O Réveillon em Paris é um dos mais badalados do mundo. Mas, para os executivos da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), a virada do ano terá duplo sentido. É que a partir do dia 1º de janeiro, logo depois que os fogos se apagarem, a entidade que reúne as três maiores processadoras de suco de laranja do Brasil (a Citrosuco, resultado da fusão dos grupos Fischer e Votorantim, em 2012; a Cutrale, controlada pela família de José Luís Cutrale; e a Louis Dreyfus Commodities (LDC), trading de origem suíça) começará uma corrida em busca do mercado perdido. Ela quer convencer o consumidor europeu, que nos últimos anos começou a duvidar dos benefícios da fruta, de que o suco brasileiro é um alimento saudável. Nos últimos dez anos, o consumo na Europa recuou 31%, passando de 966 mil toneladas anuais, para 662 mil toneladas em 2014. No mês passado, para tentar reverter esse quadro, a CitrusBR e a Associação Europeia de Sucos (AIJN, na sigla em francês), entidade que reúne 25 engarrafadoras de sucos e bebidas que atuam nesse continente, fecharam uma parceria na qual serão investidos US$ 7 milhões, em 2016, em várias ações de fomento do setor. O anúncio aconteceu durante o Juice Summit 2015, o principal encontro da indústria global de sucos, realizado em Antuérpia, na Bélgica. “A parceria é inédita e com ela esperamos reduzir o atual ritmo de queda do consumo, que é de 3% ao ano”, diz Ibiapaba Netto, diretor executivo da CitrusBR.

O contra-ataque do setor está começando pela Europa, por se tratar do maior cliente da indústria nacional de citros. No ano passado, as compras europeias totalizaram US$ 1,2 bilhão, valor que corresponde a 63% das exportações brasileiras. Mas, em todo o mundo, o suco da fruta nunca esteve tão em baixa. Um estudo realizado, em 2012, pela CitrusBR em parceria com a sueca Tetra Pak revelou que, na última década, a demanda global saiu de 2,4 milhões de toneladas, por ano, para pouco mais de dois milhões no ano passado, volume que representa um recuo de 15,3%. Nesse mesmo período, as exportações brasileiras caíram 26%, saindo de 1,4 milhão de toneladas, para pouco mais de um milhão, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).


“Queremos limpar a barra do suco, mostrando que é uma bebida saudável” Ibiapaba Netto, diretor executivo da CitrusBR

O principal motivo dessa queda não é a economia europeia, em crise nos últimos anos, mas o alto bombardeio de informações enviesadas na mídia local, apontando o suco de laranja como um produto pouco benéfico à saúde. “Queremos limpar a barra do suco, mostrando que ele é uma bebida saudável”, diz Netto. Ele se refere, por exemplo, a estudos como o que a Universidade da Califórnia realizou, em 2009, que atesta que o índice de frutose no suco, o açúcar da fruta, é tão prejudicial à saúde como o açúcar contido nos refrigerantes.

Para desmentir informações desta natureza, está contemplada na parceria Citros-AIJN a revisão dos mais recentes estudos que atribuíram ao suco da fruta a pecha de alimento de baixa atratividade. A tarefa está a cargo de uma rede de pesquisadores, entre eles o francês François Luro, do Instituto Nacional em Pesquisa Agronômica (INRA, na sigla em francês), da Córsega. Nos últimos anos, o Luro já revisou 400 pesquisas sobre o suco de laranja. A partir de agora, esses estudos e outros que virão, a favor da fruta, serão levados a congressos internacionais de alimentação e nutrição, e também serão apresentados através de canais de comunicação, como sites e redes sociais.  “Vamos mostrar estudos que sejam absolutamente fundamentados, pois, do contrário, podemos dar um tiro em nossos próprios pés”, afirma Netto. O plano de contra-ataque da indústria do suco tem um prazo de três anos, podendo ser ampliado por mais três. Os aportes financeiros das entidades serão definidos por ano.

Para o engenheiro agrônomo Marcos Fava Neves, professor de planejamento estratégico da Universidade de São Paulo, e um dos maiores especialistas da cadeia do suco de laranja no País, a iniciativa da CitrosBR pode dar os resultados esperados. “Eles vão depender da envergadura e do impacto das ações da parceria”, diz Fava Neves. “O importante é não ficar de braços cruzados.” Ele lembra da campanha Got Milk? (Tem Leite?, na tradução do inglês), realizada nos Estados Unidos pela California Milk Processor Board, em 1993. Posteriormente liberada para que todas as processadoras americanas da bebida utilizassem o slogan em suas campanhas, o Got Milk? caiu no gosto do público e se tornou um ícone da cultura pop no país. O consumo de leite, que era de 67 bilhões de litros por ano, hoje é de 85,6 bilhões de litros.