Primeiro as intempéries do Hemisfério Sul causaram grandes perdas nos campos de soja e trigo de Brasil e Argentina. Agora, a mais severa seca das últimas cinco décadas dizima as lavouras de soja e milho dos Estados Unidos e de trigo, na Rússia. O raro fenômeno que quebrou duas sucessivas safras nos maiores celeiros agrícolas do mundo, no período de apenas um ano, fez acender a luz amarela no mercado internacional de commodities. Como a demanda mundial se mantém firme, os estoques das principais culturas têm sido consumidos e começam a atingir níveis preocupantes. No caso da soja, um grão que serve de matéria-prima para a cadeia de proteína animal e está presente em boa parte da indústria alimentícia, as reservas estratégicas são 24,1% menores do que as de dois anos atrás. Com quebra de safras em 11 dos 17 grandes países produtores de trigo, os silos do cereal também estão mais vazios, com estoques 10,5% inferiores ao período pós-colheita de 2011. O efeito dessa escassez é a velha e conhecida pressão sobre os custos da pecuária e nos preços dos alimentos.

Neste ano, a cotação das principais commodities agrícolas voltou a testar os recordes alcançados durante a crise mundial de 2008. O bushel da soja, que custava US$ 11 no fim de 2011, chegou a US$ 17,57, em 21 de agosto, empatando no teto histórico. Mas o produto mais disputado no mercado, no momento atual, é o milho. A quebra na safra americana, com perdas superiores a 100 milhões de toneladas – um terço da produção estimada –, deu um duro golpe nos estoques do maior produtor mundial. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), no mês passado as reservas estavam em alarmantes 3,13 milhões de toneladas. Isso equivale a 45 dias do consumo doméstico. “O ideal é um estoque mínimo equivalente a quatro meses”, diz Lucílio Rogério Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados e Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, em Piracicaba. Segundo Flávio França Júnior, diretor da consultoria Safras&Mercados, não há um problema mundial de estoques, mas a situação americana tem repercussão global. “O mercado internacional é balizado pelo dos Estados Unidos, porque, além de maior produtor, é também o maior consumidor”, diz.

O impacto no preço das carnes, óleos vegetais e panificação é considerado inevitável. Essa situação levou a FAO, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a alimentação, a emitir alerta, pelo terceiro ano seguido, sobre a elevação acentuada no preço da comida. Para os especialistas, ainda não há risco de desabastecimento, especialmente no Brasil, onde os estoques ainda permanecem em níveis confortáveis. Mas a disputa mundial pelos produtos deve manter as cotações próximas do patamar atual, pelo menos, até mea dos de 2013. A torcida é, portanto, para que as lavouras de soja e milho do Hemisfério Sul, sobretudo do Brasil e da Argentina, tenham uma safra boa, e ajudem a normalizar os estoques, reduzindo a pressão sobre os preços. Sávio Pereira, assessor econômico da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, conta que o aumento da área plantada de soja no Centro-Oeste, de 25 milhões de hectares para 28 milhões de hectares, deve render uma safra recorde no ano que vem. “O prognóstico é o melhor possível”, afirma Pereira. E que o clima colabore.