01/02/2008 - 0:00
Passados quatro meses da Operação Ouro Branco da Polícia Federal, as investigações continuam. Provas seguem sendo juntadas e praticamente não há dúvidas de que os responsáveis pela cooperativa Coopervale responderão a um considerável número de processos criminais. Se haverá condenados ou não, isso é outra história. Caberá à Justiça resolver a questão. O fato é que o escândalo de certa forma abalou a confiança do consumidor em relação à qualidade do leite brasileiro e colocou em xeque a capacidade de fiscalização do Ministério da Agricultura. O mais intrigante nesse episódio não está nas manchetes amplamente divulgadas pela imprensa, mas sim nas entrelinhas das notícias. O fato é que uma série de estranhas coincidências convida à reflexão. A primeira pergunta que deve ser feita é: por que a ação da Polícia Federal aconteceu justamente na semana que antecedia o lançamento de ações da Laep, empresa detentora da marca Parmalat na Bolsa de Valores de São Paulo? A segunda questão, não menos importante: por que, mesmo tendo conhecimento das fraudes há quatro meses, a Polícia Federal demorou tanto para agir, permitindo até o consumo de produtos supostamente adulterados? E por último: por que outras empresas passaram quase incólumes pelo problema, mesmo captando leite na mesma cooperativa? Quem tenta responder? A própria Polícia Federal.
Segundo o delegado responsável pela operação, Ricardo Ruiz, tudo não passou de uma grande coincidência. “A Parmalat entrou de gaiata na história”, admite. “Acho que ela foi mais atingida justamente pelo tamanho que possui e por ser a empresa mais conhecida pela mídia”, diz. O delegado informa que a data da operação foi estabelecida pelo escritório de Brasília e só não aconteceu antes para não prejudicar as investigações. Por que outras empresas, como a Nestlé e a Eleva, por exemplo, não receberam a mesma exposição? “Isso quem definiu foi a mídia”, afirma o delegado. O curioso, porém, é que a mídia vinha sendo pautada pela própria Polícia Federal.
OPERAÇÃO E CONFUSÃO: apesar do escândalo, perícia não conseguiu comprovar a adulteração
O aspecto mais importante, no entanto, surgiu após a perícia do Instituto Nacional de Criminalística. Quando vieram a público os resultados da análise dos produtos apreendidos, não se provou o uso de soda cáustica na Coopervale, conforme havia sido amplamente divulgado. Segundo o perito criminal Sérgio Cibreiros, responsável pelas análises do leite coletado, os testes exigidos pelo Ministério da Agricultura nem sempre possuem a eficiência necessária. “Tanto a soda cáustica quanto a água oxigenada se dissolvem no leite e depois de algum tempo são difíceis de serem detectadas”, afirma. Embora nada tenha sido provado até agora, ele diz que o caso ainda não foi encerrado. “Recolhemos uma série de provas na Coopervale que, juntas, provarão a fraude”, analisa.
“NEM A POLÍCIA FEDERAL CONSEGUE DERRUBAR O PREÇO DO LEITE NO BRASIL”
GUSTAVO BEDUSCHI, pesquisador do Cepea/USP
Passada a tormenta, de acordo com os especialistas, não houve danos permanentes. Houve uma queda de preços temporária, que causou prejuízos aos produtores. Para o pesquisador Gustavo Beduschi, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), porém, os preços ainda estão 30% acima dos de janeiro de 2007. “Nem a Polícia Federal derruba o preço do leite”, brinca. O representante da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, Jorge Rubez, disse que não se pode nivelar o mercado por baixo. “Se há problemas, eles têm de ser solucionados, mas sabemos que os grandes laticínios são empresas sérias e merecem todo o respeito”, avalia. Segundo informações da Polícia Federal, amostras de todo o País foram colhidas para que se pudesse ter uma idéia da situação. “Percebemos que há problemas a serem solucionados, mas, como eu disse, algumas regras terão de ser mudadas no Ministério da Agricultura. Só assim o consumidor e as empresas poderão ter a certeza de que compram o produto saudável que todos queremos”, pondera. Até agora, como o caso continua muito mal explicado, é lícito colocar a seguinte questão: em vez do leite, não era o escândalo em si que estava adulterado?
Ibiapaba Netto