“No meu controle de qualidade o animal tem que ter três bons pês: ser bom de pasto, de prova e de pista”

Cláudio Sabino Carvalho, dono da Chácara naviraí

O dia ainda estava preguiçoso para amanhecer e a equipe da DINHEIRO RURAL já seguia em direção à Chácara Naviraí, uma fazenda de 530 hectares, localizada em Uberaba, a capital mundial do zebu, a 481 quilômetros de Belo Horizonte, em Minas Gerais. É lá que o produtor Cláudio Sabino Carvalho, 66 anos, contempla sua seleta e cobiçada boiada, de cerca de mil animais de elite, referência nacional como o criatório com o maior número de touros em centrais de melhoramento genético. São 49 animais das raças nelore, nelore mocho, brahman e guzerá. A quase totalidade deles está na Alta Genetics do Brasil, de propriedade da canadense Alta.

“O mercado de sêmen no Brasil está crescendo bastante, mas ainda temos 90 milhões de fêmeas prontas para serem reproduzidas e apenas de 9% a 10% do mercado inseminado”

Guilherme Márquez de Rezende, da Alta Genetics

Apenas um, o touro nelore Beijing de Naviraí, fica na ABS Tecplan. As duas centrais se localizam em Uberaba.

Uma das líderes no ranking brasileiro de venda de sêmen, a Naviraí comercializou 1.351.859 doses, entre 1992 e 2010. Só no ano passado, foram 210 mil doses, que abasteceram rebanhos de todo o País. O negócio, que apresentou faturamento de R$ 5 milhões em 2010, respondeu por cerca de 10% do sêmen nelore vendido no Brasil. Some-se a isso outras 40 mil doses comercializadas por Marcelo Baptista de Oliveira, da Fazenda Maripá, de Juara (MT), que adquiriu 13 touros Naviraí. “A nossa genética está impregnada no zebu de elite”, diz Carvalho. “Se você olhar as genealogias do gado de pista, de prova e de seleção, vai encontrar muita genética daqui.” Atualmente, animais com genética Naviraí são responsáveis por 25.770 registros genealógicos na Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), de Uberaba, a maior entidade classista mundial do setor pecuário, representante de três mil rebanhos de oito diferentes raças.

Tranquilo, com seu jeito mineiro de ser, o pecuarista é dado a uma boa prosa. Mal cruzamos a porteira da fazenda e a conversa já rende histórias de vida, de trabalho e de amor pelos animais. Na Naviraí, ele cria gado guzerá, brahman, gir leiteiro, nelore e nelore mocho. Carvalho é tão apaixonado por criação que seleciona, ainda, jumento pega, o muar mineiro bom de trabalho pesado, e cães da raça fox. Trata a bicharada com o maior carinho. “São todos quase como filhos”, diz. O criador, que representa a quarta geração de pecuaristas da família, conta que sua trajetória na seleção de gado zebu começou em 1965, mas foi em 1968, quando herdou a Fazenda Santa Marta, em Naviraí (MS), que resolveu se debruçar sobre o aprendizado teórico e prático da criação. “Eu e Lília éramos recém-casados e permanecemos por lá por quatro anos felizes”, diz. “Em 1972, nos mudamos para Uberaba, e em homenagem à cidade matogrossense batizamos a chácara com o mesmo nome.” Na época, a área tinha apenas 50 hectares, que acabou multiplicada por dez no decorrer dos anos.

 

Tecnologia em Alta:

Em 2010 a Alta comercializou cerca de 2,5 milhões de doses de sêmen. São vendidas por dia uma média de 30 mil doses, que são acondicionadas em galões de nitrogênio líquido

A paixão de Carvalho pela pecuária é uma espécie de herança genética que ele também transmitiu para os dois filhos. Cláudio Sabino Carvalho Filho, 38 anos, e Daniela Cunha Carvalho, 40, participam ativamente dos negócios da família.

Zootecnista, Cláudio Filho é quem administra a fazenda em Mato Grosso do Sul, onde fica o rebanho comercial de aproximadamente quatro mil cabeças. Na propriedade mineira, onde se concentra o rebanho de elite, Carvalho conta com o apoio do genro, o veterinário Alan Ventura Pfeffer. Segundo ele, a participação do núcleo familiar lhe dá tranquilidade, garantindo que o seu legado e história vão continuar. “A pecuária não é só paixão na no meu núcleo familiar, mas algo que começou com meu bisavô e passou para outras gerações”, diz Carvalho. “Meu sogro, Torres Homem Rodrigues da Cunha, também era fazendeiro, criador de gado. A criação está no sangue.”

Hoje, o rebanho Naviraí contabiliza cinco mil animais, divididos entre as duas propriedades. As mil cabeças do plantel de elite requerem investimento mensal que pode chegar a R$ 150 mil. “Cada cabeça tem um custo entre R$ 120 e R$ 150, valor muito acima do custo da pecuária de corte, que gira em torno de R$ 20 a R$ 30 por cabeça”, diz Carvalho. Antes de se tornar referência no gado zebu, ele diz ter vivido momentos em que se sentiu um outsider no setor. “Era meio rebelde, andando na contramão da criação”, diz, com sorriso maroto. Tudo por conta do método diferenciado de seleção que adotou para seu rebanho. “Meus antepassados priorizavam a beleza racial, davam atenção para a cabeça do animal”, afirma. “Meus pais, tios e sogro selecionavam muito baseados nessa caracterização racial. Isso funcionou bem por algum tempo.”

Os feitos da Naviraí

46 anos é o tempo de seleção

25.770 registros genealógicos acumulados na ABCZ

5 raças selecionadas: nelore, nelore mocho, brahma, guzerá e gir leiteiro

1.351.859 doses de sêmen comercializadas entre 1992 e 2010

907.609 doses de sêmen vendidas nos últimos seis anos. Um crescimento de 49%

250 mil doses de sêmen comercializadas em 2010

48 touros com avaliação positiva pela ANCP e sêmen disponível

430 touros melhoradores comercializados em 2010

1.600 fêmeas em reprodução com avaliação genética positiva pela ANCP

3 reprodutores entre os 25 melhores do ranking 2010/2011 da Associação de Criadores de Nelore do Brasil

E é aí que entra a tal “rebeldia” do pecuarista. Visionário, ele passou a selecionar o rebanho tendo como base avaliações funcionais, como a ossatura e os aprumos dos animais. Os resultados foram notórios, na reprodução e nas pistas. A primeira coisa que ele avalia são as pernas e os cascos do animal, passando os olhos até a ponta do nariz. E por que as pernas são importantes? A resposta vem de imediato: “Porque ajudam o touro a ‘saltar’ melhor na hora de cobrir a vaca”, diz. “E a vaca, por sua vez, também precisa suportar o salto do touro com suas pernas.”

 

 

Colírio para os olhos:

Carvalho considera o guzerá a raça mais bonita da pecuária. A uniformidade dos animais e o hábito de andar em grupo formam paisagem em seus olhos

Enquanto fazíamos um tour pela propriedade para conhecer os animais no pasto, o pecuarista revelou que o grande trunfo da genética Naviraí está na renovação. “O bezerro que está no ‘pé da vaca’ (ainda em fase de amamentação) tem de ser melhor que o animal de dois anos e melhor do que o touro adulto”, diz. “Sem renovação você está fadado a desaparecer.” Segundo o criador, a base da seleção começa no parto. O animal de qualidade precisa reunir alto índice de valor genético e caracterização racial. Esses diferenciais são necessários na seleção dos reprodutores. Na “fábrica” de touros Naviraí só passa pelo controle de qualidade de Carvalho o animal que possuir o que o pecuarista chama de três pês: ou seja, bom de pista, bom de prova e bom de pasto. “Se não tiver essas características, não é útil em nossa seleção e não é aceitável para o mercado.”

Destaque entre as fazendas que mais ofertam touros em leilões, a Naviraí comercializa anualmente entre 400 e 500 animais, vendidos em média de R$ 5 mil a R$ 6 mil por animal. Em 2010, foram leiloados 430 touros melhoradores. Dentre eles, Donato de Naviraí foi a estrela da temporada, ao alcançar a cifra de US$ 3,2 milhões em negócio também fechado com Marcelo Baptista de Oliveira. “O Donato é um dos maiores vendedores de sêmen da atualidade. Com certeza, o investimento vai se pagar em três ou quatro anos”, diz Carvalho. “O Cláudio é um dos grandes desbravadores da genética”, diz Oliveira, que confessa ser fã de carteirinha de Carvalho. “Tanto que possuo 50% do gado de elite da Chácara Naviraí. Ele é o todo-poderoso do melhoramento genético.”

Além da genética, Carvalho se preocupa com o aprimoramento das formas de comercialização da sua produção. Uma de suas ideias é a venda de sêmen no mercado futuro. Para o pecuarista, em cinco anos isso poderá se tornar realidade, graças ao avanço da tecnologia conhecida como de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), que permite a inseminação praticamente simultânea de milhares de vacas, num único período, com base na sincronização do cio do rebanho. “Isso foi uma revolução para a venda de sêmen e para a inseminação e pode facilitar a comercialização no mercado futuro”, afirma Carvalho. Segundo ele, o método, ao permitir a inseminação de um número elevado de matrizes, redundará no aumento da produção de bezerros. Para ele, a venda de sêmen no mercado futuro é uma tendência. “Com certeza, o sêmen vai virar uma commoditie”, diz. “Na visão de Carvalho, o mercado futuro serviria para reduzir o grau de imprevisibilidade da agropecuária, sujeita a variações de toda ordem – das condições climáticas às oscilações na oferta e demanda. “Se a gente tiver um mercado futuro para respaldar nossa atividade será muito bacana.”

O olhar crítico e observador de Carvalho para a criação funcionou tão bem ao longo dos anos que três reprodutores da Naviraí constam entre os 25 melhores touros do ranking da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB). “O Cláudio sempre foi um estudioso dos números e soube conciliá-los à avaliação”, diz Filipe Picciani, presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB). “Além de contribuir para o avanço da pecuária nacional, ele também ajudou a difundir essa cultura da avaliação.” Para Picciani, Carvalho é um selecionador de Zebu muito criterio so. “Daí o sucesso da Naviraí, que difunde e espalha cada vez mais sua genética pelo País”, diz.

 

 

“O touro Funcionário é o que mais produz e vende sêmen atualmente. Este ano ele deve fazer 60 mil doses. Em 2010 só ele vendeu 40 mi”

William Alves Pereira

 

Entre os dez melhores:

o nelore Filosófico e o guzerá Faidan estão prontos para entrar na Alta. Eles podem ser avaliados entre R$ 500 e R$ 1 milhão

Prova disso são os 48 touros Naviraí que receberam avaliação positiva da Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (ANCP). Guincho da Naviraí foi o destaque entre eles. Detalhe: o animal morreu em 2007, mas seu sêmen, guardado na Alta, é dos mais cobiçados do mercado. “No Brasil temos uma grande vantagem, o boi morre e passa a valer mais”, diz Carvalho. “Hoje uma dose do sêmen do Guincho vale R$ 1 mil. Quando ele estava vivo vendíamos a R$ 20, R$ 30, a mesma média para o sêmen de outros reprodutores que estão em serviço.” Outro touro de ouro do rebanho é Basco de Naviraí, vendido por US$ 2 milhões, em 2006, para o empresário e pecuarista gaúcho Pedro Grandene. Hoje, já morto, o Basco ainda ocupa o segundo lugar no ranking dos 25 melhores reprodutores nelore do País.

No primeiro trimestre de 2011, a Naviraí contabilizou a venda de 28.749 doses de sêmen, um aumento de 22% na comparação com o mesmo período do ano passado. A fazenda ainda dispõe de mais 200 mil doses, comercializadas principalmente pela Alta Genetics do Brasil. “As tecnologias de reprodução têm nos ajudado muito a disseminar nossa genética. Usufruímos e estamos entre os pioneiros a utilizá-las”, diz Carvalho, o mineiro que concilia o talento nato para a seleção, com os modernos recursos genéticos que transformaram o nome Naviraí em um marco na seleção do gado zebu no Brasil.

O setor de sêmen no Brasil

10,4 milhões de doses comercializadas em 2010. Um avanço de 13,5% em relação a 2009, segundo a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia)

2,5 milhões de doses de sêmem vendidas no ano passado foram de nelore

Entre 2 mil e 3 mil: é o número de doses de sêmen que um touro pode produzir em uma central de melhoramento genético

90 milhões fêmeas estão prontas para reprodução no País, mas apenas 10% são inseminadas, segundo Guilherme Márquez de Rezende, gerente comercial da central Alta