06/10/2020 - 7:00
Segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle comprou no ano passado um apartamento pagando 35% do valor do imóvel, segundo avaliação do município. Em vez de desembolsar o R$ 1,2 milhão estipulado pela prefeitura para cálculo do Imposto de Transmissão sobre Bens Intervivos (ITBI) na transação, pagou R$ 420 mil.
O pagamento do valor mais baixo, isoladamente, não é irregular, mas investigadores apontam que a prática pode levar a indícios de lavagem de dinheiro por pagamentos “por fora” – principalmente se aparece conjugado a outros presumidos crimes. Ana Cristina é investigada desde o ano passado.
Quando foi feita a transação, nove familiares de Ana Cristina já tinham sido alvo de quebras de sigilo na investigação que cita o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) por supostos peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A suspeita é de que eles recebiam sem trabalhar quando estiveram lotados no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, e repassariam ilegalmente a maior parte de seus salários ao então deputado estadual. O parlamentar nega ter cometido ilegalidades. Ana Cristina não foi alvo de medidas cautelares nessa investigação.
No mesmo mês da compra do apartamento, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, Ana Cristina passou a ser investigada pelo Ministério Público do Rio, em apuração sobre o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), irmão de Flávio. Ela foi chefe de gabinete de Carlos no primeiro mandato dele na Câmara Municipal do Rio, iniciado em 2001, e ficou no cargo até se separar de Bolsonaro, oito anos depois. Eles têm um filho juntos, Jair Renan.
O apartamento foi comprado no dia 19 de julho de 2019. Obtida pelo Estadão, a escritura de compra e venda não detalha como o pagamento foi feito. Diz apenas que o valor de R$ 420 mil já havia sido entregue ao casal vendedor do imóvel e o dava por quitado. A reportagem entrou em contato com os antigos proprietários por e-mail e mensagens em redes sociais, mas não obteve resposta.
A Secretaria Municipal da Fazenda arbitrou um valor de R$ 1.194.191,30 para o imóvel. Sobre ele, incidiu o ITBI de 3% – R$ 35.825,74. Ana Cristina “economizou” R$ 774.191,30, equivalente a 64,8% do valor oficialmente apontado pelo município. Ninguém, porém, é obrigado a seguir essa avaliação, que é feita apenas para que o Fisco cobre o que acha justo para que o erário não perca dinheiro.
Hoje, Ana Cristina é chefe de gabinete de um vereador em Resende. Localizada às margens do Rio Paraíba do Sul, a cidade de 131 mil habitantes fica a mais de 160 quilômetros da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal do Rio, onde os familiares de Ana Cristina eram lotados. Em vários casos, eles nem emitiram crachá funcional das respectivas Casas Legislativas.
Saques
Com as quebras de sigilos bancário e fiscal, o MP constatou que os parentes de Ana Cristina sacaram 84% dos rendimentos no período em que estiveram lotados no gabinete de Flávio na Alerj. Promotores suspeitam que o esquema de recolhimento de salários era coordenado por Fabrício Queiroz, que cumpre em casa prisão preventiva, com a mulher, Márcia Aguiar, também presa.
O Estadão mostrou no dia 24 de setembro que, depois da separação, Bolsonaro e Ana Cristina venderam um terreno de 560 m² num condomínio em Resende. O negócio foi fechado em 2008 por R$ 38 mil, com o coronel da reserva Guilherme dos Santos Hudson, conhecido do presidente há mais de 40 anos e marido de uma tia de Ana Cristina. O coronel é investigado tanto no caso Flávio quanto na apuração sobre Carlos. Ana Cristina tem também duas salas comerciais, a casa em que vive a família, em Resende, no sul fluminense, e um terreno com a casa onde mora, na mesma região.
Procurado, o advogado de Ana Cristina, Magnum Cardoso, não respondeu até a conclusão desta edição.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.