06/03/2021 - 14:45
A crise de abastecimento, que vem há meses limitando a produção de praticamente todas as fábricas de veículos, evoluiu para um quadro de interrupções cada vez mais frequentes e prolongadas nas montadoras. Dos 12 grupos fabricantes de carros de passeio em atividade no Brasil, 4 foram obrigados a paralisar total ou parcialmente suas fábricas por períodos de cinco dias a, pelo menos, dois meses.
General Motors (GM), Fiat, Honda e Renault já fazem parte de uma lista que ganha a cada semana um novo nome por causa da irregularidade no suprimento de peças. O motivo está não apenas nas limitações da capacidade de fornecedores em atender à demanda acima do normal das fábricas, mas também nos desarranjos no transporte dos materiais provocados pela pandemia.
O que começou com microparadas – ou seja, interrupções pontuais de produção – transformou-se em ajustes que, por não haver solução rápida, levam as montadoras a chamar os sindicatos para discutir alternativas às demissões.
A solução negociada na GM foi a suspensão de contratos de trabalho, o chamado lay-off, por pelo menos dois meses nas fábricas de São José dos Campos (SP) e Gravataí (RS). Na unidade paulista, 600 trabalhadores entram em lay-off na segunda-feira, quando começa a suspensão do segundo turno de produção da linha onde são montados o utilitário esportivo TrailBlazer e a picape S10.
Em Betim (MG), como o acordo coletivo não prevê a possibilidade de lay-off, a Fiat decidiu dar, a partir da próxima quarta-feira, férias de dez dias para menos de 10% dos funcionários da fábrica. Conforme o sindicato local, será suspenso no período o segundo turno de produção dos modelos Argo e Mobi. A montadora do grupo Stellantis confirma as férias, mas não divulga os modelos atingidos.
As dificuldades da indústria de automóveis começaram com a falta, principalmente, de aço, materiais plásticos e pneus, mas agora envolvem também componentes eletrônicos, o que agravou o problema, uma vez que a escassez de chips, responsável por paradas de montadoras em todo o mundo, não deve ser resolvida antes de seis meses. Em fevereiro, a fábrica da Honda em Sumaré, no interior paulista, foi a primeira a desligar as máquinas em razão da falta de eletrônicos. A montadora suspendeu atividades na semana anterior ao carnaval e voltou a parar nos dez primeiros dias deste mês.
Ontem, durante a apresentação dos resultados da indústria no mês passado, a direção da Anfavea, entidade que representa as montadoras, adiantou que o ano inteiro será de muita “emoção” na produção de carros.
Do lado dos fornecedores, a explicação é de que a volta dos consumidores após o primeiro choque da pandemia pegou as montadoras com estoques baixos: “Algumas montadoras pararam e venderam bem o estoque para fazer caixa quando veio a crise. Fizemos a lição de casa de retomar rapidamente a produção, mas os pedidos chegam em volume acima do que geralmente é encomendado por elas. É difícil dar conta”, diz Klaus Curt Müller, presidente da Anip, associação que representa os fabricantes de pneus.
Atrasos de logística também têm sido fatais em linhas que operam em sistema de estoques mínimos de materiais, o “just in time”. Empresários da indústria dizem que, com a diminuição das frotas de cargueiros, ficou mais difícil contratar navios que façam rotas diretas ou de poucas escalas até os portos do Brasil. A alternativa do transporte aéreo, além de ser cara, também é limitada pela menor oferta de voos.
“A crise está trazendo um aprendizado de como organizar estoques. O mundo trabalhava com o ‘just in time’, mas talvez no ‘novo normal’ outras soluções terão de ser avaliadas. O estoque custa, mas parar a linha por não ter material custa muito mais. Imagina pagar, digamos, 5 mil funcionários que não estão sendo aproveitados”, comenta Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Produção
Com o ritmo reduzido pela falta de peças, a produção das montadoras caiu 3,5% no mês passado na comparação com fevereiro de 2020. Entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus, 197 mil veículos foram montados em fevereiro, o volume mais baixo dos últimos sete meses. O resultado também corresponde ao pior fevereiro na atividade do setor desde 2016. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.