“Começamos colhendo 8 toneladas e hoje estamos com uma média de 200” Patrícia Nogueira CEO da Red Lychee (Crédito:Elcio Junior)

Lichia, pitaya, physalis, mangostim, rambutão, tamarillo. Fosse essa lista escrita há alguns anos, poucos brasileiros saberiam do que se trata. Hoje, pela maior popularização das três primeiras, uma parte dos consumidores – infelizmente, restrita aquela com uma renda mais alta – saberia que são frutas. Ainda assim, as chances de terem experimentado ou se prestarem a experimentar todas elas seriam muito baixa. Estes são justamente os principais motivos que barram o interesse do agricultor brasileiro em diversificar sua produção frutífera: com pouco apetite para testar as desconhecidas, o brasileiro não compra; sem demanda, o preço elevado inibe ainda mais o consumo e a produção em larga escala fica inviável. “O tempo para uma fruta cair no gosto das pessoas é longo. Para alcançar o consumo de hoje, a goiaba levou 50 anos. O Kiwi, 30”, afirmou José Augusto Maiorano, técnico da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), órgão de extensão rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo. Não importa se são frutas brasileiras, como cacau, cupuaçu e mangaba ou exóticas, trazidas de outros países, como as citadas acima ou mesmo maçã e banana, enquanto o consumidor não é educado, o mercado é de nicho. Mas, pode ser promissor.

De acordo com dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponibilizado em 2017, frutas antes importadas como lichia, atemóia, amora e pitaya já começam a ter uma produção considerável no Brasil, alcançando 5.103, 4.840, 2.796 e 1.459 toneladas, respectivamente. Números incomparáveis com culturas estabelecidas na rotina dos brasileiros há anos, como a laranja. Originária da Índia, é hoje a fruta mais produzida no Brasil com volume de 15 milhões de toneladas segundo o Censo de 2017.

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Além dos aspectos de mercado, o baixo volume das exóticas está relacionado à falta de apoio aos produtores. “Não há estímulo financeiro e faltam pesquisadores que conheçam a fundo as culturas para dar orientações técnicas a quem está interessado”, disse José Antonio Alberto da Silva, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. O pesquisador ainda explica que não basta apenas produzir, colher e embalar corretamente, é preciso saber como a mercadoria deve chegar ao mercado e assim conseguir vendê-la. Outro gargalo é a falta de conexão com o consumidor final. “É preciso orientá-lo, fazê-lo provar as frutas, expor os seus benefícios e ensinar como podem ser consumidas. Toda a cadeia precisa ser educada para que a escala seja possível”, afirmou Silva.

Apesar de ainda estar em estágio embrionário, o cultivo pode apresentar uma boa rentabilidade para o produtor, que costuma ser de pequeno porte. “Normalmente ele planta em uma pequena área experimental, analisa e aprende como é o manejo. Logo em seguida, avalia o mercado e vê se tem demanda. Se sim, começa a investir”, disse Maiorano.

O engenheiro agrônomo Sergio Iwao Sakomura se dedica há 15 anos à plantação de atemóia – natural da região tropical de Peru, Equador e Colômbia – em um espaço de 7 hectares com 2 mil pés na sua propriedade em Taiúva, interior de São Paulo. “Ela vem sendo mais conhecida há uns cinco anos. As pessoas degustam e voltam a comprar novamente, então eu acredito que vai ter um crescimento do consumo”, disse Sakomura. Ele conta que cada pé produz cerca de 40 kg com preço médio de R$ 3 cada. A mercadoria é comercializada sobretudo na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceasa), além de alguns mercadinhos da região. Seu primo e também engenheiro-agrônomo, Sílvio Sakomura, decidiu apostar em um fruto curioso por uma só peculiaridade: a goiaba tailandesa, que diferentemente da tradicional, pode chegar a ter 1 kg. Apesar de o gênero ser nativo do Brasil, essa variedade específica foi desenvolvida na Ásia. A fazenda, que está localizada em Bebedouro (SP), possui dois hectares dedicados à plantação, que produz cerca de 150 quilos por planta. “Eu acredito que vale o investimento, é um bom negócio”, disse Sakomura, que vende o quilo por cerca de R$ 2,50.

RESILIÊNCIA Seduzidos pelos encantos de algumas variedades, tem até quem se arrisque a fugir de carreiras consolidadas para se dedicar às culturas pouco tradicionais, mesmo com algumas adversidades. É o caso de Luiz Eduardo Volpato, que possui uma propriedade de cerca de 6 hectares dedicados à pitaya, em Marialva (PR). Desde 2017, o advogado cultiva 4 hectares com 7 mil pés da fruta que é nativa da região da América Central. O caminho escolhido, no entanto, requer paciência. A planta demora cerca de quatro anos para chegar à fase adulta e só então atinge o auge de produção que, no caso de Volpato, pode somar 50 toneladas. “Espero colher aproximadamente 35 toneladas no ano que vem. Neste ano, foram 22”, disse o produtor. Sua experiência confirma que a fruta é uma boa fonte de renda, porém, o trabalho é pesado. Além de cuidados no transporte, a venda não é fácil. Nessa hora, conhecer o mercado fez a diferença: como ele investiu na plantação de uva anteriormente, teve contato com compradores, o que facilitou a comercialização. Hoje, vende o quilo por aproximadamente R$ 6, valor que tende a baixar com a maior oferta do produto.

Algumas frutas vermelhas também estão ganhando espaço em propriedades familiares. Com gestão de 30 hectares de terras em uma propriedade de 150 hectares localizados em São Bento do Sapucaí (SP), o engenheiro agrônomo Rodrigo Veraldi Ismael dedica 2,5 hectares ao cultivo de framboesa, mirtilo e amora, tipos nativos da Europa e de parte da Ásia; América do Norte e China; e Japão, respectivamente. Uma das atividades principais da propriedade, no entanto, é o viveiro de mudas, uma iniciativa que pode ajudar no crescimento do mercado no Brasil. “Conheço grupos de produtores que estão ficando relativamente grandes”, disse. A produção do sítio, no entanto, ainda é pequena com boa parte destinada a atender a demanda dos visitantes do local que é destino do agroturismo na região. “Produzimos cerca de 8 toneladas de framboesa, 4 de amora, além de 2,5 de mirtilo”, afirmou o agricultor, que cobra algo entre R$ 25 a R$ 90 o quilo em venda direta, dependendo da fruta. O sítio atende também a demanda de estabelecimentos e restaurantes próximos à propriedade.

Embora a produção seja mais comum em pequenas propriedades, algumas frutíferas exóticas caíram no gosto de grupos empresariais. A Fazenda Olhos D’água, em Mateus Leme (MG), possui 300 hectares, sendo 27 para a plantação de lichia, natural da China. Com mais de 4 mil pés da fruta, Patrícia Rabelo Eustachio Nogueira, bióloga, fundadora e CEO da Red Lychee, conta que o investimento começou em 2008, quando um pé foi encontrado nas terras que pertencem a ela e seu marido. “Logo atingiremos a fase adulta dos pés. Começamos colhendo 8 toneladas e hoje estamos com uma média de 200 toneladas”, disse Patrícia, que tem expectativa de colher 400 toneladas no curto prazo. Hoje, 90% da sua produção abastece o mercado nacional, em especial a Ceagesp, que distribui a fruta embalada para todo o País. Os outros 10% são destinados para a exportação, que ainda está em sua fase inicial. “Em 2019 exportamos para a França. Também enviamos amostras para Canadá, Dubai e Espanha, e assim vamos avaliando o mercado”.

A despeito da curiosidade dos consumidores diante dessas frutas, a escolha por produzi-las em território nacional é desafiadora. Além do custo da plantação, o agricultor acaba arcando também com aqueles inerentes às aberturas de novos mercados. No campo e no escritório, no entanto, todo problema é uma oportunidade e quem sai na frente desfruta os benefícios da liderança.

Frutas made in Brazil

Enquanto a pecuária brasileira enfrentou reveses na exportação de proteína animal para a China devido à Covid-19, o setor fruticultor celebrou: o Brasil foi o primeiro a exportar melão para o país asiático, tornando-se o pioneiro na venda da fruta fresca para o maior consumidor do alimento no mundo. Nesse primeiro lote foram
3,5 toneladas, quantidade que deve favorecer ainda mais a balança comercial do setor que fechou o primeiro semestre com embarque de 400 mil toneladas. Em moeda, foram aproximadamente US$ 312 milhões, segundo dados o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Apesar da queda em comparação ao mesmo período de 2019, que foi de 421 mil toneladas, o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Eduardo Brandão, acredita que se dependesse do campo a exportação tenderia a melhorar. O problema está na outra ponta. “O produtor tem medo da burocracia e do processo em si, então prefere vender internamente”, disse Brandão. O Brasil ocupa a 24º posição nas exportações de frutas e, para que consiga alcançar novos patamares, a associação busca desmistificar o assunto entre os fruticultores. “Queremos trazer todos os tamanhos de produtores para a exportação.

Já temos um projeto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex) para fazer a promoção das frutas no mercado externo”, afirmou.