02/11/2025 - 7:30
Com várias cidades entre os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado de Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonha já sofreu muito tempo com o estereótipo de pobre e atrasado. Mas coletivos empreendem hoje um esforço para expandir as belezas e riquezas da região em áreas como a cafeicultura, a apicultura e o artesanato.
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Um dos primeiros produtores de café fixados na região, Cláudio Nakamura, de 60 anos, conta que “a mudança não é muito rápida, mas gradativamente a região tem melhorado bastante”, diz. Neste ano, ele foi um dos premiados no 4º Prêmio Chapa de Minas de cafés especiais, e realizou a maior venda da história do concurso: três sacas de 60kg por R$ 8,4 mil cada, totalizando mais de R$ 25 mil.
Como Nakamura, outras famílias com anos na região começam a acessar um poder aquisitivo maior. “Em São Paulo, Belo Horizonte, se a gente tiver um salário melhor, a gente não interfere tanto na economia. Mas em distritos pequenos assim, reflete muito rápido”, analisa a professora Tatiana Nunes Amaral, do Instituto de Ciência e Tecnologia da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri).
Segundo o Amaral, o impacto aparece em aspectos como o crescimento do comércio local, fixação maior das famílias nos territórios e um aumento da dignidade da população como um todo.
Projeção para além do Vale do Jequitinhonha
No centro das mudanças estão associações focadas em levar a produção local para além dos limites de suas cidades. Gerente regional do Sebrae para as regiões Jequitinhonha e Mucuri, Rogério Nunes Fernandes esclarece que as organizações são fundamentais para coordenar demandas e buscar parceiros.
“Nós não temos como saber do que o produtor precisa. Apenas ele mesmo pode dizer”, explica Fernandes. Uma vez montadas as organizações coletivas, o Sebrae oferece apoio para estruturação dos negócios, profissionalização dos produtores e conexão com vendedores.
“Atendendo de forma individual, sair para o macro e ter impacto é muito difícil. Então, para que a gente consiga ter escala e um resultado em nível regional e global, mais horizontalizada, mais capilarizada, com mais transversalidade, é essencial que a gente tenha grupos organizados”, explica Julian Silva, analista do Sebrae que também atua na região.
A Cooperativa dos Apicultores do Vale do Jequitinhonha (Coopivaje), por exemplo, estabeleceu nos últimos três anos parcerias com distribuidores para vender seu produto em outras regiões de Minas Gerais e até em outros estados. Desde então, a quantia comercializada por ano passou de 150 kg para 650 kg e mira os 1,3 mil kg em 2026.

“A gente, felizmente, vem conseguindo bons resultados com o trabalho que vem sendo feito, mas não foi um processo fácil”, afirma o coordenador da Coopivaje, César Oliveira. “No início, a gente apanhou bastante, porque a gente tentava buscar o mercado de uma maneira desorganizada.”
A professora Tatiana Nunes Amaral explica que o acesso a mercados de forma individualizada reflete em acesso a compradores e em preço, já que há perda de poder de negociação. “Em qualquer cadeia, se você vai comprar uma unidade ou 10 mil, o valor muda”, explica.
Em outro exemplo, artesãs da região do Campo do Buriti, na cidade de Turmalina, passaram a receber grandes encomendas após estruturarem-se na Associação de Artesãs Coqueiro Campo. “Nós já vendemos para a Camicado e Tok & Stok”, exemplifica.

Novos turistas
Ao mesmo tempo em que os moradores do Jequitinhonha passam a enviar sua produção para fora, mais turistas começam a chegar a região, muitas vezes movidos justamente pelo ímpeto de compra. O Prêmio Chapa de Minas, por exemplo, leva anualmente desde 2022 um grupo de compradores de café para a cidade de Capelinha (MG), interessados nos cafés especiais que passaram a ser cultivados na região.
Na edição de 2025, o empresário Bruno Wariss veio de Belém, no Pará, para participar do leilão de cafés da região. Proprietário de uma torrefação que finaliza os grãos para distribuição nas cafeterias de seu estado, ele trabalha com cafés especiais desde 2008. “Eu vim de longe para chegar aqui. São dois aviões, um ônibus, mas vale a pena porque tem excelentes cafés”, diz.
Tatiana Nunes Amaral destaca, no entanto, que ainda há espaço para maior exploração do potencial turístico. “Tem gente em Brasília, São Paulo, BH que nunca viu uma vaca. A gente monta visitas em fazendas, faz eventos gastronômicos, amplia as festas religiosas. Acho muito interessante e movimenta de forma absurda a economia”, aconselha.
