26/02/2021 - 15:18
Yole Capri Welch fez muitas coisas ao longo dos quase 90 anos de vida, iniciada em Curitiba (PR) em junho de 1931. Foi esposa, mãe de dois, avó de nove e bisavó de seis Mas, nesse meio tempo, também foi uma mulher que rompeu o casamento antes da Lei do Divórcio, trabalhou como atriz na TV e foi jornalista do Grupo Estado, numa época em que as redações ainda eram formadas majoritariamente por homens. Sempre por escolha própria, mesmo que a contragosto dos “bons costumes” da época. Yole morreu na quinta-feira, 25, após um período acamada por problemas de saúde.
Quem conta a história dela é o caçula, o ator Herson Capri, que atribui à mãe o título de “precursora do feminismo, mesmo que não soubesse disso”. Para Herson, o legado que Yole deixa é o da força da mulher que se casou aos 15 anos, mas queria ser autossuficiente, e da coragem que teve para viver do jeito que quis.
Após se separar, Yole completou o segundo grau (atual ensino médio) e foi para São Paulo aos 24 anos buscar sua autonomia, se lançando no mercado de trabalho. “Rompeu com o casamento, com a família e com Curitiba”, disse. Os meninos Everton e Herson ficaram com o pai, um funcionário do Banco do Brasil, na capital paranaense. As visitas da mãe eram frequentes, já que, no fim da década de 1950, ela comprou um carro e ia passar os fins de semana com os filhos. As férias também eram sempre com ela.
A entrada de Yole no mercado de trabalho foi por meio da TV OVC (Organizações Victor Costa), onde foi produtora e atriz de programas ao vivo, contou Herson. Já a chegada de Yole no Grupo Estado aconteceu por volta dos 35 de idade. “Depois, tentou trabalhar no Jornal da Tarde. Foi lá, bateu na porta e conseguiu, se tornou jornalista no Estadão começando como foca.”
“Foca” é o termo utilizado para jornalistas em inicío de carreira, e o Jornal da Tarde era um jornal diário pertencente ao Grupo Estado que circulou de 1966 a 2012.
Com a imparcialidade do filho que admira a mãe, Herson disse que a escrita de Yole tinha uma fluência muito gostosa, que corria sem muitos ruídos. O primogênito, Everton, também foi colaborador do Estadão na mesma época que Yole. A reportagem gostaria de conversar com Everton sobre a relação profissional com a mãe, mas ele morreu em 2012. “É uma pena, ele falaria muito.”
Ela também era autora do livro “O Analista Disse Não”, em que narra suas sessões de análise com o terapeuta na época em que havia chegado em São Paulo. “Ela estava com uma tristeza profunda, não sei se era depressão. Estava com solidão e começou a pensar em desistir de tudo, sumir do mapa, e o analista disse ‘não, siga sua vida’.”
Yole pediu demissão do Jornal da Tarde para poder morar em Chicago, nos Estados Unidos, com seu novo marido, um americano diretor da multinacional de auditoria Arthur Andersen. Ela colaborou com mais alguns textos enquanto esteve fora, mas já sem vínculo profissional com o Grupo Estado. Após 12 anos em Chicago e muitas viagens depois, eles voltaram ao Brasil para viver em São Paulo na década de 1980. Yole ficou viúva em 1987.
Quando Herson foi para Verona, na Itália, pegar a certidão de nascimento do avô materno, um dos sobreviventes do naufrágio do navio Príncipe das Astúrias, ele descobriu que a grafia correta do sobrenome da família era Capra, e não Capri. “Para tirar a minha cidadania italiana e dos meus filhos, precisei trocar todo mundo pra Capra. Minha mãe trocou também, mas nunca usou. Ela era Capra só na certidão de nascimento corrigida e no passaporte italiano. Sempre fomos Capri.”
Durante a vida, Yole precisou fazer umas três ou quatro cirurgias em cada joelho. A última cirurgia, feita nos Estados Unidos, foi a que durou mais, contou Herson. Mas a prótese começou a afrouxar e a dificultar o andar, até que ela teve uma queda violenta e ficou com uma fratura exposta no tornozelo. “Ela parou de andar, ficou acamada por dois anos e foi piorando, teve pneumonia e embolia, uma série de coisas, perdendo a visão, a audição. Essa vida parada foi dificultando, até que hoje ela… Ela mesma já falava: ‘não quero mais, não está valendo a pena'”, disse, emocionado.
“Mas ela viveu bem por muito tempo. Cuidou dos netos, ajudava a gente”, emendou. “Ela sempre foi um bom papo, conversava sobre qualquer assunto.”