O padre franciscano David Raimundo dos Santos, o Frei David, fundador e diretor-geral da ONG Educafro, afirma ter sido vítima de abordagem racista da Polícia Militar no domingo, dia 18, na região central de São Paulo. A Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo foi acionada e pediu providências à Corregedoria da PM para investigar a atuação de quatro policiais.

O padre de 70 anos diz que começou a ser intimidado pelos policiais depois de filmar uma abordagem a um homem (branco) que parecia estar em situação de rua nas proximidades da Avenida Rio Branco. Os PMs notaram a atitude do religioso e passaram a abordá-lo. O frei vestia calça jeans e camisa de manga longa, mas não o tradicional hábito franciscano, ordem da qual faz parte.

O policial ordenou que Frei David colocasse as mãos para trás e mostrasse seus documentos. Depois de liberarem o outro homem, os PMs continuaram a abordagem ao padre. Segundo ele, os policiais perguntaram à qual igreja ele pertencia e pediram o número do IMEI do celular, código de identificação de cada aparelho.

O religioso alega racismo dos policiais. “Brancos e ricos podem filmar (ação policial), mas pobres e negros, não. Foi uma abordagem racista. Só tem medo da filmagem o policial que está fazendo uma abordagem que não seja honesta. Não permitir a gravação é o nó da questão”, diz o líder religioso, que luta contra o racismo pelo menos há quatro décadas no País.

O padre afirma que os policiais o encararam, tentando provocá-lo para que ele fosse indiciado por desacato, em sua visão. O religioso afirma que se sentia intimidado e acuado. “A violência psicológica é tão prejudicial quanto a violência física. Eu perguntei por que faziam aquilo comigo e me mandaram calar a boca”, diz o fundador da Educafro, ONG que ajuda jovens pobres, em especial negros, a entrarem em universidades no País.

A entidade já garantiu o acesso ao ensino superior a cerca de 100 mil pessoas e esteve à frente de importantes conquistas da população preta e parda, como a Lei de Cotas e o Prouni.

O religioso acredita que a atitude dos policiais seria diferente se ele estivesse com o hábito franciscano. “Se eu estivesse como sacerdote, eles não fariam isso. Isso mostra a postura seletiva dos policiais. Eu experimentei na pele o que o meu povo negro experimenta no dia a dia. O povo negro não tem roupa de padre para se proteger contra a leitura visual equivocada da polícia.” No final da abordagem, o religioso avisou que telefonaria para a Ouvidoria. Os policiais teriam respondido: “A gente que está errado né, os bandidos estão certos?”

O advogado Márlon Reis explica que a Constituição Federal assegura o princípio da publicidade, como o direito de filmar ações policiais, no artigo 37. “Houve violação de dois direitos fundamentais neste caso: o direito do cidadão de registrar em vídeo a atividade dos policiais e o direito ao respeito ao seu corpo e à sua privacidade, pois ele foi revistado e investigado sem ter sido suspeito de crime algum”, diz o defensor da Educafro.

O que dizem a Polícia Militar e a Ouvidoria

Elizeu Soares Lopes, ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, afirma que um ofício foi encaminhado à Corregedoria da Polícia Militar para apurar a conduta de quatro policiais na abordagem do Frei David. O procedimento investigatório vai analisar “ação indevida e de cunho racial”. As imagens registradas pelas body cams, câmeras acopladas ao uniforme dos policiais, além de outras provas, também foram solicitadas.

O ouvidor diz que é prematuro afirmar que houve conduta racista. “A atividade policial deve seguir os protocolos operacionais e legislação vigente, visando a máxima proteção dos direitos das pessoas. A denúncia trazida é séria e deve ser apurada com rigor, verificando-se a eventual responsabilização dos envolvidos.”

Pelo relato do Frei David, o ouvidor considera que a abordagem foi exagerada. “Pelo relato, me parece que as hostilizações ocorreram em demasia. Não dá para analisar o que evidenciou a conduta dos policiais”, disse. Lopes reafirma que a população pode e deve filmar as atividades policiais. “Os atos da administração são públicos. O agente policial é a materialização da administração pública.”

Em nota ao Estadão, a Polícia Militar informou que “a denúncia, uma vez formalizada, terá todas as circunstâncias apuradas por meio da Corregedoria da Instituição”.