27/11/2020 - 18:03
A deputada federal e ex-prefeita Luiza Erundina (PSOL), de 85 anos, é presença constante nos programas de TV e na campanha do candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL). Em entrevista ao Estadão, ela defendeu que o vice “precisa estar em perfeita sintonia com o programa”, mas cobrou uma posição “absolutamente clara” de seu colega de partido sobre o aumento do IPTU.
Erundina diz que o aumento de imposto para “mansões”, como proposto no plano de governo, deve ser exposto da forma mais clara possível. Boulos tem evitado falar de aumento de taxas municipais em agendas públicas. “É questão de compreensão da justiça social e para ter justiça social tem que ter justiça fiscal e isso significa cobrar mais de quem ganha mais e menos de quem ganha menos”, diz.
O plano de governo do PSOL fala em “elevação da alíquota de ISS para instituições financeiras e aumento do valor da tarifa do IPTU para mansões”. Durante sabatina do jornal Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira, 26, Boulos disse que não haverá aumento de tarifas a não ser nesses casos que, segundo ele, servirão para “corrigir distorções”.
Questionada sobre a taxa de aprovação de 29%, segundo o Datafolha, de quando deixou a Prefeitura, em 1992, Erundina diz que não é esse o sentimento que encontra quando visita a periferia. Mas, em retrospectiva, diz que tentaria ter uma relação melhor com a mídia.
Uma das críticas que se faz à senhora é ter deixado a Prefeitura com baixa aprovação (29% de avaliação positiva em 1992, ao fim do mandato, segundo o Datafolha). Como a senhora responde a isso?
Se a gente avalia que, depois de 32 anos, aquela experiência ainda é uma referência, muitos programas daquela época são preservados porque a população incorporou, é o contrário disso. E a mídia não era a favor do nosso governo, muito ao contrário. Acho também que a gente não teve uma relação adequada com a mídia. Trinta anos atrás, a gente avaliava que investir adequadamente na comunicação seria retirar dinheiro de políticas mais importantes para a população. Mas isso tirava a oportunidade de a gente prestar contas, mostrar o que estava sendo feito.
Boulos deve fazer este investimento em comunicação que a senhora não fez ou as redes sociais permitem uma relação diferente com a sociedade?
Com certeza. Inclusive as redes sociais vão contribuir para uma participação mais ampla da sociedade na definição das prioridades. Nas discussões sobre orçamento a gente fazia dezenas de plenárias na periferia, presencialmente, mas numa escala impossível de fazer para que a participação fosse realmente ampla. Hoje, não. Seja no sentido de envolver a participação popular, ou de prestar contas do governo ou de instrumentalizar a sociedade para fiscalizar e controlar as ações de governo estes meios virtuais são os melhores. As dificuldades que a gente teve naquela época não teríamos hoje.
A campanha do PSOL fala muito em inverter prioridades. O candidato e o programa de governo falam bastante sobre o que deve ser feito nos bairros mais pobres mas não dizem o que deixará de ser prioridade para que haja essa inversão. O que vai deixar de ser priorizado?
Nos governos tradicionais de São Paulo a prioridade eram obras de infraestrutura urbana, grandes viadutos, túneis, avenidas. Se investia mais no transporte individual do que no coletivo. No nosso governo não investimos em obras deste porte, muito custosas, mas que tomavam recursos por exemplo para moradia popular. Construímos mais de 40 mil casas, sete hospitais que agora estão sob risco de privatização.
A senhora é contra parcerias em serviços públicos?
Não estou dizendo que não se façam parcerias, convênios. Devem ser feitos, mas compatibilizados com serviços diretos do poder público até para que tenha uma referência, padrões a partir dos quais se possa garantir que os serviços tenham o mesmo grau de qualidade.
Boulos fala que não vai aumentar o IPTU, mas a senhora, em entrevista ao Estadão, defendeu que bairros mais ricos paguem mais. A senhora defende que haja aumento nos bairros mais ricos?
É. Isso numa relação de diálogo, de participação, discutindo e dando sentido social e esta medida. Não é para punir. Ser rico não é um defeito ou um pecado. Porém o princípio da solidariedade, na minha opinião, é bom para toda a coletividade. A nossa proposta não é de aumentar indiscriminadamente o IPTU. É dar ao IPTU uma forma mais justa.
No seu governo a senhora tentou aplicar este princípio da solidariedade com a experiência da tarifa zero no transporte em Cidade Tiradentes. Isso terminou com o Ministério Público abrindo uma investigação por improbidade. Hoje este princípio está mais enraizado na sociedade?
Não. Não está. De jeito nenhum. Mas agora tem o fator que é a progressividade do imposto estar prevista na Constituição. Quem tem mais deve pagar mais e quem tem menos deve pagar menos. Eu governei no início da implantação da Constituição de 1988 e faltava ainda a regulamentação. Este óbice do Ministério Público inviabilizou uma experiência que estava sendo gestada. Evidente que este princípio da solidariedade não é fácil de você implementar e fazer todo mundo concordar com isso. Qualquer medida autoritária vinda de cima para baixo, por mais justa que ela seja, cria uma resistência de tal ordem que termina não se viabilizando. Essa é a dimensão pedagógica da política, até ética, eu diria. Nossa vida é tão limitada e curta. A gente precisa de tão pouco. Ninguém precisa de duas camas. Todo mundo come o limite de uma pessoa. É um processo lento, civilizatório, de construção de uma democracia para a gente viver um pouco mais com paz, sem intolerância, sem tragédias. Não é uma questão de esquerda e direita, não. Porque isso não resolve tudo. É questão de compreensão da justiça social e para ter justiça social tem que ter justiça fiscal e isso significa cobrar mais de quem ganha mais e menos de quem ganha menos.
Isso não devia ficar mais claro? Nesta quinta-feira, 26, o Boulos foi novamente perguntado sobre isso e repetiu que não vai aumentar imposto. O pragmatismo eleitoral impede que isso seja colocado por ele de uma forma tão clara quanto a senhora está colocando agora?
Tem que ser colocado de forma absolutamente clara. Não se pode antes de você se submeter a uma votação não se preocupar se as pessoas têm exatamente a noção de quem estão elegendo. Por isso fizeram muita falta os debates que tem sido em parte supridos pelas entrevistas e sabatinas que vocês têm feito. Aquele programa (de governo) foi feito a muitas mãos em plenárias de escuta. E o programa não está fechado, não é uma peça hermética. Vai estar aberta para o teste com a realidade. Alguma coisa pode ser corrigida. Sobretudo porque pretendemos governar de forma descentralizada de verdade. O que diferencia nossos governos pretensamente democráticos e populares é o método de gestão. Nós não somos donos do poder. Na verdadeira democracia o soberano é o povo, não é quem detém o poder político delegado pelo povo.
Boulos deve negociar com outros partidos fora do seu arco de alianças?
Claro. Diálogo permanente, relação de respeito mútuo. O outro também é poder. A população, também. Primeiro, tem de ter uma relação horizontal com o Legislativo, diálogo. Não pode o prefeito designar um secretário para fazer uma relação com o Legislativo. Tem de ser o próprio prefeito. É uma construção permanente de diálogo, transparência e humildade. A transparência, inclusive, vai trazer a visão do cidadão comum, e a posição do cidadão ajudará os vereadores a votar matérias, como o orçamento da cidade.
Se vocês ganharem, irão administrar a cidade tendo Jair Bolsonaro na Presidência e João Doria no Estado. Como a sra. acha que Boulos deve se relacionar com eles?
Cada uma das esferas de poder tem um nível de autonomia, de poder real. O município deve ter soberania e São Paulo não é qualquer cidade. Uma dívida social absurda, mas um poder enorme. Não temos ilusões de que vai ser tranquila essa relação, mas a cidade é poderosa e o gestor de uma cidade como essa é também uma liderança política que tem de ser ouvido. Criamos a Frente Nacional de Prefeitos que até hoje está ativa como espaço de discussão das questões municipais e construção de consensos. As outras esferas de poder têm de respeitar São Paulo e o gestor da cidade de São Paulo tem de ter autonomia.
Seu governo investiu em construções de moradia nas periferias e, hoje, há quem critique a forma como isso foi feito entre urbanistas. Houve adensamento de regiões distantes dos locais de trabalho. Como a sra. vê esse ponto?
A proposta do Boulos aborda isso. Tem 400 mil imóveis desocupados no centro expandido, alguns que sequer pagam IPTU. A Prefeitura pode adquirir esses imóveis e construir moradia popular. Fizemos isso no Brás. A Prefeitura comprou quatro casarões que eram cortiços e construiu em mutirão conjuntos habitacionais. Foi uma experiência exitosa. Aproveitar esses espaços e socializar esses espaços, porque o centro já dispõe da estrutura montada. Mas a periferia também tem vida. O cidadão quer sua moradia onde ele vive.
Vocês conseguiram uma aliança no segundo turno com sete partidos. Os programas do fim de semana tiveram Lula, Ciro Gomes, Marina Silva, Flavio Dino, algo que parecia muito pouco provável. Nesse sentido, qual o impacto da candidatura de vocês pode ter na unidade das forças de oposição ao governo Bolsonaro em 2022?
É antes de 2022. Os problemas estão colocados aí. Pandemia, desemprego em massa, o problema da deseconomia, a queda brutal do PIB. O País não cresce mais, a inflação está voltando. Os problemas estão para ser enfrentados já. Há uma crise de desesperança. As pequenas e médias empresas estão falindo. A sociedade, a juventude, está se organizando, voltando a acreditar. Quase 70% dos que declaram voto, estão fazendo campanha para o Boulos, são jovens. Eu estou muito gratificada, independente do resultado final desse processo. Não dá para ficar assistindo as bobagens que o presidente fala, a falta total de projeto para o País. As forças políticas com algum nível de identidade têm de estar juntas.
O presidente do PSDB paulista, Marco Vinholi, gravou um vídeo em que diz que a campanha de vocês foca na figura do vice para, subliminarmente, trazer para a eleição o fato de que Covas tem um câncer. Isso é verdade?
Absolutamente! O que a gente acha é que o vice é um cargo importante. Tem de ser alguém com identidade e proposta. A substituição do titular não se dará apenas com uma ausência definitiva do titular. Um prefeito de São Paulo precisa viajar para o exterior, fazer política internacional. Aqui é a cidade dos mil povos. As embaixadas do mundo inteiro estão aqui, o capital internacional, os maiores bancos. Não viajar porque quer ser presidente da República, mas para viajar como prefeito, fazer acordos. Consequentemente, o vice precisa estar em perfeita sintonia com o programa, com as responsabilidades, os compromissos, e preparado. Esse candidato a vice-prefeito não aparece, não se mostra. Se ele não tem nada a ser acusado, que venha, para que o cidadão o conheça, saiba quem é. Eu, como vice, não vou ser uma figura decorativa e o Boulos sabe disso. Portanto, Deus queria que esse jovem, Bruno Covas, que tem se mostrado de uma garra, de vontade, lutando pela vida, vá até o fim se ele eventualmente chegar lá. Afirmo a vocês com a mais absoluta honestidade: as críticas que estão sendo feitas ao vice, pelo comportamento dele, pela ausência dele, não têm esse sentimento tão perverso.
Qual é sua opinião a respeito de Bruno Covas?
Como pessoa, não tenho nenhuma restrição a ele. Ele era o neto mais querido de Mário Covas. Eu era muito amiga do Mário Covas. Nenhum óbice à pessoa dele. Ele não é uma liderança carismática, mas ninguém é obrigado a ser uma liderança carismática. É um homem sério e honesto. Mas é uma pessoa dependente do Doria. E o Doria não é peça que se junte. Inclusive, há indícios de que essa indicação do Nunes foi do Doria, que quer apoio do MDB em 2022. Porque a lógica atual presente em São Paulo é 2022. O PSDB não é mais o partido de sua origem, social-democrata, de Mário Covas, Franco Montoro. Era uma novidade que destoava das forças paulistas. Hoje, não é assim. Bruno Covas, jovem liderança, está submetido a essa lógica do partido de hoje.
Por que a senhora saiu candidata?
Não queria mais ser candidata, mas se impôs a mim a condição para termos Boulos candidato. Conheço o Boulos, sei de sua história de vida. Logo que ele terminou a candidatura presidencial, o procurei. Não era íntima, era companheira de partido. ‘Olha, se eu fosse você, colocaria seu nome ao partido para ser candidato em São Paulo. Você tem uma trajetória política à frente’. Ele disse que não, que ia viajar pelo País, fazer palestras em universidades. E foi o que fez. Mas aí ele impôs: ‘Só saio candidato se você for a vice.’ Pensei que o preço era alto demais, mas para ser coerente, se de fato eu queria que ele fosse candidato, cedi: ‘Vamos lá.’ E está dando certo, desculpe a falsa modéstia.