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O Brasil produz 192 mil toneladas de borracha natural por ano, o que corresponde a cerca de 1,4% do volume mundial. Quando se olha para esses números de forma pura e simples, a contribuição do País para o setor no contexto global é tão irrisória que mudar este status parece impossível. Mas uma análise mais ampla sobre o potencial de crescimento da heveicultura nacional pode revelar uma situação bem diferente, e promissora. Com avanços tecnológicos, investimentos, capacitação, gestão de pessoas e uma ação integrada de toda a cadeia, o
mundo pode começar a ver por aqui uma saída para a dependência da produção altamente concentrada na Ásia, sobretudo na Tailândia, Indonésia e Vietnã.

“O Brasil tem tudo para ser um dos maiores players mundiais da produção de borracha” Fernando guerra diretor-executivo abrabor (Crédito:Divulgação)

Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor), a capacidade produtiva do aís pode aumentar em 40% nos próximos cinco anos. E de forma sustentável, avançando principalmente sobre áreas de pastagens degradadas, com a possibilidade de integração com outras atividades. O crescimento planejado e bem estruturado, pode trazer ganhos econômicos, ambientais e sociais. São esses fatores, combinados à diversificação do abastecimento global, que começam a despertar o interesse de mais empresas em apostar no setor. É o caso da indústria automotiva que indiretamente consome cerca de 80% da borracha produzida no Brasil, na forma de pneus.

De acordo com o diretor-executivo da Abrabor, Fernando Guerra, a pandemia da Covid-19 acelerou a aproximação da cadeia como um todo, algo que já vinha acontecendo desde 2016. Durante esses dois anos o setor, assim como vários outros segmentos, sofreu com as dificuldades de abastecimento causadas pelos problemas de logística, como o tempo maior para transporte marítimo e a falta de contêineres. Esse cenário chamou ainda mais atenção para a necessidade de uma ampliação das fontes de fornecimento de borracha. E daí surgiu o grupo de trabalho Borracha Natural Sustentável, composto por Abrabor, Embrapa, Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) e Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Já escrevemos um plano estratégico e estamos focados em implementá-lo”, disse Guerra. “O Brasil tem tudo para ser um dos maiores players mundiais de produção de borracha, mas precisamos de representatividade para conquistar parcerias.”

“Ainda sangramos as seringueiras basicamente com uma faca, muito parecido com o que se fazia há 100 anos” diego esperante diretor-executivo apabor (Crédito:Divulgação)

COMPETITIVIDADE A expansão da heveicultura nacional precisa ser vista com esse olhar de cadeia, de projeto coletivo, porque o ponto de partida do cultivo das seringueiras demanda alto investimento e paciência. Trata-se de uma atividade de ciclo longo, que demora sete anos para começar a produzir, mais três para atingir sua capacidade adulta e exige aplicação de R$ 25 mil por hectare. Conforme o diretor-executivo da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor) e consultor da Abrabor, Diogo Esperante afirmou, o tempo para o payback pode ser de até 15 anos. “Um hectare de soja custa R$ 6 mil. Você planta e no ano seguinte, ou em dois anos, já tem o retorno”, afirmou.

A atividade tem apresentado grandes saltos de produtividade por conta da profissionalização. O desempenho médio anual no Brasil gira em torno de 1.450 kg de borracha seca por hectare, mas a distância entre os extremos é grande, vai de 400 a 2,5 mil kg, variação de 525%. Um dos desafios do setor é aumentar a concentração dos produtores na ponta mais alta de produtividade a partir de mais eficiência. Isso já vem acontecendo nas regiões onde a heveicultura é mais recente, a exemplo dos estados de Goiás e Tocantins, nos quais a atividade foi implementada por empresários agrícolas a partir de um plano de negócio em grande escala. Os goianos, inclusive, já assumiram a vice-liderança da heveicultura local. “Em Goianésia, cidade que lidera a produção no País, a OL Látex, do Grupo Otávio Lage, incorporou a experiência do setor sucroenergético à heveicultura”, disse Esperante.

São Paulo segue na ponta do ranking nacional, com 74% de toda a produção de borracha natural, tendo a cidade de São José do Rio Preto como o principal polo. A atividade vem sendo desenvolvida no estado desde os anos 1960, mas no início não deu muito certo porque foi implementada na região litorânea, onde a umidade favoreceu o surgimento do mal-das-folhas, doença causada pelo fungo Microcyclus ulei. Quando foi levada para o interior do estado, principalmente nas áreas mais ao Norte e Noroeste, não sofreu com o ataque do fungo. Com o inverno, as folhas da seringueira acabam caindo e criam um vazio sanitário natural, protegendo a planta.

A borracha nacional só não é mais competitiva porque os concorrentes asiáticos dispõem de mão de obra farta e de custo baixo. Quando os preços estão em alta, a competição fica mais parelha, segundo Fernando Guerra, da Abrabor. “Nesse caso a gente compete de igual para igual, mas na baixa dos preços não conseguimos concorrer com o cenário de subsistência que eles têm”, afirmou. Daí a necessidade de um movimento coletivo. “Antes, era uma preocupação do produtor, mas hoje é um desafio da cadeia produtiva e do governo, como um plano de Estado. Até porque, para se completar, o ciclo de produção passa por ao menos dois governos.”

DIFERENCIAL No campo, o que vai garantir a competitividade da heveicultura nacional é o emprego de mais inovação e a gestão de pessoas. De acordo com o diretor da Apabor, alguns pontos da atividade precisam ser modernizados. “Ainda sangramos as seringueiras basicamente com uma faca, muito parecido com o que se fazia há 100 anos. E por que não temos facas com uma lâmina que não perca a afiação?”, disse Diogo Esperante.

Na opinião do dirigente, paralelamente às inovações tecnológicas, o que vai fazer grande diferença no desempenho da heveicultura brasileira é a gestão de pessoas, inclusive por não se tratar de uma atividade automatizada. Segundo Esperante, ainda se vê uma rotatividade grande de pessoas nos campos de seringueiras, o que ainda pode se agravar nos próximos anos. “Será essencial o desenvolvimento de alternativas que possam suplantar esse problema, com melhores equipamentos que reduzam a necessidade de o seringueiro ser tão tecnificado e aprimorem a produtividade”, afirmou.

Em relação ao melhoramento genético das plantas, já existe uma trajetória significativa desenvolvida pelo Instituto Agronômico (IAC), órgão de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios e vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo. A instituição vem desenvolvendo estudo de longo prazo para abastecer o mercado com clones de seringueira mais saudáveis e produtivos. Com o planejamento adequado, podem ser espalhados por mais lugares e ampliar o potencial do negócio.