15/02/2013 - 17:42
Embora a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR ) seja de responsabilidade das autoridades do Meio Ambiente, o Ministério do Desenvolvimento Agrário terá uma tarefa essencial nesse processo: regularizar as propriedades rurais que ainda não têm documentação e simplificar a obtenção do cadastro. A pasta terá, ainda, que orientar os cerca de 4,3 milhões de agricultores familiares, que terão de se inscrever no CAR . “O cadastro não pode ser só para fiscalização”, diz o ministro Pepe Vargas. “Deve servir também ao planejamento ambiental e econômico.” Em entrevista à DINHEIRO RURAL , o médico homeopata gaúcho afirma que o agricultor familiar poderá fazer o georreferenciamento gratuitamente e terá um processo menos burocrático do que o grande produtor para se inscrever no cadastro.
RURAL – A Confederação Nacional da Agricultura argumenta que a implantação do CAR esbarra na dificuldade de instalação de georreferenciamento. Como resolver isso?
PEPE VARGAS – O georreferenciamento precisa ser feito na Certificação de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), pelo proprietário. Nós já melhoramos muito isso. Havia uma queixa da CNA, justa, de que esse processo era muito lento. Já desburocratizamos em meados do ano passado, mudando a norma de execução. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, fazia toda a análise de qualquer imóvel rural e das coordenadas geográficas. Nós separamos os procedimentos. O Incra agora expede só o certificado, o que deu mais agilidade. Antes certificávamos, em média, 27 imóveis rurais por dia. Hoje, fazemos 128. Agora, vamos entrar numa fase digital, para que seja mais ágil ainda.
RURAL – Os pequenos agricultores têm mais dificuldade para contratar o georreferenciamento?
VARGAS – Não, porque o novo Código Florestal traz um conjunto de diferenças para imóveis com até quatro módulos fiscais (de 20 a 440 hectares de área, dependendo da região), em que está enquadrada a agricultura familiar. Todos têm de repor área desmatada, mas quem tem menos terra recupera menos. Os agricultores familiares representam 84% dos estabelecimentos rurais, mas ocupam apenas 24% do território. Por lei, o georreferenciamento e o CAR são gratuitos, o cadastro é simplificado e o agricultor só precisa comprovar se é proprietário ou posseiro. O produtor deve apenas apresentar um croqui indicando onde está a reserva legal.
RURAL – Haverá tempo para todos os agricultores entrarem no cadastro?
VARGAS – A lei determinou o prazo de um ano, prorrogável por mais um ano para implantação do CAR, a contar de 21 de maio de 2011. Depois disso, o produtor tem mais um ano, também prorrogável por mais um ano, paraaderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), para quem tem passivo de reserva legal. Nós daremos orientação ao agricultor familiar, mas a implantação do CAR é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente junto aos Estados. O Incra tem um acordo de cooperação com o ministério na aquisição de imagens de satélite para monitoramento dos assentamentos. O CAR não pode ser instrumento só de fiscalização. Deve servir também ao planejamento ambiental e econômico.
RURAL – Alguns bancos já estão exigindo o CAR para liberar os financiamentos para a agricultura…
VARGAS – Fico surpreso ao saber disso. Ainda não está na fase de os bancos exigirem o CAR como condição para liberar crédito rural. É ilegal. Os bancos precisam esperar o prazo regimental da lei, para depois exigir o CAR.
RURAL – Como resolver o caso das propriedades rurais sem escritura?
VARGAS – Nós temos o programa Terra Legal, baseado na lei de regularização fundiária da Amazônia Legal, de 2009. Os Estados implantam, mas a maior parte do trabalho é feita pelo nosso ministério. Quando foi votada essa lei, a crítica era de que haveria legalização da grilagem. Isso fez com que o processo se tornasse muito burocrático e lento. O trabalho também pode ser muito complexo em algumas regiões da Amazônia, pois há áreas de difícil acesso e alagadas. Mas já conseguimos fazer, nessa região, o georreferenciamento de 5,37 milhões de hectares, num total de 57,2 mil imóveis rurais, em 215 municípios.
RURAL – O que tem sido feito para desburocratizar a regularização fundiária?
VARGAS – Para os imóveis de até um módulo fiscal (entre cinco e 110 hectares) já desburocratizamos muito. Usamos o georreferenciamento e exigimos poucos documentos. Os produtores de maior porte, associados à CNA, têm de se cadastrar no CAR. Nos assentamentos da reforma agrária, quem faz isso é o Incra.
RURAL – Como tornar viável a produção dos pequenos agricultores e por que nem todos tomam crédito?
VARGAS – Para a safra 2012/13, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) terá recursos de R$ 18 bilhões, mas nos últimos anos o volume de crédito ofertado tem sido maior do que o volume efetivamente contratado. O Pronaf Mais Alimentos, por exemplo, que oferece financiamento de maquinário a juros baixos, é uma bela linha de crédito. O agricultor precisa entender que, se tomar um financiamento de custeio nessa linha, vai pagar menos juros do que o que recebe na poupança.
RURAL – Mas a procura pelo Mais Alimentos já vem perdendo fôlego. Por quê?
VARGAS – As taxas de juros são negativas, de 2% de juros anuais, com dez anos para pagar, para comprar trator e colheitadeira, entre outros. Em quatro anos, já foram vendidos 48 mil tratores, dez mil ordenhadeiras e quase cinco mil caminhões. Neste ano, aumentamos de R$ 110 mil para R$ 160 mil o limite de enquadramento de renda para agricultores familiares que excederem o teto. A demanda pelo Pronaf sempre se concentrou mais nas regiões Sul e Sudeste. Agora, tem diminuído lá e crescido no Nordeste e no Norte.
RURAL – O ministério é um dos executores do PAC Equipamentos. As máquinas agrícolas nacionais precisam de margem de preferência em licitações?
VARGAS – Nós já compramos 3,4 mil retroescavadeiras e 1,9 mil motoniveladoras para doar às prefeituras de municípios de até 50 mil habitantes, exceto das regiões metropolitanas, para melhorarem estradas vicinais que dão acesso a áreas rurais. O primeiro lote, em dezembro, responde por 46% do mercado de retroescavadeiras e 96% do de motoniveladoras no Brasil. Para retroescavadeira não precisamos dar margem de preferência, a indústria nacional venceu todos os lotes, concorrendo com coreanos, chineses e americanos. Tivemos um custo total de R$ 1,4 bilhão para essas compras. Para motoniveladoras, em dois lotes, usamos margem de preferência pequena, de uns R$ 150.
RURAL – Como o ministério tem estimulado a maior produtividade dos agricultores familiares?
VARGAS – Nós temos dois grandes programas de compras da agricultura familiar. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para atender populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que compra merenda escolar. São ações sociais, mas que geram renda aos agricultores familiares. As compras para o PAA cresceram 40% no ano passado, somando R$ 47 milhões, beneficiando 8,9 mil agricultores familiares.
RURAL – Como está o plano de incentivo à produção nos assentamentos?
VARGAS – Estamos na fase de capacitar os agricultores para que vendam seus produtos ao PAA e ao Pnae. No programa de assistência técnica, fazemos chamadas públicas e contratamos tanto os Institutos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) quanto empresas privadas. Agora, temos o Mais Gestão, um programa de assistência técnica para o agricultor aprender a administrar produção, logística e sanidade do produto.
RURAL – Quais políticas ainda precisam deslanchar?
VARGAS – Um dos focos de trabalho, neste ano, é mostrar aos novos prefeitos, que eventualmente não conhecem nossos programas, que seu município pode ser um grande parceiro do ministério no atendimento ao agricultor familiar e ao assentado da reforma agrária. Quando se contrata o Pnae, por exemplo, é possível comprar até 30% da merenda escolar sem licitação. Isso fortalece circuitos curtos de produção e comércio, que são muito bons para o meio ambiente porque gastam menos energia e são mais baratos.