Um brasileiro na meca do puro sangue inglês

Em meio aos luxuosos haras do Kentucky, histórias saborosas pontuam a vida do agente de cavalos de corrida José Laudo de Camargo, há 22 anos radicado nos EUA

Sem esnobismo: o “outsider” Camargo tem um haras relativamente simples para os padrões de Versailles

Ao criador de cavalos José Laudo de Camargo não faltam boas histórias. Brasileiro, ele vive há 22 anos na cidade de Lexington, no Kentucky, considerada uma espécie de meca dos cavalos puro-sangue inglês. Enquanto dirige ladeando as luxuosas propriedades próximas a seu haras, Camargo vai relembrando os nomes dos animais que já negociou. Para os padrões locais, onde predominam o luxo e a ostentação, seu haras, o Santa Escolástica, na cidade de Versailles, a poucos quilômetros de Lexington, é relativamente simples. Camargo faz de tudo um pouco: investe em puro-sangue inglês sozinho ou em sociedade e administra a carreira de cavalos de corrida de criadores brasileiros nos Estados Unidos. Representa haras brasileiros e argentinos em aquisições no famoso recinto de negociações do hipódromo de Keeneland, onde são vendidos anualmente mais de cinco mil animais, em leilões de reprodutores, éguas e potros de um ano, que ocorrem em janeiro, abril, setembro e novembro. Nas mais de duas décadas em que atua em Lexington, ele calcula ter exportado para a América do Sul acima de 600 cavalos. Além disso, Camargo também vende coberturas de garanhões americanos em éguas da América do Sul.

Mercado bilionário: criação de equinos tem PIB de US$ 101 bilhões e gera 1,4 milhão de empregos diretos

Declaradamente um “outsider” no mundo aristocrático dos cavalos puro-sangue inglês, Camargo estudou zootecnia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e chegou a ser cavalariço na Europa e treinador no Hipódromo da Cidade Jardim, em São Paulo. Para ele, dono de 30 cavalos e éguas em haras nos Estados Unidos, Uruguai e Argentina, o excesso de esnobismo na criação é coisa do passado. E para isso contribuiu a influência americana, que considera os cavalos de corrida como um negócio que precisa ser lucrativo como qualquer outro. “O mundo dos cavalos hoje é grana, não é uma casa de lordes europeus”, diz Camargo. As estatísticas do impacto da criação equina na economia dos Estados Unidos são impressionantes: o setor tem um PIB de US$ 101 bilhões e gera 1,4 milhão de empregos diretos. “É uma mentalidade burra ficar preso às tradições e não fazer o que dá dinheiro, porque o pai ou o avô não faziam”, diz.

No hipódromo de Keeneland, vazio numa manhã de maio, esse carioca de 58 anos fala sem parar. Circula pela pista em que são apresentados os cavalos aos compradores e lembra alguns de seus acertos na compra de animais. Uma das histórias que mais gosta de contar é a da potranca Farda Amiga, adquirida por US$ 45 mil quando ela tinha um ano. Pelo pedigree, a potranca poderia valer até US$ 300 mil, mas estava sendo ofertada por US$ 100 mil. “Comprei por impulso e me arrependi quando o vendedor disse que ela tinha um defeito só detectável por raio X e que a probabilidade de que pudesse correr seria muito pequena”, diz Camargo. O arrependimento durou pouco: Farda Amiga não apenas ganhou US$ 1,3 milhão nas pistas como recebeu, em 2003, o título de melhor égua de três anos nos Estados Unidos, entre 17 mil potrancas de sua geração.

Um brasileiro na meca do puro sangue inglês

Em meio aos luxuosos haras do Kentucky, histórias saborosas pontuam a vida do agente de cavalos de corrida José Laudo de Camargo, há 22 anos radicado nos EUA

Olhar afiado: escolha de animais que se tornam campeões é rotina na vida do brasileiro José Laudo Camargo

Camargo, que acompanha as competições de perto, comemorava uma vitória específica no fim de maio: a do cavalo Gitano Hernando, na Singapore Airlines International Cup, com prêmio de US$ 3 milhões, depois de ter sido vendido por US$ 4 milhões neste ano ao presidente checheno, Ramzam Kadyrov, conhecido por sua extravagante coleção de carros. Camargo havia recomendado a compra da mãe de Gitano, a égua Gino´s Spirit, a um cliente brasileiro. A égua fez carreira nos EUA e foi vendida por US$ 550 mil como reprodutora, antes de gerar Gitano. Ele também se orgulha de ter selecionado cavalos campeões, como New Real Deal, e as éguas Bandeira Nativa, Clausen Export e Curitiba, todas puro sangue inglês.

Bebericando um copo de bourbon, na cozinha de sua casa, o brasileiro relembra em detalhes como começou sua história no mundo dos cavalos americanos. Ele comprou seu haras em 1991 e, com a lábia de vendedor, criou um segundo negócio: agenciar coberturas de cavalos americanos campeões campeões para criadores do Brasil e da Argentina. Primeiro, convenceu os donos dos animais a permitir a viagem fora da estação de monta, e depois começou a organizar visitas de criadores americanos aos maiores haras brasileiros. “Esses reprodutores ficavam descansando, como era a tradição”, diz. “Aos poucos consegui convencer os donos a mandá-los para o Hemisfério Sul.”

Depois de promover a ida de criadores americanos para conhecer as instalações de haras brasileiros, Camargo fechou “aluguéis” de reprodutores por temporada, vendendo as coberturas por 30% a 50% do preço cobrado nos Estados Unidos, no chamado sistema de “shuttling”. As coberturas dos garanhões podem custar de US$ 20 mil até US$ 100 mil. A viagem entre os EUA e o Brasil custa US$ 30 mil e da Europa para o Brasil, US$ 70 mil. Nos últimos dez anos, Camargo trouxe cerca de 20 reprodutores para o Brasil e a Argentina.

Quando os cavalos são valiosos demais para viajar, Camargo leva as éguas aos Estados Unidos para a cobertura. Foi o processo que deu origem a um de seus cavalos mais famosos, o Rio de La Plata, que nasceu do cruzamento da matriz argentina Express Way com o reprodutor Rahy, em 2005. Nascido no haras Santa Escolástica, o cavalo foi vendido ao sheik Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, de Dubai. “Ele ganhou US$ 1,36 milhão, em prêmios, na França”, diz Camargo. A participação do sheik nos leilões anuais de Keeneland faz parte do folclore local. No ano passado, ele gastou “apenas” US$ 11 milhões, ante uma média de US$ 60 milhões nos anos anteriores.

Nos Estados Unidos

criação de equinos movimenta US$ 101 bilhões

emprega 1,4 milhão de pessoas

leilões em Keeneland vendem 5 mil animais por ano