19/06/2013 - 13:56
O colombiano Ramiro De La Cruz, presidente da Dow AgroSciences no Brasil, desembarcou no País com sua família, no início do ano passado, com uma meta principal: ajudar produtores rurais a ampliarem a produtividade em 20% ao ano. O executivo, que já havia comandado as operações da empresa no México e nos Estados Unidos, logo constatou que os desafios da agroindústria brasileira estavam além das lavouras. “Para continuar sendo o maior produtor de alimentos do mundo, o País precisará desatar o nó da infraestrutura”, disse De La Cruz à DINHEIRO RURAL . Acompanhe os principais trechos da entrevista:
DINHEIRO RURAL – Atribuir ao Brasil a responsabilidade de garantir o aumento da produção mundial de alimentos não é um certo exagero?
RAMIRO DE LA CRUZ – Não vejo como um exagero. É certo que o mundo precisará produzir mais alimentos, assim como é certo que o Brasil será o maior responsável por esse aumento. Hoje, o desafio é que o mundo come mais do que produz. Nos próximos 10 ou 20 anos, esse problema será ainda maior.
DINHEIRO RURAL – O Brasil terá condições de atender a essa expectativa?
DE LA CRUZ – Com certeza. Os países que têm potencial para produzir mais alimentos e garantir o abastecimento mundial terão uma oportunidade única. São poucos os países que podem aumentar sua produção de alimentos. A América Latina é uma das regiões do mundo que tem condições de suprir a demanda global. O Brasil é, atualmente, o maior produtor de grãos da América Latina e se tornará o principal fornecedor global de alimentos.
DINHEIRO RURAL – Não existem outras regiões do mundo com esse mesmo potencial?
DE LA CRUZ – Para produzir, precisamos de tecnologia, de terra, de água e de uma cultura agrícola. Muito se fala da África. Lá tem terra, mas tem pouca água e nenhuma tradição agropecuária. Então, não podemos colocar os países africanos e o Brasil no mesmo patamar. São comparações que não fazem sentido.
DINHEIRO RURAL – Qual é a capacidade de expansão agrícola no País atualmente?
DE LA CRUZ – Essa é uma pergunta difícil, que não sei responder com exatidão. Sabemos que o maior desafio no Brasil é ampliar a produtividade, garantindo mais produção com a mesma área cultivada.
DINHEIRO RURAL – Qual deve ser a prioridade: pastagens para a pecuária ou áreas para a agricultura?
DE LA CRUZ – A Dow AgroSciences tem muitos negócios na área de pastagem. Então, posso dizer com propriedade que o incremento é uma necessidade. É preciso ter consciência de que nem todas as áreas dedicadas à pastagem são realmente utilizadas pelo gado. Diante dessa situação, a saída é aprender a ser mais produtivo por hectare. Criar mais gado no mesmo espaço que se utiliza hoje e, assim, abrir espaço para a agricultura. Os pecuaristas precisam investir para serem mais produtivos. Assim, não haverá nenhum impacto nem concorrência entre as atividades.
DINHEIRO RURAL – A pecuária brasileira não é produtiva?
DE LA CRUZ – É produtiva, mas pode ser infinitamente mais. As pastagens brasileiras são muito boas, tanto em quantidade de áreas quanto em qualidade. Se colocar mais animais nas fazendas e cuidar do pasto, todos se alimentarão em abundância.
DINHEIRO RURAL – Como será possível conciliar aumento da produção agrícola com a conservação ambiental?
DE LA CRUZ – Muitos países do mundo não possuem áreas cultiváveis para ampliar suas lavouras. Não é o caso do Brasil. Dentro do território brasileiro, existem áreas imensas que não são utilizadas e que podem atender à indústria agrícola sem que seja necessário derrubar nem sequer uma árvore.
DINHEIRO RURAL – Além da produção de alimentos, existem outros desafios para que a agricultura tenha sucesso, como a logística, correto?
DE LA CRUZ – Sem dúvida, a produtividade e a infraestrutura precisam caminhar juntas. Se um evoluir mais rápido do que o outro, haverá um colapso, como os problemas que estamos vendo nos portos brasileiros. Mas isso não é uma questão apenas do Brasil. Em todas as economias do mundo, trata-se de algo normal. Quando começou o “boom” de produção na China, o governo local investiu rios de dinheiro em infraestrutura. O investimento veio depois da demanda.
DINHEIRO RURAL – Por que, mesmo com problemas estruturais, a agricultura no País ainda é uma das mais competitivas do mundo?
DE LA CRUZ – Por enquanto, é. Mas não continuará sendo caso os investimentos não acompanhem. Se o Brasil quer ter condições de concorrer de igual para igual com a Argentina, com os Estados Unidos ou com qualquer grande produtor de alimentos, precisa melhorar a infraestrutura nos próximos anos. O aumento da produtividade não depende apenas do que acontece nas lavouras, mas de todo caminho por onde o alimento passa até chegar à casa do consumidor. Isso também vale para os biocombustíveis. No tema da infraestrutura, o Brasil fica muito atrás dos Estados Unidos ou mesmo da Argentina.
DINHEIRO RURAL – Em termos de investimento, ainda é possível comparar o Brasil com a China?
DE LA CRUZ – Existe algo semelhante acontecendo no Brasil, em menores proporções. Mas os investimentos, ao meu ver, estão acontecendo. O problema é que a agricultura no Brasil está crescendo muito acima da capacidade da infraestrutura. Por um lado, é um problema bom, porque é um sinal evidente de que os negócios do campo estão acelerados. Por outro, reforça a necessidade de olhar com mais atenção a esses gargalos. Ser mais produtivo e eficiente depende disso.
DINHEIRO RURAL – O que a China, hoje o maior parceiro comercial do País, representa para a agricultura brasileira?
DE LA CRUZ – Para a indústria brasileira de manufaturados, a China é o maior concorrente. Para o agronegócio, a China é o maior cliente. São situações distintas. A China tem se mostrado uma fonte de bons negócios.
DINHEIRO RURAL – Quais são os segmentos agrícolas de maior potencial de expansão no País?
DE LA CRUZ – O negócio de sementes tem gerado muitas oportunidades para a Dow no Brasil. As sementes possuem muita tecnologia embutida. Há tanta tecnologia dentro de uma pequena semente quanto há dentro de um chip de computador.
DINHEIRO RURAL – Qual é a participação do Brasil nos negócios da Dow no mundo?
DE LA CRUZ – Esse é um assunto sobre o qual falo com muito orgulho. O Brasil é o nosso segundo maior mercado em todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O mercado brasileiro é prioridade máxima nas estratégias do grupo.
DINHEIRO RURAL – Qual é o sinal de que o País é prioridade?
DE LA CRUZ – Eu levo alguma vantagem quando participo de reuniões globais da Dow. Sempre tenho de concorrer por recursos de investimentos com meus colegas outros países. Não posso abrir cifras, porque é algo confidencial, mas posso garantir que ganho a grande maioria dessas batalhas.
DINHEIRO RURAL – Os investimentos da companhia estão crescendo no País?
DE LA CRUZ – Nós estamos contratando muitas pessoas para atuar no campo. São engenheiros, agrônomos e cientistas que nos ajudam a levar cada vez mais conhecimento para a agricultura e para a pecuária. Estamos construindo uma fábrica em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia. Estamos construindo um laboratóriode altíssima tecnologia em Cravinhos, no interior de São Paulo. Estamos também colocando em pé uma estação experimental em Sorriso, em Mato Grosso, para milho e soja.
DINHEIRO RURAL – Para acelerar o crescimento da economia, muitos especialistas defendem que o governo deve conceder incentivos às atividades que agregam valor às exportações, que não é o caso da agricultura.
DE LA CRUZ – Não há dúvida de que, para enriquecer, um país precisa estimular a exportação, fortalecer a indústria e criar um cenário favorável à criação de conhecimento. Com isso, agrega-se valor aos produtos. Mas não podemos imaginar que um país como o Brasil possa abrir mão de produzir e exportar matérias-primas. O agronegócio é hoje um dos pilares mais sólidos da economia brasileira. Ignorar o valor do setor é um grande erro.