29/09/2020 - 18:11
O esvaziamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fundamenta o pedido de afastamento do ministro Ricardo Salles que está parado há 85 dias na Justiça. A ação de improbidade foi apresentada pelo Ministério Público Federal em julho, sofreu um vai-e-vem judicial e ainda não foi julgada. Nesta segunda, 28, a Procuradoria cobrou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que avaliasse o afastamento de Salles em caráter liminar.
O Conama é presidido por Salles e, nesta segunda, 27, o colegiado aprovou quatro mudanças no regimento ambiental, sendo a principal delas a extinção de resolução que estipulava parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APP) no litoral e nas regiões de manguezais e restingas. A medida abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues.
A decisão foi tomada por um colegiado que foi esvaziado por Salles em maio do ano passado, que por decreto reduziu o número de integrantes do Conama de 96 para 23.
A mudança, segundo a Procuradoria, resultou ‘num aumento proporcional da representatividade do governo e redução substancial da representatividade da sociedade civil (redução de mais de 80%)’. A alteração, por exemplo, cortou de 11 para quatro vagas destinadas a representantes de entidades ambientais, cujo mandatos também foram reduzidos de dois para um ano, sem possibilidade de recondução.
Hoje, as votações do Conama são facilmente vencidas pelo governo porque dos 23 membros, apenas 21 votam e destes, oito são representados por ministérios da gestão Bolsonaro e por demais órgãos federais. As decisões são tomadas por maioria simples (11 votos).
“Como resultado dessas mudanças, o caráter democrático e participativo do Conama foi praticamente esvaziado, e houve o aniquilamento da razão de ser do órgão, que é a de congregar diversos setores da sociedade em um fórum encarregado para a elaboração de políticas ambientais”, afirmou o Ministério Público Federal.
“Ademais, foi estabelecida uma gritante disparidade na composição: os representantes dos múltiplos interesses parciais (notadamente os de natureza político-governamental, econômica, etc) passaram a deter a esmagadora maioria de assentos do colegiado, colocando-se em flagrante minoria os conselheiros que representavam estritamente o propósito de defesa e preservação ambiental”, continuou.
A Procuradoria apontou que Salles, ao alterar a composição do Conama, buscou ‘extirpar do colegiado a participação direta da sociedade civil’, de forma a impedir a possibilidade de ‘contenção e controle social do poder normativo’ do Conselho.
As alegações foram apresentadas no dia 06 de julho à Justiça Federal do Distrito Federal como parte de um conjunto de ‘atos, omissões e discursos’ que apontariam para uma ‘desestruturação dolosa’ da política ambiental brasileira sob o comando de Ricardo Salles. A ação está sem análise liminar há 85 dias – e já sofreu um vai-e-vem judicial ainda não esclarecido sobre quem deve avaliar o pedido do Ministério Público Federal.
O impasse começou após o juiz Márcio de França Moreira, da 8ª Vara Federal do Distrito Federal, remeter o caso para a 6ª Vara Federal de Florianópolis sob o argumento de que aquele juízo era o responsável por avaliar a ação contra Salles – um processo semelhante foi apresentado contra o ministro por lá.
Os autos, no entanto, voltaram para Brasília após o desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassar a decisão do juiz Márcio Moreira, deixando a cargo da Terceira Turma do tribunal decidir o destino final da ação. Não há, porém, prazo para isso acontecer.
Na semana passada, a Procuradoria pediu ao juiz Márcio Moreira que avaliasse em caráter liminar o pedido de afastamento de Salles, mas o magistrado disse que não tomaria a decisão antes da Terceira Turma do TRF-1 decidir quem deve julgar o processo. O MPF apresentou então um pedido ao tribunal, que aguarda resposta.
Além das alterações no Conama, a Procuradoria citou no pedido de afastamento de Salles a exoneração de dois servidores e um diretor de fiscalização do Ibama após ação contra garimpeiros que atuavam em terras indígenas em Altamira (PA).
Em depoimento, Renê Oliveira e Hugo Loss alegaram ter sofrido pressão do governo em operações de combate a crimes ambientais após o Fantástico exibir máquinas de garimpo sendo queimadas após fiscalização do Ibama. O chefe deles, Olivaldi Azevedo, foi chamado para conversa no Ministério do Meio Ambiente no dia seguinte à reportagem.
“O Olivaldi entrou em contato comigo para avisar que tinha sido chamado no Ministério e que, dependendo da situação, depois gostaria de falar comigo. Respondi que estava à disposição. Aí ele me ligou, por volta das 17h30 – 18h e pediu para nos encontrarmos”, relatou Oliveira. “Fomos lá no Ibama e recebi a informação dele assim, sem muitos detalhes: ‘a coisa ficou insustentável, estou saindo, fui exonerado, tive uma reunião agora no Ministério'”.
Salles classifica a ação do Ministério Público Federal como ‘tentativa de interferir em políticas públicas’. “A ação de um grupo de procuradores traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal”, afirmou. “As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes”.