25/02/2022 - 9:00
Após quase cinco décadas convivendo com a escuridão, a casa do indígena Abilio Lopes, da comunidade São Tomé, que fica à margem do Rio Negro, a 50 km de Manaus (AM), foi iluminada por uma garrafa PET. Lopes é um dos 23 mil brasileiros já atendidos pelo projeto Litro de Luz, que usa materiais simples e energia solar para levar iluminação às comunidades mais isoladas do Brasil.
“Meu dia terminava às 19h, quando a escuridão descia. À noite, a única luz era a lamparina de querosene, que deixava a casa e nosso nariz impregnados de fumaça. Agora, posso tecer as malheiras (rede de pesca) à noite e pescar durante o dia todo”, disse.
No Brasil, cerca de 2 milhões de pessoas não têm acesso à energia elétrica e 6 milhões não contam com iluminação pública. A falta de iluminação ou a luz precária nas casas, fornecida por lampiões de querosene ou velas, dificulta o estudo, o trabalho, além de atividades básicas, como o simples andar. Sem contar o risco de incêndio, no caso das velas, e os problemas de saúde causados pela fumaça do candeeiro.
O Litro de Luz é parte do movimento global Liter of Light, surgido nas Filipinas em 2011, mas inspirado em técnica criada em 2002, pelo mecânico brasileiro Alfredo Moser. Ele instalou no telhado uma garrafa PET abastecida com água e alvejante. Por meio da refração da luz solar, a garrafa gerava iluminação equivalente a uma lâmpada de 60 watts. O objetivo era ajudar as pessoas a economizarem energia. Das Filipinas, o projeto passou a mobilizar voluntários em outros países – já são 25, entre eles o Brasil.
BAIXO CUSTO
O braço brasileiro da organização desenvolveu um sistema de iluminação de custo baixo, usando garrafa PET, canos de PVC e placas para iluminar os ambientes com energia solar. Os postes de PVC sustentam as lâmpadas e as placas solares – não há ligação com rede elétrica.
A luz solar captada pela pequena placa faz funcionar uma lâmpada de LED instalada dentro da garrafa. Em ambiente externo, como as ruas, o sistema funciona à noite e desliga automaticamente de manhã. Dentro de casa, as lâmpadas têm autonomia de cinco horas.
Os moradores de comunidades isoladas e carentes aprendem facilmente a fazer a manutenção e a replicação do sistema de tecnologia social. O maior dos projetos beneficiou núcleos ribeirinhos do Médio Juruá, onde foram construídas 600 lâmpadas de PET em parceria com a Associação dos Produtores Rurais de Caruari. A 790 km de Manaus, o Médio Juruá tem 565 famílias. Os voluntários do projeto precisaram tomar um voo de duas horas, partindo da capital amazonense, e mais 30 horas de barco para ir até lá.
NOVA ROTINA
A chegada da luz afetou a vida nas comunidades, como conta o indígena Abílio, da São Tomé. “Não tínhamos luz nas ruas e dentro de casa. A maior dificuldade era a escuridão, era terrível viver no escuro. Muita gente não saía de casa à noite, com medo de cobra e onça, pois não dava para ver nada.”
A instalação do sistema envolveu os moradores – indígenas e ribeirinhos. “A gente achava que eles iam chegar, enfiar os postes e ir embora, calados. Não, eles ficaram e nos ensinaram como fazer.”
Desde 2014, quando passou a atuar no País, o Litro instalou 3 mil sistemas de iluminação e atendeu mais de 120 comunidades no País. Fora da Amazônia, iluminou aldeias indígenas em Maricá (RJ), Florianópolis (SC) e Alhandra (PB). Ainda beneficiou comunidades da Rocinha, no Rio. Na capital paulista, lâmpadas de PET iluminam as ruas em Campo Limpo (zona sul). Na Grande SP, foram contempladas áreas em Ferraz de Vasconcelos e São Bernardo do Campo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.