantes regiões do País alimenta populações e animais em várias partes do planeta.
RURAL – Como a Bolsa de Chicago negocia o etanol?
SEAMON – Temos dois tipos de contrato de combustíveis, um para entrega física e outro que pode ser exercido em dinheiro. Ambos são baseados no preço definido aqui. A indústria americana de combustíveis é toda baseada nesse modelo, com a finalidade de gerenciar seus riscos.
RURAL – O modelo americano serve para todos os países?
?SEAMON – Com certeza. A negociação de contratos futuros protege os produtores rurais das oscilações climáticas ou de problemas que possam atingir suas atividades, sejam quais forem. Não é possível tornar-se competitivo sem estar na bolsa. Mesmo pequenos produtores podem ter grandes ganhos se aprenderem a negociar seus produtos em contratos futuros. Quem vende o milho diretamente às usinas processadoras de combustíveis, por exemplo, recebe uma remuneração melhor pela matéria-prima. Tudo tem a ver com o gerenciamento do risco. Outra coisa importante que os mercados fazem é projetar uma curva de preços para o futuro. Não é possível prever com precisão qual será a demanda mundial de alimentos e combustíveis daqui a alguns anos, nem qual será a efetiva produção agrícola, mas é possível calcular uma oferta e uma demanda aproximadas e fixar preços desde já.
RURAL – A agricultura brasileira em geral pode ganhar mais visibilidade e relevância com a bolsa?
?SEAMON – Sim. A agricultura americana, especialmente as atividades que envolvem o milho, o trigo e a soja, negociados aqui desde 1877, é madura e sólida graças à criação da bolsa. O que nós fazemos, na verdade, é negociar o risco. Na prática, não vendemos apenas produtos agrícolas, mas contratos futuros de compra e venda desses produtos. A grande maioria dos investidores que nos procuram todos os dias não sabe identificar um pé de soja nem dizer para qual finalidade ela serve. Mesmo assim, estão dispostos a comprar contratos e vender, quando acharem conveniente.
RURAL – A resistência dos produtores brasileiros a entrar na Bolsa de Chicago não se explica pelo receio de perder o controle desse mercado, afetado por especulações?
SEAMON– O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) lança projeções de oferta e procura todos os meses, tanto para o mercado americano quanto para o mundial. Esses relatórios são seguros e não têm o objetivo de manipular o mercado em favor dos produtores do país. Há agências independentes do governo que fazem uma espécie de auditoria nos relatórios e endossam as previsões. Graças a isso, o mundo inteiro confia nos relatórios que são emitidos aqui. Além disso, os corretores, os “trades”, são muito transparentes e confiáveis. Atuam da mesma forma desde 1860. Cada movimento deles é monitorado ao extremo. Nosso mercado é muito justo e equilibrado.
RURAL – Mas todos sabem que existem especuladores que plantam notícias boas ou ruins para influenciar as cotações internacionais dos produtos agrícolas. Como a Bolsa de Chicago lida com essa situação?
SEAMON – Isso é ilegal e, até onde tenho conhecimento, não acontece. Nós temos um sistema muito sofisticado que monitora todas as negociações. Temos também uma equipe qualificada que atua durante todo o dia supervisionando as negociações. Existe, além de tudo isso, uma comissão de controle de fraudes em contratos futuros de produtos agrícolas, que limita a quantidade de contratos que podem ficar sob o poder de cada negociador. Dessa forma, um único especulador não consegue derrubar ou supervalorizar os preços. Há muitas salvaguardas em cada país que estão lá para proteger os mercados das oscilações da bolsa. Aqui nos Estados Unidos, quem tentar esse tipo de manipulação, como espalhar rumores, poderá ser acusado criminalmente. Nossa atuação proporciona uma transparência sem paralelos.
RURAL – Até que ponto o que acontece no Brasil influencia a Bolsa de Chicago?
SEAMON – O Brasil tem um peso muito grande na rotina da Bolsa de Chicago, especialmente nos contratos que envolvem a soja. Anos atrás, os EUA eram o principal produtor de milho, soja e trigo. Quando o mundo precisava de mais uma tonelada de qualquer um desses produtos, pressionava os produtores americanos a produzir mais, o que nem sempre era possível. Isso estimulou a economia agrícola a ser globalizada. O milho ainda é precificado aqui, já que somos os maiores produtores. Mas o preço da soja é determinado, pelo que acontece no Brasil. Quando o mundo precisa de soja, olha para o Brasil e para a Argentina. Qualquer coisa que aconteça nas lavouras de soja brasileiras mexe com toda a atividade da bolsa. O Brasil é peça-chave para a Bolsa de Chicago.