A no após ano registra-se o crescimento do percentual da população mundial que vive em áreas urbanas. As cidades vêm assumindo cada vez mais um papel importante na economia de seus países como “motores do crescimento”, concentrando atividades da indústria, comércio e serviços, inovação e tecnologia, e expressivos mercados consumidores. Numa primeira leitura, esse fato pode dar a impressão ao leitor de que o agronegócio é hoje uma atividade secundária, menos representativa na economia mundial. Nada pode estar mais distante da realidade. Campo e cidade mantêm uma relação simbiótica desde o estabelecimento das primeiras comunidades urbanas, nos vales dos grandes rios na Antiguidade. Foi essa “divisão de trabalho” que permitiu às civilizações flo rescerem. O campo atende a mais básica das necessidades humanas por alimento. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que a produção de alimentos terá de crescer 20% a cada ano, até 2022, para atender à demanda mundial. Nesse cenário, a União Europeia contribuiria com um acréscimo de 4%; a Austrália com 7%; os Estados Unidos e o Canadá com 15%; a Rússia e a China com 26% e o Brasil poderia entrar com o substantivo incremento de 40%.

O agronegócio é uma força importantíssima na economia brasileira, tendo gerado, no ano passado, um PIB próximo a R$ 1 trilhão – cerca de 23% do PIB nacional. Trata-se de um crescimento próximo a 6%, o dobro do registrado pelo País, como um todo, no mesmo período. E a nossa classe média continua se expandindo, aumentando o poder de compra do mercado interno.

Qual contribuição um arquitetourbanista pode oferecer nesse cenário? Uma palavra que hoje é ubíqua nos debates e discursos relativos a qualquer recorte territorial em praticamente todas as áreas do conhecimento, das políticas públicas e das ações do setor privado é a sustentabilidade. E o que é a sustentabilidade? Sustentabilidade é, em primeiro lugar, o não desperdício. É uma relação entre o que é economizado e o que é desperdiçado. Quanto mais o desperdício tende a zero, mais a sustentabilidade se aproxima do infinito.

Vejo três frentes que podem ser aperfeiçoadas naquilo que diz respeito à sustentabilidade da interface campocidade, economia urbana e rural: a produção, a logística e o consumo. A produção diz respeito à forma como vemos o uso do solo em nossas cidades, as relações de vizinhança, e também a certos aspectos do que quer dizer ser um “green building”, um “edifício verde”.

Primeiramente há a questão da densidade. Cidades mais compactas não apenas otimizam as infraestruturas urbanas e criam a massa crítica necessária para que uma série de produtos e serviços encontrem o seu nicho de mercado. Elas também ajudam a evitar que o espraiamento da mancha urbanizada ocupe áreas que podem ser destinadas à produção e à conservação. Quando se fala nos parâmetros das leis de zoneamento, considerar que o uso misto pode incluir uma “agricultura doméstica”, de forma que cada família possa contribuir com uma parcela do que consome, nem que seja simplesmente um vaso com manjericão na janela da cozinha. Podem se pensar em incentivos para que os percentuais a ser mantidos permeáveis em cada lote sejam usados para pequenas hortas e pomares – o tradicional quintal. Espécies frutíferas da região podem fazer parte dos projetos de arborização das áreas públicas, seja em calçadas, praças ou parques.

As coberturas/terraços de cada edificação podem ser repensados para incorporar pequenas hortas. “Coberturas verdes” melhoram o desempenho térmico das construções, contribuindo para o conforto ambiental e a economia de energia. Funcionam também como elementos participantes do sistema de drenagem urbana, permitindo acumular uma parte da água das chuvas que de outra forma correria diretamente para as galerias e rios. Associados ao cultivo, teremos edifícios verdes e comestíveis!

Há ainda o “terreno baldio”, que ainda está presente em muitos dos bairros das nossas cidades. Esses terrenos com frequência se encontram em mau estado de conser vação, gerando incômodos na vizinhança. Ou se convertem em áreas precárias de estacionamento, agregando pouco valor à qualidade de vida do bairro. Enquanto o processo de desenvolvimento imobiliário não ocorre, esses terrenos poderiam ser ocupados por hortas comunitárias. Em parceria, por exemplo, com as escolas da região e/ou associações de moradores, eles se transformariam em projetos de educação ambiental, inclusão social e fortalecimento das relações de vizinhança.

Cabe lembrar que muitos dos moradores de áreas urbanas um dia moraram no campo e guardam consigo um saber que pode ser valorizado. Para aqueles que acham que essas áreas de estacionamento farão falta, lembro que parto do princípio de que não há problema de estacionamento nas cidades e sim de transporte público. No lugar do carro uma horta – em vez de um “car park” teremos uma “horta park”. Pensadas de forma isolada, essas ideias parecem não representar muito. Mas se pensarmos que apenas um município como Curitiba conta com cerca de 580 mil domicílios, são dezenas de milhares de pequenos núcleos de produção que podem ajudar a reduzir a pegada ecológica da cidade, aumentando sua sustentabilidade ambiental ao mesmo tempo em que engaja as cadeias produtivas do agronegócio (insumos para produção como sementes, terra vegetal, pequenos implementos agrícolas) em uma nova frente de mercado.

A produtividade na agricultura e na pecuária aumentou de forma expressiva nas últimas décadas, elevando a competitividade dos AGRICULTURA URBANA: moradores do bairro de São Miguel Paulista, em São Paulo, ocupam terrenos baldios com hortas comunitárias produtos brasileiros. Há, contudo, severos entraves de infraestrutura e de eficiência em logística que minam os ganhos conquistados, inflando os preços nos mercados externo e interno. Como melhor escoar a produção e entregar o alimento na mesa do consumidor?

Mas a melhor infraestrutura não se refletirá nos ganhos desejados se os  processos que fazem fluir as cadeias produtivas forem ineficientes. A indústria vem, há décadas, acumulando conquistas expressivas apoiadas na logística que a movimenta. Sistemas como o “just in time” possibilitaramlhes trabalhar com as quantidades justas para produzir o necessário ao atendimento da demanda, reduzindo desperdícios, a área necessária para esses empreendimentos, e a imobilização de capital em estoques.

Podemos pensar em um “just in time” aplicado ao agronegócio, que permitira que os produtos chegassem mais frescos e com menor custo às pessoas? Que diminuiria os conflitos no sistema viário nas cidades e a necessidade de áreas de docas e de carga e descarga? Que eliminaria filas de caminhões aguardando para serem descarregados? Que minimizaria a necessidade de câmaras frigoríficas e demais estruturas usadas para a estocagem de produtos? Imaginemos os ganhos em produtividade e a consequente riqueza que poderia ser gerada para o país se o agronegócio conseguisse galgar esse degrau!

Finalmente, o consumo. Citei os dados da OCDE que indicam a necessidade de se incrementar a produção de alimentos para atender à crescente demanda mundial nos próximos dez anos. Podemos atingir uma parte desse incremento melhorando a nossa produtividade. Mas haverá também a necessidade de se expandir as áreas dedicadas à produção, o que coloca pressão sobre os territórios que fazem parte do patrimônio ambiental do planeta.

Vemos hoje que o mundo que desperdiça poderia alimentar o mundo que tem fome. A quantidade de alimento que é jogada fora todos os dias é algo vexatório – temos que pensar uma maneira de desperdiçar menos! Com frequência, nas mesas das famílias, nos restaurantes, serve-se por “atacado” o que poderia ser servido no “varejo”, e as sobras vão parar no lixo. O mesmo se verifica nas gôndolas dos supermercados, onde muitas vezes as quantidades embaladas superam aquilo que a pessoa desejaria consumir. Os arranjos familiares mudaram muito nos últimos anos, e o comércio parece não ter se dado conta de que as pessoas, ao se alimentarem, consomem “porções”, não quilos.

Campo e cidade, aliados na redução do desperdício, podem orquestrar ações que frutificarão em mais riqueza, qualidade de vida e padrões de desenvolvimento mais sustentável para esta e as futuras gerações.