08/10/2012 - 13:28
Enquanto a pior seca dos últimos 50 anos torrou as lavouras de milho dos Estados Unidos, fazendo a colheita do país, o maior produtor mundial do grão, despencar mais de 100 milhões de toneladas, e as exportações caírem 20%, reduzindo-se para 32 milhões de toneladas, no Brasil, apesar da incerteza quanto ao futuro do mercado para o cereal, chove milho. É com a previsão de obter quase 73 milhões de toneladas do grão, na safra 2012/2013, um aumento de quase 27% se comparado à safra 2011/2012, que o País espera diminuir a grande diferença entre a produção nacional e a dos dois maiores produtores globais do cereal, os Estados Unidos, que apesar da seca ainda colheu 270 milhões de toneladas do grão, e a China, que colheu nesta safra 197 milhões de toneladas. E, quem sabe, estabelecer o milho como uma cultura de peso na balança comercial brasileira. Mas será que o País tem mesmo cacife para tomar dos Estados Unidos, nos próximos anos, os mercados não atendidos nesta safra, como os da Ásia? Seria essa uma oportunidade para fincarmos o pé de vez no mercado internacional? Qualquer que seja a resposta, não será uma tarefa das mais fáceis para a cadeia produtiva do milho, um setor que movimenta R$ 20 bilhões por ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Para o engenheiro Pedro Parente, que já passou pelo Banco Central, foi ministro do planejamento no governo Fernando Henrique Cardoso e comanda a Bunge Brasil, hoje sendo um dos mais influentes personagens do agronegócio, afirma que o marco emblemático dos 100 milhões de toneladas de milho poderá ser atingido facilmente. “O cereal vai ajudar a agricultura brasileira a dobrar a oferta de grãos”, disse Parente, durante o Fórum Nacional de Agronegócios, realizado nos dias 21 e 22 de setembro, em Campinas, no interior de São Paulo.
Parente não é o único a pensar nos efeitos de longo prazo da festa do milho brasileiro. O agricultor Eraí Maggi Scheffer, proprietário do grupo Bom Futuro, de Cuiabá, em Mato Grosso, o maior produtor de soja, acredita que o Brasil pode crescer o quanto quiser na produção agrícola, especialmente no milho, desde que o gigantesco esforço dos agricultores da porteira para dentro de suas propriedades, seja acompanhado por uma mudança estrutural no sistema de transporte do País, como promete o governo com o Programa de Investimento em Logística, que vai investir R$ 133 bilhões na ampliação da malha ferroviária nacional e na duplicação de rodovias, lançado na primeira quinzena de agosto. “Enquanto o Brasil não contar com uma infraestrutura azeitada, teremos ’15 minutos’ de fama internacional, sempre calcada em quebras de safra lá fora”, afirma Scheffer. “Mas o setor produtivo está aí. Mato Grosso tem capacidade de cultivar, sozinho, o total da safra nacional de grãos”, diz. No Estado, a área atual destinada aos grãos é de 10,9 milhões de hectares, de onde saem 40,3 milhões de toneladas, quase 25% do volume nacional, segundo a Conab. Desse total, 15,6 milhões de toneladas de milho foram cultivados em 2,7 milhões de hectares na safra 2011/2012. “Podemos crescer, e muito. Mas, se aumentarmos ainda mais o cultivo de grãos, como vamos tirar a produção do campo?”, questiona Scheffer.
Por via das dúvidas, o maior produtor de soja do Brasil deve se tornar também o maior produtor de milho. Scheffer vai plantar 110 mil hectares do cereal na segunda safra desta temporada, que começa logo depois da colheita da soja, em janeiro/Fevereiro de 2013, e espera colher 600 mil toneladas do cereal. Até três anos atrás, Scheffer plantava 44 mil hectares de milho. Entre soja e milho, o Bom Futuro faturou R$ 1 bilhão na safra 2011/2012, cultivados em 300 mil hectares de terras, em 36 fazendas concentradas em Mato Grosso. “Já, já, vamos dobrar a produção de milho”, diz Scheffer. Um estudo divulgado no fim do mês passado pelo Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), projeta uma produção de 28,6 milhões de toneladas de milho, no Estado, para daqui a uma década. “Com a quebra americana, sobra um pedaço da Ásia para o nosso milho”, diz Scheffer.
Mas não é somente a queda acentuada da safra nos Estados – que deveria produzir 376 milhões de toneladas, mas que de fato está colhendo algo em torno de 270 milhões de toneladas – que abre oportunidades para o Brasil. Outras áreas importantes de produção de milho também sofreram revezes nos últimos meses. A unidade de monitoramento de safra da União Europeia (UE) previu, no fim do mês passado, a redução da produtividade do milho nas regiões Sul e Sudeste do bloco, de 6,28 toneladas por hectare, para 6,05 toneladas por hectare. O motivo também seria uma forte estiagem na região. A produção do cereal, na UE, deve cair 1,5 milhão de toneladas, para 60,2 milhões de toneladas. Na região do Mar Negro, os produtores de milho, como Ucrânia, Rússia, Bulgária e Romênia, devem produzir 37 milhões de toneladas neste ano, contra os 39,7 milhões de toneladas, em 2011. A colheita do milho na Rússia, em 2012, deve ficar abaixo dos sete milhões de toneladas colhidas no ano passado, em torno de 6,7 milhões de toneladas. “Mercado internacional tem, resta saber como vamos monitorar essa demanda”, diz Scheffer.
Para o ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), não há muito tempo a perder. “Precisamos construir um novo país agrícola”, diz Paulinelli. “Somente a China, dentro de dez anos, precisará importar 140 milhões de toneladas de milho.” Para ele, é importante o País aproveitar essa onda favorável à demanda de milho, neste ano e no próximo, bem como segurar o tranco de preços mais baixos daqui a duas safras, quando se espera que os milharais dos Estados Unidos estejam totalmente recuperados. “Aí, vai da competência nossa em disputar espaço no mercado externo”, diz Paulinelli. “Mas é bom nos prepararmos, porque não será tão fácil para o Brasil ser grande no milho, a exemplo do que aconteceu com a soja.”
O alerta de Paulinelli vem em boa hora, pois os números das últimas exportações do cereal mostram um mercado em ascensão. Até mesmo os Estados Unidos, que nunca foram um cliente cativo do Brasil, vieram comprar cereal neste ano. Entre janeiro e agosto, os americanos embarcaram 44 mil toneladas do cereal brasileiro, ante míseras 3,5 toneladas do cereal adquiridas em todo o ano passado. A China, que precisa do cereal em larga escala, nunca havia comprado um único grão de milho do Brasil, até 2009. Na safra passada, os chineses importaram do País 21,1 mil toneladas, por US$ 6,4 milhões. Neste ano, eles têm aumentado ainda mais as compras. Entre janeiro e agosto, já foram embarcadas para a China 68,4 mil toneladas, que renderam US$ 15,6 milhões, quase o triplo do obtido em todo o ano passado.
Outro destino que vem adquirindo importância para os brasileiros é o Japão, um dos fregueses mais fiéis do milho americano. Nos últimos quatro anos, os japoneses multiplicaram várias vezes suas compras. Em 2011, foram 734,5 mil toneladas, num total de US$ 225,6 milhões. Em 2007, eles haviam levado 54 mil toneladas. Além desses novos compradores, o Brasil tem mantido em seu portfólio clientes fiéis como Arábia Saudita, Coreia do Sul, Espanha, Irã e Países Baixos. No ano passado, o Brasil exportou 9,4 milhões de toneladas de milho, por US$ 2,6 bilhões. Neste ano, até agosto, foram embarcados 6,2 milhões de toneladas, por US$ 1,6 bilhão.
É com a calculadora em punho, e as cotações apitando atualizadas a todo momento no celular, que Scheffer projeta o futuro da commodity. Mas, segundo ele, apesar das cifras da exportação, o milho brasileiro ainda só dá lucro para o produtor, ou pelo menos empata com o custo de produção, quando alguma tragédia assola as lavouras de países produtores, como aconteceu nos Estados Unidos, ou quando o governo federal subsidia a produção nacional. Para ele, o notável é que esse cenário é o mesmo de 30 anos atrás. “Antes, tínhamos terra e clima, mas faltava tecnologia”, diz. “Agora, temos tecnologia, mas falta inteligência para amarrar o processo de produção.”
Para tentar resolver essa questão, no início deste ano a Abramilho fez uma parceria com a Embrapa Milho Sorgo, de Sete Lagoas (MG), e com a Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, uma das mais conceituadas escolas de educação executiva do País. Um estudo em andamento está mapeando a produção das 542 microrregiões do País, definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O pesquisador da Embrapa José Carlos Cruz, que há 37 anos estuda a cadeia de grãos no País, diz que com isso será possível conhecer as condições de solo e clima, a forma como se deu a instalação da lavoura nessas microrregiões e qual o potencial de desenvolvimento da cultura. Os pesquisadores estão analisando sementes, fertilizantes, limitações da produção e treinamento da mão de obra nas lavouras. “Nossa percepção é de que o milho tem crescido no Brasil mais para ocupar espaço do que para ser uma cultura de peso”, diz Cruz. Segundo o ex-ministro Paulinelli, o zoneamento produtivo do milho está praticamente pronto e deve ser apresentado ao governo federal em novembro. “O governo precisa participar da cadeia, dando respostas para a demanda por crédito, seguro da safra, logística e comércio justo por meio de preço mínimo”, diz. “Com o zoneamento produtivo, a ideia é dizer ao pessoal do governo federal: olha, dentro de dez anos, se vocês querem que o Brasil produza mais de 100 milhões de toneladas de milho, a melhor estratégia é esta e as limitações são aquelas.”
De acordo com o pesquisador Cruz, a produtividade de milho tem crescido consideravelmente, nos últimos anos, com agricultores chegando facilmente a 12 toneladas por hectare. “Isso significa 200 sacas de milho por hectare, produção espetacular em qualquer parte do mundo”, diz Cruz. Mas, basicamente, a produção nacional de milho pode ser dividida em três grandes setores e aí estão os nós da questão. O Nordeste planta três milhões de hectares de milho, com uma produtividade baixíssima, em torno de duas toneladas por hectare. Nos Estados do Centro-Sul, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, a produtividade é alta, com média de sete toneladas por hectare, mas não há grandes áreas para a expansão da cultura. É no Centro-Oeste, com o crescimento da safrinha do milho, ou segunda safra, combinada com a existência de terras em abundância, com índices de produtividade em torno de seis toneladas, que estão reunidas as condições para o crescimento da produção de milho. “O desempenho da safrinha é ótimo, mas ainda pode melhorar”, diz Cruz.
Organizar a produção pode evitar situações como a ocorrida no mês passado, quando o milho virou assunto de segurança nacional. Os criadores de suínos, aves, ovinos e caprinos do Nordeste, que também enfrentam um período de estiagem severa, ficaram desabastecidos do grão para alimentar seus rebanhos. No início de setembro, o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, fez um apelo desesperado ao ministro da Defesa, Celso Amorim, para que as Forças Armadas auxiliassem a Conab a transportar os estoques de Mato Grosso e Goiás para o Nordeste. Outra cena recente protagonizada pelo milho aconteceu em agosto, desta vez com produtores do Sul do País. Em Santa Catarina, a falta de grãos para compor a ração dada às aves levou alguns proprietários de granjas a sacrificar milhares de pintinhos antes que eles entrassem no processo de produção industrial. As distorções na oferta também levaram a uma escala de preços sem precedentes e em tempo recorde. “O mercado enlouqueceu”, diz Paulinelli. Em Mato Grosso, a saca de 60 quilos de milho, que estava sendo vendida a R$ 17 em novembro do ano passado, aumentou para R$ 21, no início do mês passado. No Paraná, um mercado considerado de resistência a oscilações bruscas, o preço saltou de R$ 23 a saca para quase R$ 30.
O aumento da demanda e dos preços, principalmente no mercado internacional, arranca suspiros do exministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, para quem não está dada ao Brasil apenas uma janela de oportunidades, mas um portão jamais visto, que não se restringe à festa do milho da última safra. “O mundo também vai precisar do milho brasileiro, como já precisa da soja”, afirma Rodrigues.
O grupo Amaggi, de Cuiabá, controlado pela família do senador Blairo Maggi, primo de Scheffer, que faturou R$ 4,7 bilhões, em 2011, e um dos grandes produtores agrícolas brasileiros, também aposta no aumento da produção de milho. “Mas vamos com cautela”, diz Pedro Valente, diretor de produção da divisão agro do grupo. Na safra 2012/2013, a Amaggi vai produzir 340 mil toneladas, em 73 mil hectares.
Para os grandes produtores, como os primos Eraí e Blairo, o que mais tem pesado na lavoura de milho é o custo de produção. Segundo Valente, a aposta no cereal, com todo o cultivo na segunda safra, está relacionada ao preparo do solo à soja. “Pensamos na sanidade do solo, que o milho proporciona”, diz. “Vamos produzir o grão e esperar para ver.” Scheffer observa que, a despeito dos preços altos no mercado, as contas para o produtor são apertadas. Ele dá como exemplo o milho exportado. Para embarcar uma tonelada no Porto de Santos, o produtor tem de desembolsar entre US$ 120 e US$ 150 por tonelada. Scheffer diz que o milho é embarcado no terminal portuário a US$ 260 por tonelada. Tirando US$ 150 do frete, sobram US$ 110 no bolso, os quais devem remunerar despesas de plantio, mão de obra, insumos e a taxa de retorno da agricultura. A saca de 60 quilos do milho acaba saindo por apenas US$ 6,6, ou R$ 13,3, pouco mais que o mínimo de R$ 12,6 estipulado pelo governo federal. Segundo Scheffer, está na hora de o governo dar algumas contrapartidas ao esforço dos produtores. Para ele, uma das saídas para as próximas safras seria o governo recompor seus estoques. “Os estoques de milho da Conab estão quase zerados”, diz Scheffer. “Essa seria também uma oportunidade de encher os armazéns.”
Milho no tanque
Enquanto a safra agrícola do País fica represada em obstáculos logísticos, especialmente a de Mato Grosso, que já mostrou vocação para reinar absoluto como o maior polo produtor do Brasil, há quem aponte a indústria de biocombustíveis como uma alternativa para escoar a produção de milho do Estado. Mato Grosso já produz etanol derivado da cana-deaçúcar, em volume reduzido. Como avançar na produção de cana no Estado também é inviável – devido a restrições do governo federal à expansão territorial do cultivo para áreas do bioma Amazônia ou da Bacia do Alto Paraguai –, o milho pode ser uma alternativa.
De acordo com o Ministério da Agricultura, apenas para suprir 65% da demanda nacional pelo biocombustível até 2020, seria necessário aumentar a produção de etanol em 400 milhões de toneladas. “O etanol de milho seria uma solução para Mato Grosso”, diz Pedro Valente, do grupo Amaggi. Segundo ele, a produtividade do milho está muito mais avançada do que a da cana. Não é à toa que o Estado já estima dobrar, em uma década, o volume de produção do cereal.
Neste ano, entrou em operação, em Mato Grosso, a primeira usina flex do País, com possibilidade de produzir etanol alternadamente a partir de cana e milho. A Usimat, instalada no município de Campos de Júlio, da família paranaense Scholl, que tem como principal negócio armazéns e transportadora, investiu R$ 25 milhões para adaptar o maquinário da usina para usar o milho como matéria-prima. “Vamos produzir etanol de milho na entressafra da cana”, diz Sérgio Barbieri, diretor da Usimat. “Se o País aumentar a produção de milho, está aberta a oportunidade de aumentar, também, a produção de etanol.”
Um grão no caminho
Para acompanhar o desenvolvimento agrícola, reduzir os custos logísticos e aumentar a competitividade do País, o Fórum das Entidades do Setor Produtivo do Centro-Oeste, que reúne a cada três meses representantes da agricultura, pecuária e comércio da região – entre elas as federações de agricultura –, lançou no fim do mês passado o projeto Centro-Oeste Competitivo, para mapear os planos do governo federal e da iniciativa privada, concretizados ou não.
Para elaborar um planejamento estratégico de sistemas integrados de infraestrutura e transporte, a ideia é avaliar as 15 principais cadeias produtivas da região. No agronegócio, entram no pacote as cadeias de soja, milho, bovina, madeira, adubos e fertilizantes, que respondem por 95% da produção agropecuária do Centro-Oeste. “De fato, precisamos de ferrovias e terminais rodoviários que aproximem os centros produtivos dos canais de exportação”, diz Eraí Maggi Scheffer, do grupo Bom Futuro. “O Centro-Oeste é o maior polo de desenvolvimento do País, e há 30 anos a logística é a mesma.”
De acordo com Scheffer, além da questão de infraestrutura abordada no projeto, será necessário traçar uma linha de comunicação eficiente entre os órgãos governamentais como, por exemplo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério da Agricultura (Mapa) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). “As licenças no Brasil demoram muito mais tempo para sair do que o tempo que se leva para construir uma obra”, afirma Scheffer. O projeto de mapeamento dos gargalos logísticos também será desenvolvido em âmbito nacional. Depois do Centro-Oeste, será a vez do Sudeste.