Quando o então presidente americano John F. Kennedy propôs, nos anos 1960, a Aliança para o Progresso, uma espécie de Plano Marshall para a América Latina, o economista Celso Furtado afirmou que ela não funcionaria. Em sua argumentação Furtado defendia a ideia de que, na Europa do pós-guerra, o que havia sido destruído era o capital físico, mas o conhecimento e o capital humano tinham sido preservados. Para Furtado, na América Latina, esses dois ingredientes ainda estavam para ser construídos, num processo que costuma levar algumas gerações. Alberto Portugal, presidente da Embrapa de 1995 a 2003 e atual coordenador do núcleo de gestão em Agronegócio da Fundação Dom Cabral, utiliza esse exemplo para avaliar o momento do setor agropecuário no Brasil. Muito conhecimento foi desenvolvido nos últimos tempos, mais ainda é insuficiente o número de profissionais com a formação adequada.

“O nosso grande desafio é gente qualificada”, afirma Portugal. “Temos de formar mais profissionais de competência técnica, mas que, ao mesmo tempo, tenham visão estratégica.” Portugal tem a missão de colaborar com parte desse esforço, ao estruturar o núcleo de Agronegócios, criado em fevereiro deste ano pela Dom Cabral. Mais conhecida por seus programas de gestão e capacitação executiva, a escola mineira tem oferecido cursos sob encomenda. Mas já no próximo ano vai lançar o seu primeiro curso aberto para a formação de lideranças em Agronegócios. Dessa forma, a Dom Cabral segue os passos da FGV Management, que oferece em São Paulo um MBA em Gestão Estratégica do Agronegócio. Mesmo na mais tradicional formadora de agrônomos do interior paulista, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/ USP), ligada à Universidade de São Paulo, há um esforço de aproximar a academia das empresas. “Criamos um fórum de debates com gente do mercado, para sugerir reformulações de conteúdo”, diz José Vicente Caixeta Filho, diretor da Esalq. Em alguns pontos, os avanços podem ser sentidos. A Esalq já oferece disciplinas como logística, marketing e gestão de recursos humanos e ambiental.

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Porém, a distância entre a formação tradicional e as capacitações para atuar no mercado ainda é larga. As faculdades de agronomia, veterinária e zootecnia contribuem com uma forte base técnica, mas estão longe de garantir as habilidades necessárias para fazer a gestão de estoques ou de uma propriedade rural. Isso explica por que muitos profissionais de destaque no setor têm outra formação. Segundo o Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), 11,78% das empresas ligadas ao agronegócio listadas na Bovespa têm advogados na direção e 17,5%, nos conselhos de administração. Como se não bastasse, uma série de novas posições está surgindo e deve atrair mais profissionais de fora do agronegócio. “Há posições hoje que nem existiam em 2009”, diz Mauro Lopes, pesquisador do Centro de Economia Agrícola (CEA) da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro.

Mas nada agrada mais aos altos executivos do que se cercar de pessoas que conheçam as peculiaridades técnicas do setor, como questões de safra, da cadeia de abastecimento e criação de animais. Para Stefan Mihailov, diretor-geral no Brasil da empresa de saúde animal Phibro, a formação técnica é primordial para escolher os seus colaboradores mais próximos. “Na minha experiência, é mais fácil desenvolver depois as habilidades de vendas e de liderança do que as técnicas”, diz. Percebendo isso, muitas empresas estruturaram universidades corporativas, como a Pfizer Saúde Animal. Dentro do plano de desenvolvimento individual para cada funcionário, ela busca aparar deficiências pessoais, como a capacidade de oratória. Outro foco é o dos cursos de línguas. Em especial, o inglês se tornou obrigatório.

CONTRACHEQUE REFORÇADO

Salários dos principais cargos executivos no agronegócio

Gerentes – de R$ 15 mil a R$ 18 mil

Diretores – de R$ 20 mil a R$ 30 mil

Presidentes – de R$ 40 mil a R$ 60 mil

 

“Temos de formar profissionais com competência técnica e que tenham visão estratégica”

Alberto Portugal

Fundação Dom Cabral,

 

 

Carreiras do futuro

Novas posições que estão chegando ao agronegócio e suas atribuições

Gestor de Risco Corporativo

Conhecer governança corporativa e societária e gerenciar conflitos

Gestor da Informação e Comunicação Corporativa

Disseminar internamente o modelo de negócios da empresa e sua estratégia

Gestor de Passivo Ambiental

Avaliar intervenções no ambiente, de acordo com a lei e de modo responsável

Gestor de Insumos Agropecuários

Gerenciar passivos ambientais e ajudar na formação da opinião pública sobre o uso de insumos

Gestor de Cidadania Empresarial

Projetar a imagem da empresa na comunidade

Gestor de Informação

Analisar informações estratégicas e o posicionamento da imagem da empres

Gestor de Mídia Digital

Gerir informações em blogs e mídias sociais, como Twitter, Facebook e Orkut

Gestor de Plataforma Digital

Utilizar plataformas digitais na comunicação interna e externa da empresa

Nada melhor do que aprimorar uma nova língua ao mesmo tempo em que se conhecem outras culturas e formas de trabalhar. É por isso que cada vez mais jovens fazem programas de intercâmbio ao Exterior para atuar como estagiários em fazendas dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Europa. O paranaense Flávio Salvadego foi um deles. Aos 18 anos, em 1995, se tornou o mais jovem estudante a fazer intercâmbio pela Caep (sigla em inglês para Comunicando para Programas de Educação em Agricultura), organização americana que promove a troca de experiências com jovens do Exterior. Após voltar ao Brasil, ele convenceu a instituição a abrir operação aqui. Agora, como diretor local, promove essas oportunidades para cerca de 250 estudantes e recém-formados, por ano. “O interesse pela experiência internacional é tanto que quem não teve oportunidade de fazer intercâmbio quando jovem tenta compensar de outras formas”, diz Salvadego. A Caep passou a oferecer cursos de inglês de um mês nos EUA para profissionais acima dos 30 anos.

Stefan Mihailov

Origem: São Paulo

Idade: 44 anos

Graduação: medicina veterinária na Unesp, em Botucatu

Pós-graduação: administração pela FG V-Eaesp e marketing pela ESPM em São Paulo

Primeiro emprego: assistente de desenvolvimento de produtos

Cargo atual: diretor-geral da Phibro no Brasil

Um feito: participou do desenvolvimento de um besouro que é utilizado no controle da mosca-do-chifre, que ataca o gado bovino

Conselho: conseguir uma formação técnica em agronomia e buscar depois outras habilidades por conta própria, como noções de gestão e o aprendizado de línguas. Em alguns mercados, o executivo que não tem inglês fluente é considerado analfabeto

Por isso, nos currículos dos altos executivos na faixa dos 30 e 40 anos, é bastante comum encontrar cursos de MBA no Exterior. Uma exceção é a trajetória de Miguel da Rocha Cavalcanti, 33 anos, representante da quinta geração de criadores de gado nelore no Vale do Araguaia, em Mato Grosso. Para seguir o seu plano de ter um negócio próprio, ele preferiu ser autodidata. Logo depois de terminar o curso de agronomia na Esalq/USP, começou a trabalhar na Agripoint, empresa especializada em portais de conteúdo, cursos online, seminários e consultoria em café e em bovinocultura de leite e de corte. Em 2003, ele já era sócio da empresa e até o final deste ano deverá estar em carreira solo com uma das marcas, a Beefpoint, especializada em bovinos de corte. Durante esse período, Cavalcanti trocou os cursos longos por um método que exige disciplina: ler 20 livros por ano, realizar duas viagens ao Exterior e conhecer 20 pessoas de importância no setor. “O importante é estudar, não a forma como isso é feito.” É o que desejam as empresas do setor: gente qualificada. Para isso, vale quase tudo – de cursos a experiências nacionais, internacionais e desenvolvidas dentro de casa.

“Criamos um fórum de debates para a reformulação do conteúdo dos cursos da USP”

José Vicente Caixeta Filho

Diretor da Esalq/USP