20/06/2025 - 15:30
A erva-mate, matéria-prima de bebidas populares como chá, chimarrão e tereré, já foi chamada de ouro verde. Hoje sua produção está concentrada na região Sul do país, mas já foi cultivada em diversas outras áreas do Brasil.
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O cultivo da erva-mate foi fundamental para o desenvolvimento dos estados do Sul, sobretudo do Paraná durante o século XIX. E até hoje esse cultivo movimenta a economia da região e é fonte de renda para milhares de agricultores.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil é o maior produtor global da planta. Os dados mais recentes, referentes ao ano de 2023, mostram que foram produzidas no país aproximadamente 750 mil toneladas de erva-mate. Desse volume, cerca de 80% é destinado ao consumo interno.
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A Embrapa Florestas aponta que 96% de toda a erva-mate que é processada para consumo no país sirva como matéria-prima para o chimarrão (mais comum no sul do país) ou o tereré (predominante em regiões mais quentes). Os outros 4% estão distribuídos em chás, refrigerantes e produtos derivados.
Embora não seja uma commodity de demanda global como o café, a erva-mate possui grande relevância social. O setor gera mais de 710 mil empregos diretos e movimenta aproximadamente 1 bilhão de dólares anualmente.

O produto é fonte de renda complementar, principalmente no inverno, quando outras culturas têm menor produção. Ainda assim, existem produtores que apostam apenas no cultivo dos ervais.
Um deles é Alcir Fonseca, que tem produção na cidade de Machadinho, no Rio Grande do Sul. Primeira região do estado que obteve o reconhecimento de Indicação Geográfica (IG) para a produção de erva-mate. Apenas outras duas regiões no Brasil possuem esse reconhecimento: São Matheus (PR) e o planalto Norte Catarinense (SC).
“Merecíamos ter a IG, somos o estado que mais consome e ainda não tínhamos. Para o consumidor geral vai ser muito bacana, pois agora ele sabe de onde vem o que está comprando de nós, sabe que tem qualidade. Nossa expectativa é que valorize nosso produto”, diz Alcir Fonseca.

A indicação geográfica necessita associação com um território, seja um ou vários municípios ou até estados, como ocorre com o Mel do Pantanal, produzido tanto no Mato Grosso como no Mato Grosso do Sul.
Especialistas estimam que mais de 100 espécies de plantas podem coexistir com a erva-mate. O produtor contou à Dinheiro Rural, que se aproveita disso para cultivar alimentos para sua própria subsistência, mas não quer “se aventurar” em culturas maiores tão cedo.
“Minhas terras não são grandes, não penso em investir em grãos. Financeiramente não estou perdendo. Para o pequeno produtor que se dedica e cuida do herbal, ele obtém um rendimento melhor do que com soja em termo de renda por hectares, mesmo que seja só vendendo a folha para a indústria. O investimento para começar a produzir é muito menor”, explica.
Enquanto tomava um chimarrão, Fonseca contou que grande parte do que vende é destinada para a bebida quente que é um dos símbolos da cultura gaúcha. Mas apesar de toda essa representatividade para o estado, o maior produtor não é o Rio Grande Sul, mas o Paraná. E o produtor aponta o motivo.
“A erva-mate do Paraná tem uma qualidade excelente. Nós ficamos para trás porque entrou muita semente vinda da Argentina com qualidade inferior, com muito menos padronizações. Quem tinha erva-mate acabou arrancando para plantar soja, pois não tinha erva de qualidade. Mas estamos melhorando graças a uma série de pesquisas, principalmente da Embrapa”, diz Fonseca.
Técnica reconhecida pela ONU como Patrimônio Agrícola Mundial
O Paraná é o maior produtor brasileiro de erva-mate, com aproximadamente 30 mil famílias envolvidas na cultura e movimentação de cerca de R$ 1,3 bilhão, de acordo com os dados de Valor Bruto da Produção (VBP) de 2023. As estimativas apontam que cerca de 70% de toda a área de cultivo de erva-mate do Paraná é feita pela técnica sombreada.

Essa técnica nos cultivos de erva-mate no Paraná foi reconhecida em maio deste ano como Patrimônio de Sistemas Agrícolas de Importância Global (Giahs) pela Organização das Nações Unidas (ONU) para Alimentação e Agricultura (FAO). O título reconhece sistemas produtivos sustentáveis que valorizam o conhecimento tradicional e a agrobiodiversidade.
“É comum em regiões que têm baixa produção agropecuária porque foram menos desmatadas. A erva-mate sombreada é uma grande alternativa de cultivo porque ela mantém a floresta em pé, você consegue explorar ela dentro do remanescente florestal”, explica o engenheiro florestal Avner Paes Gomes, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR)
Ainda segundo o pesquisador do IDR, nessa forma de cultivo, com uma incidência de luz diferenciada, a planta acumula mais taurina e teobromina, que são componentes mais valorizados pelas indústrias de chás, de energéticos e cosméticos.
A indústria da erva-mate
Duas das maiores empresas do Brasil no segmento tem sede no estado da arucária. Tanto a Leão, que já foi Leão Junior e hoje pertence à Coca-Cola, como a Real, que se intitula uma das pioneiras na comercialização da erva-mate na forma que conhecemos hoje.

Marcelo Correa, CEO da Leão, diz que o carro-chefe da empresa segue sendo o mate tostado a granel, principal na categoria de chás. Segundo ele aponta, um dos propósitos da empresa é tornar o produto brasileiro mais conhecido internacionalmente.
“O mercado de mate verde é bastante volumoso e descentralizado, nós, como líderes na categoria de chás no país, temos o papel de organizar esse setor. É uma cadeia que já coloca o produto na mesa dos brasileiros, mas não mundo afora. Hoje já estamos em 28 dos 50 estados americanos, ainda concentrados nos brasileiros que moram lá, mas queremos ampliar”, explica.
Correa afirma que a Leão detém aproximadamente 66% do mercado de chás no Brasil, considerando todos os sabores. Uma categoria que rompeu a barreira de R$ 1,3 bilhão em 2024.
Henrique Fontana, herdeiro e atual CEO da Chás Real, faz parte da quinta geração à frente da empresa fundada em 1834. Segundo ele, 60% de toda a receita financeira vem da venda de produtos com erva-mate. Fontana aponta que o setor ainda tem dificuldades para cresçer para outros mercados.
“O setor precisa se unir. A certificação pela FAO pode ser um passo para que olhem para nós. Ainda existe muita resistência em alguns países porque concorremos com o chá-verde. Para nós, é importante que o Messi apareça tomando chimarrão como ele fez, para que as pessoas vejam e se interessem”, diz Fontana, que brinca: “não conheço ninguém que tenham vivido menos de 90 anos tomando chimarrão.”
*Estagiário sob supervisão