Por Celso Masson

Na história de vida do executivo paulista Pompeo Scola, o empreendedorismo, o campo e a tecnologia se combinam. Depois de ter exercido o cargo de vice-presidente da plataforma Buscapé, dedicada a comparar preços no comércio eletrônico, ele se mudou há quatro anos para o município do oeste baiano Luís Eduardo Magalhães. O motivo: liderar a uma aceleradora de startups para o agronegócio na região do Matopiba (acrônimo para os estados do Maranhão, Tocatins, Piauí e Bahia)“Vim para cá justamente para poder ter acesso aos clientes”, afirmou, ao explicar o modelo de negócio da Cyklo Agritech. “Empresas de São Paulo e de outros lugares do Brasil, assim como de outros países, como Israel, por exemplo, vieram para cá acelerar seus projetos de agronegócio”, disse. Segundo ele, é importante saber que uma startup, na fase de aceleração, atravessa um período no qual ou ela cresce ou ela morre. E, felizmente, no caso das 35 empresas que receberam recursos da Cyklo, 60% já estão faturando, em resultados que variam de R$ 300 mil até R$ 20 milhões por ano. Em dezembro passado, a Cyklo lançou um segundo edital, que prevê cotas de investimentos individuais de R$ 400 mil em 12 novos projetos, que receberão R$ 250 mil cada um. Scola falou à RURAL sobre a importância de estimular a inovação no campo a partir do capital de risco.

RURAL – De que forma sua experiência como vice-presidente do Buscapé preparou o terreno para o que você faz hoje na Cyklo Acritech?
Pompeo Scola – O meu desafio como vice-presidente de desenvolvimento organizacional lá foi justamente criar um programa de aceleração. Eu gostei da experiência de desenvolver pessoas, então eu continuei fazendo isso. A Cyklo é filhote dessa experiência de aprender a lidar com as startups.

E como agronegócio chegou na sua vida?
Seu consultor de desenvolvimento empresarial há 40 anos. Nesse percurso, já havia me envolvido com cooperativas agrárias, caso da Coamo [de Campo Mourão, no Paraná] e Batavo. Mais recentemente, em 2017 e 2018, fiz um trabalho para FMC [multinacional que fornece soluções para diversos setores agrícolas], buscando oportunidade de inovação. E foi então que o pessoal da empresa comentou com os produtores daqui de Luís Eduardo Magalhães que, caso eles precisassem de um consultor na área de inovação, eu seria uma pessoa indicada para atendê-los. Recebi uma ligação de alguns produtores daqui, que estavam reunidos em uma sala. Eles me contaram um pouco do que faziam e o que buscavam. Eu não conhecia a região do Matopiba. Eles queriam um estudo para adquirir startups. Eu expliquei que àquela época não havia startup do agro pronta, que era preciso construí-las. Então desenhei essa estrutura da fundo de aceleração. Captamos pelo menos metade dos recursos aqui com os produtores rurais e alguns empresários que já atuam com a gente, e assim começamos a fazer aceleração das startups selecionadas.

De que forma funciona o fundo de aceleração?
Os valores são pequenos porque a startup nessa fase precisa de pouco dinheiro. Ela consome R$ 250 mil por ano. No primeiro fundo, a Cyklo distribuiu R$ 5 milhões, em dez projetos, para dois anos. Agora, no segundo fundo, estamos captando R$ 10 milhões para rodar quatro anos. Esse recurso vem de produtores e investidores [empresas e pessoas físicas], sem nenhuma participação do Estado. É dinheiro privado, da cadeia do agronegócio. Mas é também venture capital [capital de risco]. Cada investidor entra com R$ 400 mil, divididos em uma parcela inicial de R$ 40 mil e 48 mensais de R$ 7,5 mil.

Existe um perfil de investidor?
São produtores e empresários, gente que produz sementeira, soluções biológicas e orgânicas… é a população do agro. Além disso, entram fundos de investimentos brasileiros e do exterior que mexem com agronegócio. Muita gente coloca um dinheirinho ali para ficar por perto, para ver o que as startups estão criando e participar do resultado delas depois, seja como cliente ou até por meio de aquisições, se fizer sentido para o negócio.

É possível estabelecer um percentual médio de retorno sobre o investimento?
A gente sabe que existe uma taxa de mortalidade alta nas startups. É fato que de 40 investidas, 18 vão morrer. Mas as outras 22 vão vingar e algumas delas podem multiplicar o capital investido quando forem adquiridas. Por isso fazemos um trabalho de pulverizar os investimentos. Isso dilui o risco.

Quais projetos você destaca entre os que foram acelerados até agora?
Eu destacaria uma empresa que desenvolve soluções de nutrição vegetal a partir de compostos orgânicos e minerais, como por exemplo o calcário. Eles criaram 14 fórmulas diferentes de materiais que aplicados na terra devolvem a capacidade produtiva. Por ser uma solução simples e eficiente, essa startup cresceu muito rápido. E agora um grande fundo apresentou uma proposta de compra com múltiplo de faturamento bem alto, algo entre R$ 60 e R$ 70 milhões.

Por que tanto?
Um dos motivos é que o Brasil pegou a bandeira sustentabilidade e essa empresa é sustentável. Ela ajuda a restaurar a terra sem mexer com química, trabalhando produtos naturais orgânicos e minerais que estão na natureza. Existem muitas empresas hoje desenvolvendo soluções desse tipo, mas não oferecem as mesmas fórmulas. Porque ela teve a ideia de usar parcelas de propriedades rurais para fazer testes, laboratórios in loco. E criou referências muito legais. Está no Brasil inteiro.

Algum outro caso de sucesso similar?
Vou falar de outra que tem um crescimento não tão arrojado financeiramente mas que conseguiu uma patente mundial. Ela desenvolveu uma tecnologia de tratamento da semente para conseguir dar maior produtividade a partir da aplicação de gás carbônico de forma controlada. Uma solução que ensina a semente a trabalhar com o metabolismo muito mais lento. Quando ela vai para o solo e encontra água e nutrientes, ela desperta, e a produtividade aumenta 12%. Essa start up nasceu de uma monografia sobre o efeito do gás na terra. O autor é de Londrina (PR) e não encontrou investidores por lá. Trouxe para cá e conseguimos viabilizar.

Quais são as perspectivas para este ano, com o segundo edital?
Aqui nós estamos a poucos quilômetros de Brasília, antão a gente acaba tendo uma boa interlocução com o governo federal e também com as prefeituras, que estão muito conectadas ao agronegócio. O governo federal tem uma oportunidade de criar políticas que interferem inclusive no âmbito das exportações. Já os governos estaduais ajudam na infraestrutura da inovação. Eles podem ajudar através de incentivos ou diminuição de tributos. Eu diria que pelo menos cinco estados no Brasil são influenciadores positivos nessa dinâmica do agronegócio.

Como é a cooperação da aceleradora com o ambiente acadêmico?
No ambiente acadêmico a gente encontra informação, tempo disponível e interesse tanto do professor quanto do aluno. A gente chegou aqui e já fez parcerias. Uma delas possibilitou fazer 200 mil fotografias de um inseto. Eles têm laboratórios de química, física e biologia onde é possível reter o inseto de uma maneira segura, sem infectar a região. A academia consegue aportar inteligência e criar algo prático para entregar à sociedade.

As mudanças climáticas afetaram o agro brasileiro fortemente em 2023. Existe alguma startup com soluções voltadas para o clima?
No Brasil há cerca de 1,5 mil startups do agro em vários estágios diferentes, talvez 500 estejam na fase de pré-aceleração. Um terço já está na outra ponta, formalizado, com clientes. E algumas estão no meio do caminho, ainda procurando o seu espaço. Evidentemente muitas estão buscando soluções ligadas à economia de baixo carbono, que podem ter efeito sobre o clima no longo prazo, minimizando o efeito dessa química que não é sustentável. O que tem que ser feito na sustentabilidade é uma pauta de transição. O mundo não vai exigir metas que sejam impossíveis de cumprir sem quebrar alguma cadeia importante como essa do alimento.

Qual o maior desafio de ter uma aceleradora que atua em uma região geográfica da qual fazem parte quatro estados, com legislações distintas?
Até alguns anos atrás o Matopiba era só um conceito. Mas à medida em que ele foi amadurecendo, surgiram iniciativas para representar os interesses dos produtores da região. Por exemplo, há fazendas que se estendem do Tocantins ao Maranhão, e o período de vazio sanitário é diferente em cada estado. Então, muitas vezes, o agricultor não podia plantar um lugar em um período, mesmo a fazenda atravessando o perímetro geográfico. Como o bioma é parecido, então a gente ficava com uma divisão burra, que não considerava características do ambiente.

Como está agora?
O Matopiba representa 73 milhões de hectares. Um terço disso já foi plantado. Há quatro ou cinco anos começou um projeto para transformar isso tudo em uma comunidade geopolítica, sem necessariamente virar um estado. Existe um projeto em Brasília, há três anos, que já passou por várias etapas de referendo, para legalizar e formalizar essa geografia chamada Matopiba. Seria como a Sudene, uma superintendência desses quatro estados para endereçar adaptações na pauta do Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária], da Embrapa, da vigilância sanitária. Isso é estratégico para lidar com as vantagens que o Brasil pode ter se enxergar essa macrogeografia. Embora ainda não exista essa estrutura, o pessoal se refere ao Matopiba como região – e considera Luís Eduardo Magalhães sua capital.

A troca de governo federal trouxe algum impacto para a região?
Toda vez que há uma troca de governo, independentemente de partido, há um trabalho de reiniciar o diálogo. Essa comunicação será muito importante agora em 2024, porque a movimentação demora um tempo. Este é um ano de ter muitas reuniões com os atores públicos que estão ligados à agricultura e a pecuária para que eles possam entender esse projeto. Na prática, ele vai fazer uma diferença importante para o País.