As ministras da Cultura, Margareth Menezes, e da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a primeira-dama Janja Lula da Silva visitaram o sítio arqueológico do Cais do Valongo, na região portuária do Rio, para marcar a retomada do funcionamento do Comitê Gestor do local, que se dedicará agora à construção de um museu sobre o tema no local. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, também acompanhou a visita.

Segundo as autoridades, uma primeira versão do projeto de construção do museu ficará pronta no próximo dia 21. Em 25 de maio, serão anunciados valores, como o investimento necessário, e lançados os editais necessários. O BNDES deverá executar e financiar o projeto, como anunciou Mercadante em seu discurso de posse, no início de fevereiro.

A ministra Margareth Menezes se disse emocionada com a viabilização da construção do museu. “Estamos aqui para reafirmar o compromisso do presidente Lula com o povo preto, com a memória e reparação”, afirmou a ministra Anielle Franco.

A prefeitura do Rio já tem o Museu da História e da Cultura Afro-brasileira (MUHCAB), criado no contexto do Porto Maravilha, projeto de revitalização da zona portuária, implementado com vistas aos Jogos Olímpicos de 2016. O MUHCAB tem o Cais do Valongo como seu “marco zero”, mas funciona como um “museu de território”, que procura articular a visitação de locais da região conhecida como Pequena África, por reunir diversos marcos históricos da cultura africana na cidade.

Acervo

Agora, a ideia é construir as instalações para um futuro museu, cujo nome ainda será definido, num galpão em frente ao sítio arqueológico. Conforme o site do MUHCAB, a coleção arqueológica sob a guarda da instituição possui 466 mil peças, a maioria materiais “associados à diáspora africana”.

Segundo a Cdurp, estatal municipal que opera a região do Porto Maravilha, as peças “dão acesso aos costumes, vida cotidiana, simbolismo religioso e à resistência dos africanos escravizados”, como “partes de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava de extrema delicadeza, jogos de búzios e outras peças usadas em rituais religiosos”.

Tudo isso veio à tona nas obras de revitalização da zona portuária, que incluíram a construção de dois túneis subterrâneos pela região. O Cais do Valongo, particularmente, foi encontrado em 2011, 100 anos após ter sido aterrado, no início do século XX, no contexto das obras de modernização urbana da então capital federal. Em 2017, o sítio arqueológico foi declarado Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Isso porque o Cais do Valongo é considerado o principal ponto de desembarque de africanos escravizados das Américas. Entre 500 mil e 1 milhão de pessoas chegaram ao Brasil por ali, conforme estimativas citadas pelo MUHCAB e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – compilação da historiadora americana Mary C. Karasch, feita no fim dos anos 1970, estima o número em quase 1 milhão de pessoas; no acumulado ao longo dos séculos, as estimativas de historiadores apontam que em torno de 4 milhões de pessoas foram sequestradas em diversas regiões da África e trazidas escravizadas para o Brasil.

Cais de pedra

O cais de pedra, revelado nas obras de revitalização, foi construído em 1811, mas a região do Valongo começou a receber o comércio de escravizados ainda no fim do século XVIII, quando a legislação do Vice-Reino proibiu a comercialização em quaisquer outras partes da cidade. O objetivo era retirar essas atividades do coração do Rio, no cais em frente à sede administrativa da atual Praça XV, que seria alçada a Paço Imperial com a chegada da corte de D. João VI, em 1808.

As atividades associadas ao comércio de africanos escravizados seriam interrompidas em 1831, quando o tráfico de pessoas foi proibido legalmente. O tráfico ilegal continuaria por décadas a fio, ao longo do século XIX, mas outros pontos de desembarque seriam utilizados, clandestinamente, em diversas praias da costa brasileira. Em 1843, o Cais do Valongo seria reformado, para receber a imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, segunda esposa de D. Pedro II – passaria, por isso, a ser conhecido como Cais da Imperatriz. Com o aterro, em 1911, as águas da Baía de Guanabara foram afastadas em cerca de 340 metros, segundo o MUHCAB.