PIONEIRO: a Usimat, de Sérgio Barbieri, está produzindo etanol de milho em Mato Grosso

A cada ano, o gigantesco setor sucroalcooleiro do Brasil adormece durante quatro meses. Sem contar com matéria-prima para produzir etanol na entressafra da cana-de-açúcar, trituradores, caldeiras, evaporadores, dornas e densímetros das 430 usinas em operação no País ficam inativos, sem função. O setor – que responde por 18% da matriz energética brasileira, chegou a um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 48 bilhões, em 2011, obteve receitas de US$ 15 bilhões com as exportações, emprega 1,2 milhão de pessoas e é abastecido por 70 mil produtores – quer dar um basta nessa situação. Mas, como é impossível acabar com a entressafra da cana, entre dezembro e abril no Centro-Sul do País, e de março a setembro, no Nordeste, as usinas estão em busca de alternativas para substituir a matéria-prima nesses períodos. Por isso, nos últimos anos, uma pergunta tem pairado sobre a cabeça das equipes de desenvolvimento tecnológico dessas empresas: o que fazer na entressafra, para que as máquinas não fiquem ociosas e a usinas possam aumentar a produção de combustíveis, engrossar suas receitas e melhorar a lucratividade?

A MAIOR: a São Martinho, que processa 11,4 milhões de toneladas de cana, também está testando sorgo

Para o presidente da Petrobras Biocombustível, Miguel Rossetto, e sua equipe de pesquisadores, lotados no Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, há duas saídas. A primeira é usar outras matérias-primas para o etanol de primeira geração, como o milho e o sorgo. A segunda é apostar no etanol de segunda geração, produzindo biocombustível com resíduos que contenham celulose (como palha e bagaço de cana) ou diretamente a partir de celulose de capim, madeira e plantas energéticas.

Cruzar os braços não é uma boa opção. Por quê? Segundo Rossetto, o cenário para o etanol em 2012 é de pressão sobre a oferta, uma continuação do que aconteceu em 2011, quando as usinas foram incapazes de atender à demanda. “Nós sabemos que o setor canavieiro não está conseguindo abastecer o mercado de etanol, mas o País precisa cumprir sua meta de expansão dos biocombustíveis renováveis para chegar ao fim da década com 70 bilhões de litros disponíveis nas bombas”, afirma Rossetto. Na safra 2010/2011, o País produziu apenas 27,4 bilhões de litros.

Para o consultor da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Alfred Szwarc, a discussão em torno da utilização da capacidade total de produção das usinas é um tema novo. “Antigamente, não havia a preocupação com os quatro meses parados por causa da entressafra da cana”, diz Szwarc. Mas o encarecimento do processo produtivo está levando as usinas a se preocupar com os custos desse período, porque comprometem o desempenho médio anual. Em teoria, caso a entressafra não existisse e as usinas produzissem etanol de cana durante o ano todo, os quatro meses parados equivaleriam a uma produção extra de 13,7 bilhões de litros de etanol, amenizando a pressão de demanda. “É preciso ocupar as instalações”, diz Szwarc. Para atender à demanda por etanol hidratado, o cultivo de cana no campo precisa crescer a uma média de 9% ao ano e produzir 450 bilhões de toneladas de cana, que serão transformados nos 70 bilhões de litros de combustível previstos por Rossetto para 2020. “É uma taxa de crescimento bastante acelerada e seriam muito bemvindas outras fontes alternativas”, diz Szwarc.

ROSETTO: o presidente da Petrobras Biocombustível diz que o País precisa aumentar a produção de etanol

Atualmente, duas culturas estão em teste para substituir a cana-de-açúcar na entressafra e ajudar o setor a aumentar a produção de etanol: o sorgo sacarino e o milho. Os colmos do sorgo sacarino, assim como os colmos da cana, são cheios de ATR, o açúcar que se transforma em etanol. Já o grão do milho é composto de amido, uma mistura de açúcares guardada pela planta como um depósito de energia. Na fase atual de estudos, o etanol de sorgo ainda não chegou às bombas de combustível. Mas, para o etanol de milho, mais conhecido dos brasileiros (o País importou 1,1 bilhão de litros dos Estados Unidos em 2011), a história é outra. Apesar de ainda estar passando por uma espécie de experimento piloto, nesta safra o Brasil produziu os primeiros 3,5 milhões litros de etanol de milho em escala comercial.

Foi em Mato Grosso, bem longe das regiões com forte concentração de usinas de cana-de-açúcar, a quase 600 quilômetros da capital Cuiabá e a 70 quilômetros em estradas de terra do centro do município de Campos de Júlio. Lá, a paranaense Usimat realizou entre fevereiro e abril um projeto piloto para passar a produzir etanol de milho em larga escala a partir da próxima safra. Será a primeira “usina flex” de etanol do País. “Na entressafra da cana, poderemos produzir de 35 milhões a 39 milhões de litros de etanol de milho, ou de qualquer outra fonte primária, como o sorgo”, diz Sérgio Barbieri, diretor da usina, controlada pela família Scholl, que tem como princia pal negócio a companhia de armazenagem e transporte de grãos Sipal.

ROSETTO: o presidente da Petrobras Biocombustível diz que o País precisa aumentar a produção de etanol

A Usimat investiu R$ 25 milhões na adaptação do maquinário para usar o milho. A tradicional usina passará a processar cereais nos meses sem safra de cana-de-açúcar. Pura mão na roda. “Só conseguimos comprar cana durante seis meses do ano, por falta de oferta local. O etanol de milho resolve nosso problema”, diz Barbieri. As adaptações vão permitir à empresa permanecer em atividade em mais cinco meses do ano. Quatro deles usando milho e, em outro, sorgo sacarino. “Neste ano, apenas em novembro a usina ficará parada. E para manutenção”, diz Barbieri.

O projeto ganhou corpo no início do ano passado, depois de um encontro entre Barbieri e Mario Cacho, gerente de vendas da Novozymes. Empresa de biotecnologia de origem dinamarquesa, a Novozymes faz mais de 700 tipos de enzimas usadas na produção de tecidos, detergentes e cervejas. Entre elas, estão as enzimas para a fermentação do milho. O gerente industrial da Usimat, Vital Nogueira, diz que a flexibilização da produção da usina pode levar quatro anos para se pagar. “Apostamos que esse tempo possa encurtar, em função do aprimoramento das tecnologias envolvidas na produção”, diz Nogueira. Segundo ele, o processo de produção do etanol de milho ainda é caro e seria pouco competitivo em regiões onde o cereal não é uma cultura local ou é utilizado para outras finalidades, como alimentação animal e humana. Mas, para a Usimat, que compra o milho dos produtores vizinhos de Campos de Júlio, as peças se encaixam.

Com o milho cultivado próximo à usina, o objetivo é transformar uma tonelada do cereal em 400 litros de etanol, 220 quilos de farelo para ração animal e 20 litros de óleo bruto, que pode servir a cerca de 20 produtos diferentes. Em comparação, uma tonelada de cana resultaria em 90 litros de etanol. Mesmo com essa vantagem de produção, o custo da transformação do milho em etanol supera levemente o da cana. Para tirar um litro de etanol de cana, investe-se R$ 1,10. Para o milho, é necessário R$ 1,23. “Ainda não temos como competir com os EUA, até pelos subsídios que seus produtores de milho recebem, mas vamos chegar lá”, diz Barbieri.

O plano da Usimat, de comprar o cereal no Estado, agrada à Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). Foi a entidade que começou a sugerir e estudar a viabilidade de se fazer etanol com o milho, para encontrar uma destinação ao cereal, após a crise de 2008, quando a cotação do grão na região despencou e atingiu o patamar de R$ 7 por saca. “Era uma judiação que 60 quilos de milho custassem menos que um Big Mac”, diz Barbieri.

A USIMAT INVESTIU R$ 25 MILHÕES NA ADAPTAÇÃO DE SEU MAQUINÁRIO PARA CRIAR A USINA “FLEX”

SALVAÇÃO DA LAVOURA: “O etanol de milho é uma solução fantástica para a região Centro- Oeste”, diz Fernandes, da Novozymes

A produção da Usimat tem chamado a atenção de produtores de milho e etanol de cana de todo o País. No fim de março, uma série de visitas alterou a rotina da usina. Entre os visitantes, estava o senador e produtor Blairo Maggi (PR-MT), um dos principais incentivadores da busca por uma solução para o destino do milho plantado na região. Na semana seguinte, executivos da Raízen, a joint venture que reúne a Shell e a paulista Cosan, se deslocavam de Piracicaba (SP) a Campos de Júlio para uma visita à Usimat. Na Raízen, usar o milho em Piracicaba seria economicamente inviável por conta do custo elevado no Estado de São Paulo. Mas é uma alternativa considerada para as suas unidades em Caarapó (MS) e Jataí (GO).”O etanol de milho é uma solução fantástica para a região Centro-Oeste”, diz Pedro Luiz Fernandes, presidente da Novozymes no Brasil. “Outras alternativas estão sendo consideradas para as demais regiões produtoras.”

O Cenpes, da Petrobras, está em busca dessas alternativas. Para as pesquisas com etanol de sorgo, o centro mantém parcerias com três grupos de usinas: a Guarany, da francesa Tereos International, no interior de São Paulo; a Total, de Bambuí (MG); e a São Martinho, de Pradópolis (SP), controlada pela família Ometto, com a qual a Petrobras formou a joint venture Nova Fronteira, em Quirinópolis (GO). Agenor Cunha Pavan, diretor-superintendente de operações da São Martinho, e também diretor de operações da joint venture, diz que as pesquisas com sorgo começaram no ano passado. “Para nós, o importante é o crescimento vertical da empresa”, afirma ele. “Precisamos aumentar em pelo menos 5% a produção de etanol por hectare.” A São Martinho é a maior processadora de cana do mundo, com 11,4 milhões de toneladas, em 110 mil hectares. Desse total, 14 mil hectares são renovados todos os anos. “Pensamos plantar sorgo em sete mil hectares desta área”, diz Pavan. “Essa cultura só tem sentido se for consorciada com a cana para fazer parte do mix de produtos da usina.”

A TECNOLOGIA DO ETANOL

A produção de etanol no Brasil, feito somente a partir da cana-de-açúcar, deve dividir espaço com as novas tecnologias que começam a ir para o mercado, no caso do etanol de milho, e as que estão em teste, como o sorgo sacarino. Para o biocombústivel de segunda geração, processado a partir de celulose, os testes devem durar mais tempo para serem concluídos. Nos três casos, no fim do processo, há subprodutos de valor agregado para as usinas. Confira:

 

Clique na imagem para ampliar

A Nova Fronteira, que cultivou no ano passado uma variedade de sorgo em 270 hectares, neste ano está testando três variedades em 600 hectares. Seu objetivo é produzir quatro mil litros de etanol de sorgo por hectare. “Assim, nossa produção total seria de 650 milhões de litros de etanol de cana e 28 milhões de litros de etanol de sorgo”, diz Pavan. O problema é que, nos testes iniciais, a produtividade do sorgo revelou-se antieconômica. Resultou em 1,3 mil litros por hectare, muito aquém da meta estabelecida pela empresa e distante da produtividade da cana (7,5 mil litros por hectare). Mesmo assim, o entusiasmo com as pesquisas continua. “Como o sorgo se adapta ao processo industrial da cana, a estrutura já está instalada”, afirma Pavan. No fim de abril, a Nova Fronteira começou a moagem do sorgo da segunda etapa de testes. Nessa cultura, o grande desafio é encontrar as variedades adequadas a cada região produtora.

Eliminar a ociosidade das usinas é praticamente uma obsessão para as empresas do setor. Segundo Luís Felli, diretor de operações agroindustriais da ETH Bioenergia, do Grupo Odebrecht, a empresa está sendo empurrada para o etanol de sorgo justamente porque nunca foi confortável ter um braço da companhia parado por quatro meses. Ainda mais quando se considera que o investimento médio em uma usina está em torno de R$ 700 milhões. “Embora entenda que o agronegócio tem suas especificidades, não faz parte da cultura da empresa ver um investimento desse porte parado por tanto tempo”, diz Felli. Em outras operações, como na construção pesada, trabalham- se 12 meses por ano no grupo. A ETH começou as pesquisas com sorgo há 18 meses e assim, como a São Martinho, está colhendo sua segunda safra. “O sorgo permite a expansão de área para produzir etanol mais rapidamente do que a cana”, diz Felli. Atualmente, a lavoura de cana-de-açúcar ocupa uma área de 7,2 milhões de hectares no País, com expectativa de crescer para 12 milhões de hectares sobre áreas de pastagens degradadas do Centro-Oeste até 2020. Em uma região não tradicional, seriam necessários sete anos para a implantação total (do cultivo da lavoura à produção de etanol) de uma usina com capacidade para moer seis milhões de toneladas. “Com o sorgo, esse tempo poderia cair para três anos”, afirma Felli. “O sorgo é uma cultura de ciclo curto e custo relativamente baixo para formar um hectare”, diz Felli. “Basta fazer com que ele seja competitivo.” A julgar pelos investimentos que têm sido feitos, isso é apenas uma questão de tempo e a usina flex chegou para ficar.