28/12/2024 - 7:00
O ano de 2024 se encerra com impactos diretos de meses de caos para a indústria de Fiagro, classe de ativos que nasceu há três anos e agora sofre globalmente por conta de eventos de crédito e quebras de safra. Em um ano que a recuperação judicial da Agrogalaxy foi alçada às manchetes, praticamente todos os fundos da classe tiveram retrações expressivas.
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Agora, investidores e agentes financeiros enxergam que o agro ensaia uma recuperação por conta de preços estáveis nos últimos meses e perspectivas de safras melhores em um futuro breve.
No passado recente, o que ocasionou a crise no agronegócio foi justamente a combinação de preços baixos e quebras de safra. Já nos primeiros meses do ano o cenário de forte calor e chuvas irregulares tiveram impacto direto em lavouras de soja e milho, especialmente na região centro-oeste – fazendo com que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) sinalizasse uma produção pelo menos 6% menor do que o ciclo anterior.
O preço da soja, em dólares, vem em uma derrocada desde janeiro de 2023. O número de recuperações judiciais dentro do agro saltou consideravelmente – dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) mostram que em 2023, 17% das recuperações judiciais eram de empresas do agro, patamar que saltou para 33% em outubro de 2024, praticamente dobrando.
Nesse contexto, mesmo os fundos com inadimplência zero e que não tinham exposição a players que tiveram problemas sofreram.
Vitor Duarte, CIO da Suno Asset, relata que foi a primeira vez que a cota do SNAG11, principal Fiagro da gestora, negociou abaixo de R$ 10.
“Em todas as últimas crises, o SNAG11 manteve-se acima de R$ 10. Pela primeira vez caiu, e sabemos que isso é algo que traz insegurança. Óbvio que caímos menos que todos os outros, mas de qualquer modo isso incomoda”.
O gestor explica que o mercado ‘não sabe separar o joio do trigo’, e que em contextos como o atual é natural que todos os fundos da classe recuem.
“As premissas que usávamos funcionaram, a nossa carteira se comportou bem no período, do ponto de vista de análise fundamentalista, foi um bom teste, ‘passamos de ano’ com uma boa nota. O problema é que o mercado não consegue separar quem é bom de quem é ruim.
O SNAG11 é o carro-chefe da gestora atualmente, com mais 100 mil investidores e um patrimônio líquido de R$ 581 milhões. A carteira, majoritariamente alocada em crédito, tem zero inadimplência.
Todavia, com uma base de investidores mais receosa após as notícias ruins para o setor, a desvalorização das cotas não é pura e simplesmente o último impacto no elo que vincula o mercado financeiro.
Com os fundos penalizados, o setor deve acessar menos recursos após meses de caos generalizado.
O cenário torna inviável a realização de novas ofertas, porque as gestoras não as farão abaixo do valor patrimonial.
Além disso, os novos entrantes do lado do agronegócio não virão em um período de vacas gordas, com cooperativas e indústrias que irão captar no mercado de capitais e não receberão tanto dinheiro quanto receberiam em um passado recente.
A expectativa é de que mesmo os players com zero inadimplência ficarão com crescimento comprometido.
O que esperar?
“O credito para agro vai ser menor via Fiagro no próximo ciclo, e além disso com Selic mais alta terão mais bancos com LCs, que irão suportar essa demanda de crédito. É uma pena que mesmo bons produtores não vão acessar novos recursos via mercado de capitais, com exceção da Boa Safra, por exemplo, com oferta de CRA no varejo; um player muito grande que tenha um risco de crédito suportado por agencia de rating, balanço e tudo mais, que pode ir direto na renda fixa captar com CDI somado a uma taxa”, comenta Duarte, da Suno Asset.
Nesse contexto, os gestores esperam que esses problemas sejam parcialmente pacificados no ano de 2025, que tem perspectivas melhores.
Não há projeções de grandes recordes e de um mercado dando a volta por cima, mas de uma recuperação substancial ante o ano atual, que contou com problemas pontuais que afetaram o setor mais representativo do PIB.
Duarte, da Suno Asset, explica que é como se um pêndulo tivesse se movido – ele foi longe (para a crise), mas não está voltando para a posição anterior (período de pujança), e sim para um meio termo, uma recuperação parcial, um ‘cenário mais neutro’, como exemplificou o gestor.
De olho nisso, alguns investidores têm aproveitado os valores descontados dos fundos do agronegócio – negociados por vezes com preço substancialmente abaixo do valor patrimonial – para ir as compras, de olho na recuperação do setor.
Ainda assim, Duarte revela que ‘é uma parcela minúscula’.
Vale destacar que, mesmo com os eventos de crédito, o segmento também mostrou um crescimento expressivo no acumulado do ano.
A indústria de Fiagro registrou crescimento de 124% em uma janela de 12 meses até setembro de 2024, com patrimônio líquido alcançando R$ 42 bilhões – acima da média do mercado. Os dados são da 8ª edição do Boletim CVM Agronegócio, elaborado pela Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Safra melhor, Selic em alta
Evandro Buccini, Sócio e Diretor de Ativos Líquidos da Rio Bravo, comenta que do ponto de vista macroeconômico, 2025 não terá alívio no cenário de juros. Apesar disso, a produção no segmento deve colaborar para uma melhora de perspectivas.
“O juro não vai ajudar em 2025. O fardo nas empresas produtoras seguirá elevado, mas tudo indica que será uma safra melhor, e o setor vai recuperar liquidez”.
Em 2024, parte dos problemas vistos dentro do setor estavam associados à somatória de produções abaixo do esperado com preços mais baixos do que o esperado – que causou eventos de crédito que afetaram globalmente o setor.
Os preços não tiveram mudanças significativas, contudo a produção deve ser melhor e os eventos que ocorreram em 2024 não devem se repetir.
“Em 2024 tivemos duas safras seguidas de soja que não foram boas, e no anterior você teve problemas de crédito no mercado de capitais e a safra também não foi muito boa. O El Niño também fez com que o apetite fosse reduzido”, comenta Artur Carneiro, fundador da gestora de recursos Éxes.
“Para a safra atual a perspectiva é boa em termos de produção, temos tudo para fazer safra recorde nesse ano, algo próximo de 170 milhões de toneladas de soja, o que é excelente”, completa.
Duarte, da Suno Asset, comenta que o ‘jogo não virou’, mas que o ambiente está ‘neutro’ em relação ao que vimos nos meses anteriores.
“Esse ano você teve margens apertadas pela quebra de safra, não pelo preço, por conta do El Niño, choveu muito no Sul e não choveu no Mato Grosso, algumas regiões colheram abaixo do custo. Para ano que vem os fatores de troca estão equilibrados, a margem do produtor vai estar aceitável, a soja acima de R$ 100, os preços dos insumos se acomodaram, então está ok para o próximo ciclo”.
A torneira não secou, mas jorra menos água
Buccini, da Rio Bravo, cita outro ponto que deve colaborar para a diminuição de eventos de crédito em Fiagro no ano de 2025 – o fato de que, agora, o mercado está relativamente mais criterioso na concessão de crédito.
O especialista frisa que ocorreu ‘muito aprendizado no caminho’, assim como ocorreu no passado com o mercado imobiliário. Segundo Buccini, um Certificado de Recebível Imobiliário (CRI) emitido hoje é substancialmente diferente de um CRI emitido há 10 ou 15 anos atrás.
A tese, assim, vai em linha com a de que o agro terá menos dinheiro proveniente do mercado de capitais.
“Acho que teremos mais rigor, não teremos dinheiro novo. Depois desse histórico, desses últimos 12 meses, dificilmente vai entrar dinheiro como nesse ano e ano passado. Vai continuar ter Fiagro-FIDC, Fiagro de terra e tudo mais, tivemos inclusive uma nova resolução, mas esse dinheiro que entrou de uma vez, a maior parte, isso não vai acontecer novamente”.
Falando da porta para dentro, a Rio Bravo também se tornou mais rigorosa. Atualmente a gestora não tem fundo do agronegócio, mas faz operações do setor, incluindo operações de logística agrícola – que considera menos arriscadas.
“Nosso foco no agro é ficar longe do produtor direto e de revendas e focar na parte do Brasil que precisa tanto, que tem garantias mais tradicionais, como a armazenagem. Uma das partes mais demoradas é a parte de background check, porque olhamos 100% das operações, olhamos compliance. É um processo bem lento”, relata.
“Queremos ter certeza que estamos emprestado dinheiro bem, não queremos ter surpresas. Já vimos até problemas criminais ou possivelmente criminais no segmento. É também um setor que tem um risco maior de problemas trabalhistas e de questão de desmatamento”, complementa.
Indústria de Fiagro mudará fluxo de dividendos
Visando equacionar o desejo dos investidores, a esmagadora maioria dos Fiagro paga dividendos mensais, assim como os fundos imobiliários. Entretanto, o segmento imobiliário possui um fluxo de pagamentos mensal, com aluguéis pagos às gestoras praticamente de 30 em 30 dias.
No agro, os pagamentos estão atrelados às safras, que duram meses – e fazem com que os pagamentos tenham uma frequência menor.
Com as normativas atuais da indústria, não é contra as regras um Fiagro pagar proventos com uma frequência menor do que a mensal, mas pouquíssimas gestoras adotaram esses modelos.
Algumas que adotaram, mudaram meses depois – a exemplo do Fiagro da Ecoagro, o EGAF11, que em 2022 pagou proventos nos meses de abril, julho e outubro, mas a partir do início de 2023 passou a adotar uma frequência mensal.
Nesse contexto, gestores frisam que essa dinâmica é prejudicial, mas não esperam que o mercado financeiro mude sua predileção pelos pagamentos mensais a fim de dar um fôlego maior para os tomadores de crédito.
“Querer que o Fiagro seja igual FII é um problema. A gestora vai lá e faz porque todo mundo tá acostumado assim, com yield alto, que é o que todo mundo quer. Não é essa a realidade, tem que ter recorrência menor, tem que ser visto de forma diferente”, opina Buccini, da Rio Bravo.
Duarte, da Suno Asset, também comenta que não vê a ‘dependência’ do mercado por um fluxo mensal de dividendos mudando em breve.
“Acho que a indústria de Fiagro não vai se adaptar, quem do agro quiser vai ter de vir pro mensal, e eu digo isso com pesar e torcendo para estar errado. Essa coisa do mês é um vício”, opina.
O gestor explica que a dinâmica obriga os tomadores de crédito a terem um excesso de caixa, já que há cinco meses de intervalo entre os pagamentos relativos às safras.
Sobre outras mudanças no setor, relata que é otimista com a oportunidade de Fiagro multimercado, classe que foi regulamentava pela CVM em meados de setembro.