Presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes diz que a estatal tem de pensar o futuro e gerar pesquisas que sirvam de base para políticas públicas

Há um ano à frente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o engenheiro agrônomo Maurício Antônio Lopes, mineiro de Bom Despacho, com doutorado em genética molecular pela Universidade do Arizona, nos EUA , comemora os 40 anos da instituição que colocou o País no mapa mundial do agronegócio, buscando planejar o futuro. Com orçamento de R$ 2,2 bilhões e 2,4 mil pesquisadores entre seus quase dez mil empregados, a Embrapa não quer voltar a ocupar o lugar privilegiado que teve na produção de sementes. “Agora o setor privado pode ocupar esse espaço”, diz Lopes. “Temos de olhar os novos desafios, e um deles é aprimorar a defesa agropecuária.” O outro é expandir a agricultura brasileira para novas fronteiras, como a África, além de criar uma estrutura de inteligência para pensar e planejar o futuro.

DINHEIRO RURAL – A Embrapa está completando 40 anos, um período no qual o Brasil entrou para o mapa mundial do agronegócio. Qual é o seu balanço?
MAURíCIO LOPES –
É muito positivo. Não que tudo o que aconteceu com a agricultura brasileira seja apenas por causa da Embrapa, mas o que o Brasil fez nesses 40 anos nenhum outro país conseguiu fazer. No início dos anos 1960, exportávamos 40 ou 50 produtos diferentes de origem agropecuária e isso rendia US$ 8 bilhões. Em 2012 o Brasil exportou cerca de 350 itens, para mais de 180 mercados, por quase US$ 100 bilhões. É uma trajetória extraordinária. Isso aconteceu porque o País, já na época, fez uma opção de desenvolver uma agricultura baseada em ciência. Não havia o que copiar em agricultura tropical. Tivemos de desenvolver um modelo por nossa própria conta e risco. Mais de três mil jovens pesquisadores foram contratados e enviados para universidades ao redor do mundo para aprender.

RURAL – O conhecimento que foi desenvolvido nesse período já é exportado para outros países?
LOPES –
Essa agricultura, baseada em ciência, conseguiu três coisas: transformar grandes extensões de solo ácido, que se tornaram férteis; a tropicalização de sistemas de agricultura e pecuária, que foram adaptados à nossa realidade; e a constituição de uma agricultura sustentável. Muitos nos criticam pela destruição de biomas importantes, mas temos uma plataforma bastante sólida de práticas sustentáveis: o plantio direto; o melhoramento genético que permitiu o plantio de cultivares de porte mais baixo, facilitando a mecanização; e a fixação biológica de nitrogênio no solo, que dispensa o uso do produto na forma química. Isso economiza a importação de pelo menos US$ 5 bilhões em adubos nitrogenados por ano.

RURAL – A ocupação do Cerrado é criticada também pela destruição do bioma original para dar lugar a grandes plantações.
LOPES –
Isso começou a ser revertido, com a nova revolução que começa agora, com a integração de lavoura e pecuária. É uma tendência de se buscar um arranjo mais sustentável. Acreditamos que essa revolução vai começar em propriedades menores, porque a gestão desse sistema é mais complexa.

RURAL – Um documento da ONU, o Desafio 2050, estima que o mundo terá nove bilhões de habitantes naquele ano. Qual é o papel do Brasil para alimentar toda essa população?
LOPES –
O Brasil terá um papel preponderante. Há uma assimetria entre as regiões, em relação ao crescimento da população e ao aumento da produção de alimentos. A Ásia e a África, continentes que devem ter maior crescimento populacional, não terão um aumento equivalente na produção agrícola. É essa assimetria que preocupa organizações como a FAO. E o Brasil terá um papel importante, porque se tornou uma referência no desenvolvimento de agricultura moderna nos trópicos. Além de conhecimento, pode produzir insumos e matéria-prima.

RURAL – O Brasil explora pouco isso, não?
LOPES –
Há muito espaço. A presença da Embrapa na África é um caminho para abrirmos esse mercado de conhecimento de agricultura tropical. Muitos nos criticam dizendo que vamos ensinar os africanos e eles vão competir conosco. Eu digo que não. É muito importante conhecermos o continente, com realidade e problemas parecidos com os que já enfrentamos. Ali pode estar um espaço para as indústrias e os fornecedores brasileiros.

RURAL – Como as empresas brasileiras podem ganhar dinheiro na África?
LOPES –
Com esse conhecimento da realidade deles, vai ser muito mais fácil para empresas e profissionais brasileiros oferecer produtos e serviços que já desenvolvemos aqui. Temos de pensar que, no futuro, podemos nos tornar grandes exportadores. A Embrapa já fez grandes avanços em genética.

RURAL – Isso já está nas mãos do setor privado?
LOPES –
Poderá se tornar exportável. Por exemplo, o Brasil já é um grande exportador de forrageiras tropi cais. Temos um acordo com um grupo de empresas, o Unipasto, que já está exportando. É muito difícil fechar essa conta de aumento populacional sem uma revolução agrícola na África. E estamos nos preparando para participar disso.

RURAL – Um dos grandes desafios é descarbonizar a agricultura. Como a Embrapa está tratando esse tema?
LOPES –
A agricultura, no mundo inteiro, ainda é muito dependente de combustíveis fósseis, tanto na parte de insumos quanto na de transportes. Estamos nos preparando para um cenário de eventos extremos, em função das mudanças climáticas, no qual a água vai se tornar um recurso ainda mais escasso. Temos muitas pesquisas para estudar o impacto dessas mudanças e também para reduzir o desperdício. A FAO estima que 30% de todos os alimentos produzidos no mundo são perdidos e que, com isso, perde-se 38% de toda a energia usada para produzi-los. Já temos uma política pública importante, o programa Agricultura de Baixo Carbono(ABC), que foi implementado a partir de tecnologia desenvolvida pela Embrapa.

RURAL – Como está a aceitação desse programa no campo?
LOPES –
Há uma tendência de crescimento muito forte dos financiamentos para recuperação de pastagens. O melhor caminho é com o plantio de grãos. Eles começam a acumular matéria orgânica, depois vêm as pastagens, a pecuária e, eventualmente, a floresta.

RURAL – A Embrapa passou muito tempo desenvolvendo sementes. Agora ela vai priorizar outras áreas?
LOPES –
O setor público tem um pouco esse papel de locomotiva limpa-trilho. Limpa o caminho e depois vem o setor privado. Nós ajudamos o Brasil a lidar com o problema de fertilidade do solo, a desenvolver uma genética para a realidade tropical. Foi o setor público que tropicalizou a soja e adaptou o milho, o algodão e as outras espécies à realidade brasileira. Agora o setor privado pode ocupar esse espaço. A Embrapa jamais voltará a ser a principal provedora de sementes de soja, de milho ou de algodão do mercado. Não faz mais sentido.

RURAL – Qual será o papel da Embrapa a partir de agora?
LOPES –
Vamos manter um espaço nesse mercado, que é estratégico para o Brasil, com uma participação de no máximo 15%. E temos de olhar os novos desafios. Um deles é aprimorar a defesa agropecuária. Isso vai ser cada vez mais importante, com o aumento do trânsito de alimentos ao redor do mundo. Criamos uma plataforma de inteligência, a Agropensa, para pensar e planejar o futuro. No Brasil é mais comum reagir do que se preparar. Queremos mudar isso na Embrapa.

RURAL – A Embrapa sempre foi criticada por desenvolver muitas coisas e colocar poucos produtos no mercado. Isso deve se intensificar agora, nessa nova visão?
LOPES –
A instituição de pesquisa é, antes de tudo, uma geradora de conhecimento. Muitas políticas públicas foram geradas a partir da produção da Embrapa. Por exemplo, temos um zoneamento de risco climático para 44 espécies no Brasil. Esses dados são utilizados pelo sistema bancário para fazer análise de risco para o crédito bancário e o seguro. Isso reduziu muito os valores pagos pelo seguro, porque o gerente pode consultar os dados e ver se o agricultor está plantando a cultura certa, no local certo, no momento certo.

RURAL – Como está a discussão sobre a abertura de capital e a privatização da Embrapa?
LOPES –
Em 2007, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) apresentou um projeto para abertura de capital, que gerou muita polêmica, pois havia o temor de que o mercado poderia influenciar os rumos da Embrapa. Quando assumi a presidência, liguei para o senador e propus à criação de uma subsidiária, a Embrapatec, uma empresa de capital misto, com mais liberdade para fazer parcerias e atuar no mercado. Ele aceitou e agora estamos discutindo o assunto no Senado e no Executivo.