30/04/2019 - 11:58
Marcos Villela é um belo exemplo de produtor que conseguiu se adequar às condições naturais. Aos 47 anos, ele cria 6 mil cabeças de gado na Fazenda Jacamim, que ocupa 2,3 mil hectares no município de Nova Mutum, em Mato Grosso.
A propriedade pertence à família de Villela desde 1971, quando foi comprada por seu avô. Mas é na agricultura que sua produção chama a atenção. Ele cultiva soja na primeira safra, além de milho e capim braquiária na sequência. E faz isso em 1,6 mil hectares de solo com apenas 22% de argila, quando terrenos com teores de 35% ou menos de argila são considerados pobres em nutrientes. Por isso, esse tipo de solo é chamado de areião.
Em terrenos assim, plantar e colher é um verdadeiro desafio. “Para viabilizar o negócio, preciso estar sempre atento e buscando alternativas, como o uso da tecnologia”, diz Villela. Modelos de agricultura como o do fazendeiro mato-grossense, com a expansão de espaço do cultivo de soja em solos arenosos, está no radar de boa parte dos produtores brasileiros. A razão é simples: com a preservação de reservas ambientais e o aumento, ano a ano, da área plantada, é necessário avançar em terrenos pobres em nutrientes ou até então inutilizados. Segundo o Ministério da Agricultura, em uma década, a área plantada de soja chegará a 43,5 milhões de hectares, 21% acima do atual. O milho, a segunda cultura em área plantada no País, deve chegar a 18,5 milhões de hectares, 11% acima do que há hoje. Em Mato Grosso, a área de soja deve sair dos atuais 9,6 milhões de hectares para 15 milhões – maior do que Portugal e Bélgica somados. Desse total, 5 milhões de hectares serão de cultivo em terras arenosas. Em toda a região do Cerrado brasileiro, há 30 milhões de hectares do chamado neossolo quartzarênico, com baixo teor de argila e alta concentração de alumínio tóxico.
São diversas as barreiras para a produção nesse tipo de terreno. Uma delas é que, devido à falta de estrutura física e de nutrientes, o solo arenoso é mais sensível a intempéries, sejam longos períodos de seca ou excesso de chuvas. A textura é um fator determinante na retenção e na capacidade de armazenamento de água e de nutrientes, na resistência à penetração de raízes e influencia o estado térmico do solo. Outra dificuldade é a produtividade, o que requer material genético adaptado. Um terreno arenoso e mal manejado produz em torno de 30 sacas de soja por hectare, menos de um terço da produção conseguida em terras de alta fertilidade, que ultrapassam as 100 sacas por hectare.
BONS RESULTADOS Uma prova eloquente do bom trabalho de Villela é o fato de que, no ano passado, ele conseguiu tirar do seu solo arenoso 63 sacas de soja por hectare, ou seja, mais do que o dobro da média. E ainda produziu 110 sacas de milho. “Não conseguimos produzir com médias tão altas como numa terra mais argilosa, principalmente em tempos de seca, onde o solo é mais sensível. Mas temos alcançado bons resultados”, afirma ele. “Para isso, precisamos ter o solo sempre bem protegido”. No caso de Villela, essa proteção é conseguida por meio do uso de matéria orgânica, a produção de palhada a partir do milho, o trabalho intenso com defensivos biológicos para combater nematóides (fungos e bactérias) e a rotação de culturas.
Os solos arenosos comprovam a teoria de que, com inteligência, tecnologia e as estratégias certas, “em se plantando, tudo dá”. E ainda rende lucros. Há pouco mais de 1 ano, a Embrapa iniciou o Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), um mapeamento que deve levar três décadas, com a seguinte conta: para cada R$ 1 investido, a expectativa de retorno é de R$ 185.
A instituição toma como exemplo os Estados Unidos, onde, de cada dólar investido em levantamento de solo, o retorno é de US$ 120. Segundo a Embrapa, o governo americano pretende mapear, até 2026, 130 milhões de hectares.
No Matopiba (área que abrange parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), entender os solos arenosos faz parte de um aprendizado em busca de produtividade. Nessa região de 73 milhões de hectares – pouco menor do que a soma de Espanha e Itália -, o cultivo em área arenosa necessita fundamentalmente de pesquisas e investimentos por parte do produtor. Na área de 7,8 milhões de hectares de grãos, 1,5 milhão tem alto grau da areia, o equivalente a 20%. Só para comparação, em Mato Grosso, as áreas arenosas são 10%, que representam 1,5 milhão do total de 15 milhões de hectares plantados de grãos. “No início, o investimento é muito alto. O primeiro ano não paga a conta”, afirma Alzir Aguiar Neto, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) no Estado do Piauí. Ele se refere aos gastos com fertilizantes e ao uso de calcário e gesso, para corrigir a acidez da terra e aumentar o nível de cálcio e magnésio, que ajudam na fertilidade e na retenção de nutrientes. “Esse investimento é feito um ano antes da primeira safra.”
SEM MEDO Aguiar Neto possui uma propriedade de 11,8 mil hectares em Baixa Grande do Ribeiro, no sul do Piauí, com 25% em média de argila no solo. Ele acredita que o gasto para a abertura de uma nova área, incluindo a mão de obra e sem considerar o investimento em maquinário, chega a R$ 3 mil por hectare em solos arenosos. Em um solo de fertilidade alta, o custo é quase 30% menor: R$ 2,2 mil. Mas tem suas compensações. Segundo ele, a produtividade tem crescido a taxas de 40% ao ano, nos primeiros quatro anos de manejo adequado. “Eu não tenho medo do solo arenoso. É só ter paciência e aplicar o sistema correto, que é o plantio direto”, diz Aguiar Neto. “Com as correções adequadas, o solo vai se estruturando física
e quimicamente.” Hoje, da área total de sua fazenda, 6,3 mil são de soja e milho e apenas 200 hectares são para a pecuária. A produção de grãos é divida entre 75% para a soja e 25% para o milho. No ano passado, ele colheu 30 mil toneladas de grãos, sendo 64,3 sacas de soja por hectare e 176 sacas de milho. Na Fundação Mato Grosso (Fundação MT), instituto de pesquisa mantido por produtores desde 1993, estudos mais aprofundados sobre plantio em solos arenosos começaram na safra 2015/2016, quando a entidade abriu uma unidade de aplicação e mensuração de tecnologias em Campo Novo do Parecis (MT), em parceria com a Aprosoja-MT. O Centro de Aprendizagem e Difusão fica na fazenda Vô Arnaldo, do grupo Agroluz. A área de
experimento possui 88 hectares, com textura de argila entre 34% e 8%. Leandro Zancanaro, diretor técnico da Fundação MT, diz que as pesquisas em solos arenosos têm demorado, em média, a metade do tempo na comparação com solos que possuem um maior teor de argila. “Na areia, o resultado é muito mais rápido e visual sobre o quanto uma cultura de cobertura interfere na principal”, afirma Zancanaro.
ESTUDO Para Elcio Bonfada, coordenador de pesquisas da fundação, é essencial analisar qual a cultura de cobertura ideal a ser adotada em cada propriedade, de acordo com suas características. Nos experimentos do projeto, estão sendo cultivados sistemas diversos, como soja e milheto, soja e braquiária e também soja e milho, que corresponde atualmente a 50% do cultivo em Mato Grosso. “O produtor deve estudar o que será plantado na entressafra, para possibilitar a cultura principal, que é a soja”, destaca Bonfada. “Uma tomada de decisão no solo arenoso tem impacto muito grande no curto prazo. Porque, enquanto no solo argiloso há uma reserva de nutrientes com poder tampão, no arenoso isso simplesmente não existe.” Além disso, o pesquisador ressalta que o manejo do solo arenoso tem mais um entrave: precisa de acompanhamento meticuloso. É que, pela composição de argila e nutrientes retidos no solo, mesmo fazendas próximas podem ter diferentes níveis de produtividade. Apesar de todos os desafios, os fazendeiros do Brasil estão provando que é possível, sim, colher bons frutos no areião.