Na fazenda Luar da Mata, em Querência, município que fica a 740 quilômetros ao norte de Cuiabá, o agricultor Gilmar Dell Osbel planta 900 hectares de soja na primeira safra do ano, e na sequência 20% dessa área é ocupada pelo milho safrinha. Para a colheita da soja que começa neste mês, Osbel vai precisar de seus dois caminhões e outros três veículos fretados para escoar a produção. A dificuldade em encontrar uma empresa de transporte que cobre um preço mais em conta para transportar sua safra até o porto de Paranaguá, no Paraná, vem tirando o sono do agricultor. “Aqui em Mato Grosso, a situação do frete na época da colheita é sempre ruim para o produtor”, diz. “Vou colher cerca de 60 sacas por hectare, o que é muito bom, mas não quero deixar meu lucro para as transportadoras.”

O frete para escoar a safra até os portos, ou às indústrias de transformação da soja e do milho, é um antigo problema que volta a atormentar os produtores do País com data marcada. Algumas regiões do Centro-Oeste chegam a registrar fretes até 20% mais caros no período da colheita. O preço mais alto na safra é alimentado por um único fator: o produtor não tem alternativa ao transporte rodoviário na maior parte das regiões de alta produção agrícola. “Chega a faltar caminhões, mesmo pagando mais”, diz Osbel.

Até junho, os agricultores precisam escoar a safra da soja e a primeira safra do milho, culturas que apesar de terem sofrido com a estiagem na região Sul estão com a colheita a pleno vapor no restante do País. Segundo levantamento divulgado no mês passado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de milho na safra 2011/2012 deve ser de 35 milhões de toneladas e a de soja, de 68 milhões. Desse total, metade deve sair do campo entre os meses de abril e junho. Segundo Glauber Silveira, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja- Brasil), para essas duas culturas em Mato Grosso, o valor do frete neste ano tem sido superior ao da safra passada, acima dos índices de inflação – o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM), medido pela Fundação Getulio Vargas, é de 3,94% nos últimos 12 meses. Para Silveira, o aumento do frete com destino ao Porto de Santos (SP), de março de 2011 até o mês passado, já bateu sem dó no bolso do produtor, sem que haja um motivo que explique o exagero. “Cada transportadora cobra pelo frete aquilo que quer.”

Sem saída: mesmo com o agricultor pagando mais pelo frete, no pico da safra faltam caminhões para escoar a produção 

 

Silveira dá como exemplo o frete dos 1.579 quilômetros entre Santos e Campo Verde, a 138 quilômetros de Cuiabá, município que tem um PIB agrícola de R$ 541,4 milhões, o sexto maior do País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “Entre Santos e Campo Verde, o aumento do frete da safra passada para esta foi de 8%, ficando em R$ 167,50 por tonelada”, diz. Mas, partindo do município de Sorriso, a 1.972 quilômetros de Santos, o aumento do frete foi de 3%, registrando R$ 200 a tonelada. “Quando convertemos esses valores em sacas de soja produzidas em Campo Verde, o preço do frete representa R$ 10,05 em cada uma delas”, diz Silveira. Em Sorriso, apesar de o frete ter subido menos em relação à safra passada, a mordida é maior. Para os produtores do município, o frete equivale a R$ 12 por saca. Em março, o preço da soja paga ao produtor, colocada no Porto de Santos, era de R$ 54 a saca de 60 quilos. “Ainda vamos ter mais aperto pela frente, no pico da safra”, diz Silveira. A maior demanda por transporte em Mato Grosso é em maio e junho, quando terminam as colheitas da soja e do milho safrinha.

Em Piracicaba, interior de São Paulo, o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq- Log), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, realizou um trabalho mostrando a diferença de preço do frete entre a entressafra passada e a atual safra, para escoamento através do porto de Paranaguá. A Esalq-Log encontrou porcentuais acima daqueles apontados pela Aprosoja para o Mato Grosso, entre o porto e Lucas do Rio Verde, distante 2.180 quilômetros. Na entressafra, o frete fica próximo de R$ 174 a tonelada, enquanto que, no pico da safra, o preço sobe para R$ 206 a tonelada, alta de 18%. Em Goiás a situação não é diferente. De Anápolis a Paranaguá, os valores durante a colheita chegam a R$ 110 a tonelada, enquanto fora desse período o frete não custa mais de R$ 94. Para Leonardo Machado, assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), o frete deve subir ainda mais, a partir do momento em que o milho safrinha começar a ser colhido e ainda restar nos silos soja para ser transportada aos portos. “Em algumas regiões de Goiás, o frete chega a valer até 20% do valor de uma saca de soja”, diz Machado.

 

Uma das saídas para os agricultores seria a construção de silos para a armazenagem dos grãos nas fazendas. Assim, o agricultor teria mais poder de negociação após a colheita da safra. “O produtor ganha fôlego para negociar sua safra e não fica escravo dos fretes mais caros”, diz Machado. “Ter silos pode fazer a diferença entre o lucro e o prejuízo em uma safra.” Outra medida sugerida por Machado é a contratação antecipada das companhias de transporte. “Negociando com antecedência, o produtor trava o valor para o período de escoamento dos grãos”, diz. Para ele, a medida beneficia os dois lados, o do produtor, que sabe de antemão o que vai pagar, e as transportadoras. “As empresas conseguiriam se planejar melhor para atender à demanda.”

No Paraná, os produtores estão propondo uma discussão mais ampla, que vai além do transporte rodoviário. Eles estão levantando a bandeira da multimodalidade, interligando as rodovias a outras opções de transporte, como a ferrovia e a hidrovia. Em relação à ferrovia, os produtores querem que o Estado amplie as opções da malha para o escoamento da safra. Nilson Hanke, assessor técnico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, diz que as empresas que administram ferrovias selecionam os clientes e muitos ficam sem opção que não seja a rodovia, apesar de produzir ao lado dos trilhos do trem. “O produtor tem que oferecer inúmeras garantias e seguir muitas regras para transportar a safra por ferrovia”, diz Hanke. De acordo com ele, as operadoras ferroviárias exigem contratos de fidelidade, volumes mínimos para transporte e produtos específicos, com maior valor agregado, como por exemplo o farelo e o óleo de soja. Ainda assim, o produtor somente saberá quanto pagará de frete na hora da contratação dos serviços. “As ferrovias não abrem seus valores e, quando o produtor as procura, é que vem a surpresa.”

 

Para Hanke, as ferrovias, que deveriam ser mais baratas que o transporte rodoviário, acabam cobrando no período da colheita o mesmo valor do transporte por caminhões. No levantamento da Esalq-Log, o valor de transporte de Cascavel, no oeste do Paraná, até o porto de Paranaguá, distante 590 quilômetros, não sai por menos de R$ 71 a tonelada no pico da safra, valor 29% maior que o cobrado na entressafra. Para Priscila Biancarelli, coordenadora da equipe técnica da Esalq-Log, é o escoamento do açúcar que está fazendo o preço do frete disparar desde já. “O embarque do açúcar está atrasado e vai coincidir com o embarque dos grãos em maio e junho”, diz Priscila.