As suspeitas da Polícia Federal, de que o ex-governador do Tocantins, Mauro Carlesse (PL), teria aparelhado a estrutura de Segurança Pública do Estado para blindar ele próprio e seus aliados de investigações, foram ampliadas a partir do material apreendido nas Operações Éris e Hygea.

As ações, abertas simultaneamente em novembro do ano passado, foram as primeiras etapas ostensivas da investigação que atinge o ex-governador e deram novo impulso ao trabalho da PF. Carlesse renunciou ao cargo na semana passada, em meio aos inquéritos que o colocaram no centro de um escândalo de corrupção, na tentativa de escapar de um processo de impeachment.

O Estadão teve acesso ao relatório parcial do caso, enviado em dezembro do ano passado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que a Polícia Federal expõe o conteúdo obtido nos documentos e celulares confiscados para reafirmar que o sistema de interceptação telefônica e o aparato de inteligência da Secretaria de Segurança Pública foi usado de ‘maneira aparentemente criminosa, com a finalidade de blindar os membros da organização criminosa e dos integrantes do seu grupo político’.

“Era patente o interesse em acompanhar as investigações da Polícia Civil do Tocantins relacionadas aos crimes contra a administração pública do Estado”, diz um trecho do documento assinado pelos delegados federais Duílio Cardoso, Tiago dos Santos Souza e Mauro Frenando Knewitz.

A partir das conversas obtidas e de depoimentos colhidos após a deflagração das operações, os delegados apontaram duas estratégias principais que seriam usadas pelo grupo político do ex-governador para se proteger de investigações: o monitoramento constante dos trabalhos da Polícia Civil; e o uso do sistema de interceptações telefônicas, que ficava subordinado à Secretaria de Segurança Pública, para verificar se seus celulares estavam sendo grampeados.

“Acompanhamento dos monitoramentos telefônicos em curso em Tocantins com o propósito de se identificar a existência de inquéritos policiais que possam atingir membros da ORCRIM e demais integrantes do grupo político de Mauro Carlesse, vazamento de informações sobre possíveis investigações em desfavor de integrantes do governo estadual e monitoramento de adversários políticos era algo corriqueiro”, escrevem os delegados.

A PF encontrou diversos pedidos do ex-secretário de Segurança do Estado, Cristiano Barbosa Sampaio, ao então diretor de Inteligência e Estratégia da pasta, Ênio Walcacer de Oliveira Filho, para consultar números de telefone ligados a Mauro Carlesse e a outros membros do governo, como o então secretário-chefe da Casa Civil Rolf Vidal. Atualmente, Sampaio ocupa o cargo de coordenador-geral de pesquisa e inovação da Diretoria de Políticas de Segurança Pública no Ministério da Justiça.

O deputado estadual Olyntho Neto (PSDB) também teria sido beneficiado pela aparelhagem do sistema. Segundo os investigadores, ele influenciava nomeações para funções comissionadas na Secretaria de Segurança Pública e remoções na Polícia Civil.

De acordo com o relatório, os delegados de Polícia Civil responsáveis por investigações sensíveis ao grupo político de Mauro Carlesse eram considerados ‘opositores da alta cúpula do governo’ e passaram a ser perseguidos, inclusive por meio da Corregedoria da corporação.

Como mostrou o Estadão, o ex-governador passou a indicar aliados para postos-chave no sistema de Segurança Pública do Tocantins ao mesmo tempo em que promovia mudanças no regramento que dispõe sobre a movimentação funcional de delegados, através de decretos, portarias e emendas constitucionais, tudo com o objetivo de obstruir as apurações em curso, segundo a PF.

O material apreendido também permitiu que a Polícia Federal pudesse aprofundar a linha de investigação sobre o possível uso do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para produzir investigações paralelas e ilegais contra adversários políticos. A PF trabalha com a suspeita de que o governador tenha montado um núcleo de inteligência no órgão para municiar dossiês contra seus opositores. O controle ficaria ao cargo do sobrinho dele, Claudinei Quaresemin, apontam as mensagens acessadas pela Polícia Federal.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem entrou em contato com a defesa do ex-governador Mauro Carlesse e com o gabinete do deputado estadual Olyntho Neto e aguarda resposta. O espaço está aberto para manifestação.

Em manifestação enviada anteriormente ao blog, o advogado Nabor Bulhões, que defende o ex-governador, disse que ele é inocente e ‘sempre exerceu suas funções públicas com correção e probidade’. A defesa também afirmou na ocasião que as investigações ‘estão impregnadas de conjecturas e presunções maldosas’.

COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS JOSÉ EDUARDO CARDOZO E PEDRO BERNARDES NETO, QUE REPRESENTAM O EX-SECRETÁRIO CRISTIANO BARBOSA SAMPAIO

“O atual momento processual apresenta conclusões preliminares por parte da investigação, que não condizem com a realidade. Nesse contexto, a defesa tem a convicção de que, ao final do processo, todas as acusações serão desconstruídas e restará demonstrado que o Del. Cristiano Barbosa, cuja atuação profissional sempre foi marcada pela distinção e ética, não praticou qualquer ato ilícito.”