18/05/2020 - 7:35
Os sucessivos cortes na taxa Selic são desafiadores para todos os gestores de fundos de investimento. Afinal, eles fazem malabarismo para entregar o retorno líquido esperado pelo investidor. No caso das gestoras independentes, que não têm grifes de peso a seu favor, é ainda mais importante obter resultados que conquistem e mantenham os clientes satisfeitos.
Por isso, algumas dessas casas vêm reduzindo as taxas de administração de seus produtos. Ao aliviar a mordida sobre os ganhos já enfraquecidos pela Selic mais magra, melhora o retorno para o investidor. “Essa discussão (sobre redução das taxas) começou no fim de 2019. Ali, já se vislumbrava que a Selic chegaria a 3% ao longo deste ano”, diz Carlos Lima, sócio e gestor dos fundos líquidos da Quasar.
“A pandemia precipitou as coisas, ninguém imaginava a Selic a 2,25% no fim de 2020, mas já havia de qualquer forma um cenário de juros baixos por um período prolongado de tempo. Todos começaram a se adequar a esse cenário”, diz Lima.
Em fevereiro, a Quasar reduziu as taxas de administração de seus dois fundos de renda fixa, ambos com alocação em crédito privado de longo prazo. No Quasar Advantage, com liquidez em D+1 (ou seja, é possível sacar o dinheiro um dia após a solicitação), a taxa foi reduzida de 0,50% para 0,40%. Já no Quasar Advantage Plus, com resgates após 30 dias, a taxa caiu de 0,80% para 0,60%.
“Quisemos buscar uma relação risco-retorno que fizesse sentido tanto para o gestor como para o investidor”, explica Lima. “Uma taxa de 0,50% tem impacto maior no retorno líquido do investidor com a Selic a 3% do que com a Selic a 7%.”
A Sparta também oferece fundos de renda fixa com crédito privado. O presidente da gestora, Ulisses Nehmi, diz que a taxa de administração é reavaliada periodicamente. “Olhamos a estrutura de custos dos gestores, o cenário macroeconômico, o retorno bruto dos ativos e quanto o investidor precisa de resultado líquido. O fundo precisa atender o investidor e ser também viável para a gestora”, diz.
Em março, a política de taxas dos fundos Sparta Top e Sparta Max foi reformulada. A parcela dos fundos efetivamente investida em crédito privado continuou tendo tarifa cheia, de 0,70% no Sparta Top e 0,80% no Sparta Max. Já para o montante de caixa, que é alocado em papéis do Tesouro Direto, as taxas de administração caíram para 0,30% (Top) e 0,35% (Max).
“A parcela alocada é onde estou agregando valor, então vou cobrar a taxa integral. Já na parcela de caixa eu cobro pouco, o equivalente a um fundo passivo. No varejo há fundos com tíquetes menores que cobram taxas enormes só para investir em título público”, diz Nehmi.
Volatilidade
O carro-chefe da Garin Investimentos é o fundo multimercado Garin Special, que opera juros, câmbio e ações com participação de derivativos. A taxa de administração sempre seguiu a praxe do mercado: 2%, complementada por taxa de performance de 20% sobre o que superasse o CDI. Em março, a gestora resolveu reduzir a taxa de administração de 2% para 1,5%.
“Achamos que fazia sentido cobrar um pouco menos, já que esse fundo tem risco e volatilidade moderados. Um ganho de 0,5% é relevante para o cotista”, diz o gestor-chefe Ivan Kraiser.
Ele explica que a taxa de administração é importante para manter as atividades da equipe, mas boa parte dos ganhos da gestora vem da taxa de performance, que foi mantida em 20%, dentro do que se cobra em outras casas.
O nível de volatilidade do fundo é, na opinião dele, decisivo para que a taxa de administração seja mantida ou reduzida. Afinal, em tese o risco maior abre espaço para retornos mais generoso e taxas mais caras.
“Os fundos multimercado com mais volatilidade performam muito acima do CDI, com estratégias específicas. Se ele entrega 30% no ano, tanto faz a taxa ser meio ponto maior ou menor”, acredita Kraiser.
À primeira vista, quem coloca na ponta do lápis o impacto das reduções feitas pelas gestoras no retorno líquido dos fundos pode ficar desapontado. Afinal, comparando os montantes líquidos no bolso do investidor sob a taxa nova e a antiga, a diferença não é tão grande assim.
Entretanto, para a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV-EAESP, Claudia Yoshinaga, a importância da redução das taxas de administração não deve ser desprezada.
“Não podemos esquecer que esses tipos de fundos de investimentos têm rentabilidade muito incerta. O gestor de crédito privado pode, sim, fazer boas compras. Mas o retorno que o investidor vai ter não é garantido, os resultados expressos nas simulações podem não ser alcançados”, pondera. “A única coisa garantida é o quanto o gestor vai cobrar de taxa. Por isso, o cliente tem, sim, de batalhar por taxas de administração menores”, afirma Claudia.
Novas reduções
Especialistas ouvidos pela reportagem observaram que boa parte dos movimentos de redução nas taxas de administração já ocorreu, principalmente a partir do segundo semestre de 2019. Agora, salvo ajustes pontuais, não há muito espaço para novos cortes. Por isso, cabe ao investidor avaliar se o retorno efetivamente entregue pelo fundo justifica a taxa de administração cobrada.
No caso dos fundos multimercado convencionais, que operam bolsa, dólar e juros, Sylvio Fleury, diretor de relações com o mercado da Ativa Investimentos, entende que a habitual “política do 2×20” (2% de administração e 20% de performance sobre o que ultrapassar o benchmark) só se justifica em fundos que entreguem ganhos recorrentes.
“Em um multimercado que não sai do trivial, não vale a pena pagar essa taxa. A 2%, o gestor tem de saber correr risco. Se ele comprar só LFT (título público conhecido como Tesouro Selic), o fundo vai render 33% do CDI, 1% ao ano. Ele tem de fazer por onde, justificar o que está sendo cobrado do cliente.”
Para o analista de fundos da Guide Investimentos, David Sousa Rocha, ainda que a redução das taxas de administração seja necessária para ajudar os fundos a entregar o objetivo de retorno proposto, os gestores já chegaram ao limite. “Uma hora a Selic voltará a subir. Quando isso acontecer, vai ser duro para o gestor aumentar a taxa de administração, um gesto mercadologicamente difícil. Então, ele pensa a longo prazo. Não pode reduzir a taxa a quase zero, senão depois fica muito complicado voltar a aumentar”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.