25/12/2019 - 12:34
A antiga residência da família Vicente de Azevedo, tombada pelo município desde 2012 como raro testemunho das primeiras edificações da região, é um dos exemplos. A uma quadra da Avenida Paulista, foi reaberta em setembro como restaurante da rede carioca Gula Gula.
O amplo jardim do casarão tombado, com árvores como pau-brasil e figueira, é um dos principais atrativos. “Estávamos procurando havia um ano, basicamente no entorno da Paulista, mas não poderia ser shopping ou prédio comercial. Uma casa tombada foi um superdesafio”, explica um dos sócios, Eduardo Daniel, de 54 anos. O terreno tem quase 3 mil metros quadrados, e o restaurante, 150 lugares. A transformação do espaço custou R$ 5 milhões. “Passamos oito meses conversando com a Prefeitura para aprovação (do projeto) e manutenção do patrimônio histórico.” Hoje, o casarão é o único imóvel tombado ocupado pela rede. “Dentro, as áreas também estão restauradas, as pessoas vão lá olhar”, conta.
Assim como o Gula Gula, o Zel Café e a Livraria do Comendador ocupam um dos últimos casarões na área da Paulista. O imóvel, na Rua Pamplona, é tombado pelo município desde 2002 e por décadas foi sede da Fundação Instituto de Física Teórica. “Meu pai tinha ideia de ter uma coisa bem menor, em um prédio comercial, que pudesse oferecer café, pão de queijo”, diz a sócia-proprietária Carol Megale. “Quando passou na frente do casarão, chamou a atenção a construção antiga, bonita; ele entrou.”
O projeto de instalar o café no casarão começou em meados de 2016 com a adaptação do imóvel. “A gente não podia mexer nas paredes, na estrutura, não tinha espaço tão adequado para a cozinha, para a saída de mercadorias e do lixo”, comenta Carol. “A gente não consegue colocar mais nada. Precisamos respeitar o limite do casarão.”
Apesar das dificuldades, ela cita vantagens do bem histórico. “Quem está no casarão vê natureza, tem uma tranquilidade que não costuma existir na região da Paulista (a duas quadras de distância). Parece um cenário montado, mas é real.”
Outro caso é o do restaurante Reduto Vegano, que abriu este ano em um predinho na Rua Álvaro de Carvalho, República, tombado desde 1992. “A ideia se moldou ao local. Já trabalhávamos com lanches em eventos e feiras veganas e um futuro projeto era algo de nosso interesse, mas foi a visita (ao prédio) que nos fez tirar o projeto do papel”, diz Diego Lima, de 32 anos, um dos sócios. “O grande desafio foi adaptar toda a ideia para que ficasse com a cara do local. Não dá para simplesmente trazer um conceito e adaptar.” Os clientes, diz ele, relatam um “clima mais acolhedor” no imóvel.
O aspecto histórico foi um dos motivos que levaram o jornalista Fabricio Scarcelli, de 38 anos, a conhecer o Gula Gula paulistano. “São Paulo tem uma carência desses espaços, onde você pode ficar ao ar livre. Aqui não parece que a gente está na região central”, diz ele, que estava no espaço pela segunda vez. “Sempre tive curiosidade de ver essa casa por dentro.”
Já a diretora comercial Andréia Barbosa, 40 anos, nunca tinha reparado no casarão do Zel Café até ir ao médico no prédio vizinho. “É diferente. O lugar bonito atrai, o antigo traz uma beleza diferente”, diz.
Com cerca de 4 mil imóveis tombados, a capital tem grande variedade de bens históricos sem uso e muitos em mau estado de conservação. “Sem uso não tem preservação”, atesta Lucio Gomes Machado, professor de Arquitetura e Urbanismo da USP, que ressalta outros exemplos de bens históricos com novos usos, como o Edifício Matarazzo e a Casa de Francisca. “A vantagem é ficar em um imóvel notável e todo mundo quer notoriedade. Isso traz prestígio a sua atividade.”
Para ele, “há leis que poderiam favorecer a recuperação de imóveis, mas que não funcionam em conjunto. A lei de conservação de fachadas (que pode isentar do IPTU) não pode ser usada com outras aplicações.”
Presidente do Condephaat (conselho estadual de patrimônio), Carlos Augusto Mattei Faggin afirma que há tabu para investir em imóveis tombados. “Há uma tendência de mercado de que a gastronomia é um uso com características turísticas e que atrai população grande, e a classe média tem interesse”, diz. “Tem capacidade de colocar parte da sociedade em contato com o patrimônio, não é predatório.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.