Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras

Entusiasta do sistema de cooperativas e produtor agrícola no interior de São Paulo, Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperat ivas Brasi lei ras (OCB), diz que o setor vem passando por uma profissionalização na gestão dos negócios. Esse movimento deverá resultar numa diminuição no processo de concentração do sistema, com a redução do número de entidades em atuação no mercado e aumentará o contingente de cooperados, que responderá por uma parcela maior da produção agrícola nacional. Hoje, passam pelas cooperativas 46% de tudo o que é produzido no Brasil. Segundo ele, esse processo dá escala aos produtores e permite uma competição maior com as multinacionais do agronegócio. “São poucas as empresas realmente grandes”, afirma Freitas. “A necessidade de organização é muito forte no Brasil.”

DINHEIRO RURAL – Ainda há muita resistência dos produtores em aderir ao modelo cooperativo, por causa de experiências que não deram certo no passado – no ano passado o número de cooperativas diminuiu, embora o número de cooperados tenha aumentado 11%. O que a OCB está fazendo para mudar esse cenário?
MÁRCIO LOPES DE FREITAS – A queda no número de cooperativas é uma tendência. É um processo de concentração, como o que ocorre entre as empresas. O mercado é muito disputado em todos os setores, e no cooperativismo não é diferente. É uma guerra de mercado.

DINHEIRO RURAL – O que está acontecendo? As cooperativas estão fechando?
FREITAS – Ou fecham, ou acabam incorporadas por outras cooperativas. Vem acontecendo uma consolidação neste setor. Na disputa pelo mercado, a cooperativa funciona igual a uma empresa mercantil. A única diferença é que ela tem uma organização societária diferente. Mas, apesar da redução do número de cooperativas no Brasil, o número de associados vem aumentando. E a participação das cooperativas no mercado agrícola vem aumentando. Há alguns anos elas respondiam por 40% da produção agrícola nacional e hoje essa fatia aumentou para 46%. O mercado brasileiro conta com dez milhões de cooperados em todos os 13 setores, dos quais cerca de 970 mil somente nas cooperativas agrícolas, que empregam 156 mil pessoas.

DINHEIRO RURAL – Em quais culturas as cooperativas são mais atuantes?
FREITAS – Elas estão em todos os setores. O cooperativismo é bem atuante no café, onde é mais tradicional, respondendo por 40% da safra brasileira. Cerca de 70% do algodão passa por cooperativas. Elas também respondem por boa parte da produção de soja, cerca de 35%. No setor de lácteos, por exemplo, chegamos a ter 60% do mercado de captação de leite. Perdemos espaço num determinado período e estamos recuperando nos últimos anos. Depende muito do momento.

DINHEIRO RURAL – Qual é a vantagem das cooperativas em relação às empresas mercantis?
FREITAS – Elas estão ocupando o espaço que era das empresas, e estão ganhando participação justamente nos setores em que é preciso organizar a base para coordenar a produção. Essa é a grande vantagem das cooperativas. 

DINHEIRO RURAL – O perfil do produtor cooperado ainda é familiar?
FREITAS – A base é, mas não necessariamente. Na cooperativa há produtores familiares e grandes também. Elas se beneficiam muito da expertise das cooperativas em organizar os produtores. As cooperativas brasileiras têm pequenos, médios e grandes entre seus associados. Para todos eles é interessante atuar em grupo. Normalmente, uma cooperativa pode se beneficiar da estabilidade do pequeno produtor e da alavanca dos negócios do grande produtor. Na cooperativa convivem essas duas faces. 

DINHEIRO RURAL – É fácil ver as vantagens da organização cooperativa para os pequenos, que ganham escala. Mas onde os grandes se beneficiam?
FREITAS – Na verdade, são poucas as empresas realmente grandes no agronegócio brasileiro. A necessidade de organização é muito forte no País. Temos cinco milhões de produtores no Brasil, e são poucas as empresas globais. Então, mesmo os grandes produtores agrícolas podem se beneficiar de um ganho de escala que lhes permita competir com as empresas globais. O que diferencia a cooperativa é o processo decisório. Como é uma empresa formada por pessoas, e não por capital, tem uma organização diferente, porque as decisões são tomadas em colegiado e isso torna a tomada de decisão um pouco mais difícil.

DINHEIRO RURAL – O setor está se profissionalizando?
FREITAS – Isso está muito forte, hoje em dia. As cooperativas estão buscando uma profissionalização especialmente no processo de gestão. E isso se dá como ocorre com as empresas de um modo geral: algumas conseguem, outras não. Isso depende de fatores como a localização geográfica da cooperativa, do que ela produz e, como é uma empresa formada por pessoas, depende também da cultura local em relação a esse tipo de organização.

DINHEIRO RURAL – O processo de tomada de decisões é mais complexo?
FREITAS – Muito mais complexo, porque todas as decisões são tomadas em conjunto. Essa é a grande diferença. Não importa o tamanho do produtor, dentro da cooperativa todo mundo tem direito a um voto. A remuneração é baseada na produção, mas as decisões são divididas igualmente. A profissionalização da gestão também ajuda nisso, porque os associados decidem a estratégia e contratam executivos para executála e brigar pelo mercado. Isso também favorece a concentração, que acho que vai aumentar. Tivemos um momento no Brasil, nos anos 1980 e 1990, em que as cooperativas viraram instrumento de política pública. Naquele momento, elas se preocupavam pouco com a gestão e com o mercado. Isso acabou, e elas concorrem no mercado com as empresas mercantis, pagam todos os impostos como qualquer empresa.

DINHEIRO RURAL – Onde as cooperativas agrícolas estão mais organizadas no Brasil?
FREITAS – Na região Sul. Paraná e Santa Catarina são os Estados mais organizados. O Rio Grande do Sul tem uma tradição muito grande, mas como algumas cooperativas são muito antigas, ainda tem uma resistência à modernização. São Paulo tem boas cooperativas, Minas Gerais também. E, no Centro-Oeste, têm surgido cooperativas com um modelo de gestão mais moderno. Mas o Paraná é a referência.

DINHEIRO RURAL – O que tem no Paraná que pode ser copiado por outras regiões?
FREITAS – Os paranaenses vêm desenvolvendo há algum tempo o modelo de autogestão. Com profissionalismo, com foco no negócio, a cooperativa tem buscado resultado econômico para os seus sócios. Não ficam esperando que o governo venha resolver seus problemas, mas vão atrás do mercado. Na verdade, atuando em bloco, a cooperativa tem até maior poder para reivindicar alguma ação pública.

DINHEIRO RURAL – As cooperativas agrícolas também oferecem crédito?
FREITAS – As cooperativas de crédito são relativamente recentes no Brasil. Elas se desenvolveram nos últimos 15 anos. Mas tendem a ocupar um espaço maior. A maioria das cooperativas de crédito, nasceu dentro das cooperativas agrícolas, mas elas se expandem para além da agricultura, atuando nas áreas urbanas. O que é bom, porque dilui os riscos. 

DINHEIRO RURAL – Quais são os obstáculos e os desafios para as cooperativas, nos próximos anos?
FREITAS – Acredito que é a profissionalização do setor. Isso já está acontecendo, o Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Siscoob) está colocando recursos nesse programa de gestão e capacitação das cooperativas. Primeiro, habilitando os dirigentes a ter visão mais estratégica. E também capacitando os funcionários e os agricultores, que precisam estar preparados para assumir esse mais ativo.

DINHEIRO RURAL – A OCB participou, no início de novembro, de um congresso de cooperativismo na Inglaterra. Como o Brasil está no cenário internacional e que experiências de outros países podemos aproveitar?
FREITAS – Há muita coisa que podemos aproveitar com a experiência de alguns países desenvolvidos que já têm uma cultura de cooperativismo intensa. Vimos muitas oportunidades de negócios e intercâmbio de ideias. No cooperativismo de crédito, temos um convênio com a Alemanha, que é um dos mais evoluídos do mundo e onde há uma academia de formação, para a qual mandamos gente todos os anos. Também temos intercâmbios com o Canadá e os Estados Unidos. É uma maneira de trazer o conhecimento de outros países para cá.