22/01/2023 - 8:25
A política é o principal aspecto que movimenta os comentários sobre religião na internet brasileira neste ano. A ampla maioria (62,2%) de todas as mensagens publicadas nas redes que envolvem a fé também estão dentro da discussão político-partidária nacional. Foram analisadas 16 mil publicações ao longo do mês de janeiro e um documento foi produzido para marcar o Dia do Combate à Intolerância Religiosa, celebrado neste sábado.
A discussão abre caminho para a intolerância. Sete em cada dez (67,2%) menções à religião no Brasil têm conotação negativa, em especial para as religiões de matriz africana, aponta relatório da empresa Torabit, parceira do jornal O Estado de S. Paulo no Monitor de Redes Sociais. As citações positivas representam cerca de 1/3 (32,8%).
São considerados comentários negativos desabafos, discussões, relatos de intolerância religiosa, notícias sobre violência, comentários ofensivos, xingamentos, entre outros. Já publicações como campanhas de conscientização religiosa, relatos de superação e mensagens de respeito e de apoio são consideradas positivas.
Diferença
Enquanto o índice de menções é mais equilibrado entre termos positivos e negativos no grupo cristão (50,3% ante 49,7%, respectivamente), o mesmo não é observado entre as religiões de matriz africana – 71,4% dos comentários são negativos e 28,6%, positivos.
Os dados do relatório mostram ainda que a ala considerada “conservadora” associa a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com “macumba” e “Exu”, tática usada para causar medo no eleitorado cristão. O novo governo sancionou uma lei que cria o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser comemorado no dia 21 de março.
O cristianismo lidera o índice de citações às religiões, com 65,2% do total. As religiões de matriz africana, por sua vez, correspondem a 26,9%. Espiritismo (2,6%), ateísmo (1,6%), islamismo (1,6%), judaísmo (1,3%) e budismo (0,7%) são as outras fés mais mencionadas.
A base de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro sustenta o segmento cristão nas redes sociais, que tem denunciado, segundo o estudo, atos de violência e intolerância religiosa por parte da esquerda, como os comentários ofensivos contra a religiosidade das atrizes Regina Duarte e Cássia Kis.
O compilado do relatório indica também que o grupo bolsonarista ainda domina na internet a discussão sobre intolerância religiosa, tema pautado por seus influenciadores. Do total dos 62,2% de menções sobre intolerância religiosa dentro do tema político, a maior parte não é de publicações originais feitas por usuários, mas de compartilhamentos de posts conservadores.
‘Ameaça’
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Samuel Barros, o bolsonarismo não consegue pautar o debate sobre intolerância religiosa porque há uma questão específica tratada nesse assunto.
“Para eles, há uma intolerância contra os evangélicos, e não contra o cristianismo de forma geral”, afirmou Barros, que é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). “Há, aqui, uma série de medos que são ativados e identificam nos políticos de esquerda uma ameaça neste sentido.”
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, pastores e líderes religiosos com mais de 50 milhões de seguidores no Instagram, no Facebook e no Twitter deram palanque virtual a Bolsonaro durante a eleição presidencial no ano passado, quando ele disputou um novo mandato.
No aspecto político, Lula e Bolsonaro estão praticamente empatados no volume de menções relacionadas aos seus nomes com o tema combate à intolerância religiosa. O ex-presidente tem 50,8%, ante 49,2% do atual mandatário.
De acordo com o relatório, apoiadores de Lula denunciaram, em especial, a remoção do quadro Orixás, da artista Djanira da Motta e Silva, retirado do Palácio do Planalto durante o governo Bolsonaro.
Atos
A maior parte das citações de bolsonaristas aos atos de radicais na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, entra na defesa de que os ataques não podem se enquadrar como terrorismo porque não houve xenofobia ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
A discussão sobre intolerância religiosa, de acordo com o professor Samuel Barros, precisa ter um caráter mais “universalista”, que defenda a liberdade de se exercer qualquer ou nenhuma religião. “É necessário que entendamos essas questões para que possamos avançar nas próximas décadas da nossa República. Precisamos ter um combinado do que significa a defesa da liberdade religiosa e como isso se materializa na sociedade e quais instituições do Estado devem agir para defender essa garantia.”
Campanha
Em agosto do ano passado, o primeiro dia oficial de campanha eleitoral foi marcado pela disputa entre Bolsonaro e Lula em torno de temas religiosos. O então presidente chamou a eleição de “luta do bem contra o mal”, reforçando a pauta religiosa de sua campanha.
Já o então candidato petista acusou o adversário de tentar manipular a boa-fé de eleitores evangélicos e afirmou que Bolsonaro é “possuído pelo demônio”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.