O governo Bolsonaro decidiu utilizar a interrupção do fornecimento de fertilizantes da Rússia como argumento para aprovar, o quanto antes, um projeto de lei (PL) que prevê a exploração mineral em terras indígenas. O projeto de lei 191/2020, que autoriza atividades de mineração, agronegócio e de qualquer tipo de obra de infraestrutura dentro das áreas demarcadas, ainda não passou por nenhuma comissão da Câmara para ser alvo de discussões e ajustes, mas a expectativa do governo é que sua votação vá a Plenário nas próximas semanas.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), começou a colher assinaturas de parlamentares para aprovar um requerimento de votação em regime de urgência desse projeto. Caso esse requerimento seja aprovado pelo Plenário, o PL 191 já poderia ser submetido imediatamente à votação, atropelando o processo de discussão legislativa. Ao Estadão, Barros disse que apoia “uma solução imediata” para liberar a exploração dentro das áreas demarcadas. “Nossas mais importantes reservas minerais estão em terras indígenas. O Brasil e os indígenas querem prosperar”, afirmou.

Por trás dessa movimentação está a justificativa do presidente Jair Bolsonaro de que uma grande mina de potássio, localizada na região de Autazes, no Estado do Amazonas, já poderia estar em exploração, reduzindo a dependência do Brasil sobre a importação do insumo agrícola de Belarus e da Rússia. O empreendimento não teria avançado, porém, porque, segundo Bolsonaro, haveria terras indígenas na área a ser explorada. Hoje, é proibido fazer mineração ou erguer projetos dentro de terras indígenas.

Trata-se, na realidade, de um argumento sem fundamento, e por duas razões objetivas. A primeira é que existem, atualmente, 544 processos ativos de exploração de potássio em todo o País, em andamento dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM). Centenas de pedidos não tem impacto direto em terras indígenas e teriam condições de serem viabilizados por meio da legislação ambiental já em vigor.

Outra razão é que o projeto de exploração de potássio em Autazes, que foi citado por Bolsonaro, tem impacto indireto sobre as terras indígenas locais, conforme informações da companhia Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. Isso significa que a companhia é obrigada a consultar os povos indígenas que vivem na região para licenciar a sua obra, estabelecendo medidas de mitigação dos impactos que causará em toda a área. Na prática, portanto, não é necessário abrir a terra indígena para exploração mineral, mas sim chegar a um acordo sobre os impactos indiretos que a mineração terá.

As tramitações do projeto de lei e de seu requerimento de urgência dependem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Líderes partidários já ouviram de Lira que o texto pode, efetivamente, ser colocado em votação ainda neste semestre. A única prioridade que o antecederia, segundo fontes ouvidas pela reportagem, seria o PL das Fake News.

Ao Estadão, a empresa Potássio do Brasil declarou que o chamado “Projeto Potássio do Brasil”, que foi mencionado por Bolsonaro, obteve licença prévia ambiental, mas esta “foi suspensa devido a um acordo com a Justiça Federal para que houvesse a Consulta Pública ao Povo Mura que habita áreas à 8 km de distância das futuras instalações da Potássio do Brasil em Autazes”.

Segundo a empresa, “não há previsão para início da exploração da mina de potássio”. Nesta quarta-feira, 2, ao divulgar um vídeo de 2016 em que fala sobre o assunto, Bolsonaro defendeu a exploração do potássio, mas criticou o fato de os direitos minerários na região estarem “nas mãos de uma empresa canadense”.

Bolsonaro disse que essas explorações teriam sido “acertadas via Petrobras, Deus lá sabe como”. O presidente não dá detalhes sobre suas afirmações. “Ou seja, não podemos explorar nosso próprio potássio”, concluiu.

Reação

“O que o governo Bolsonaro quer, desde o início, é implodir com os direitos das populações indígenas e outros povos e comunidades tradicionais assegurados pela Constituição de 1988. O PL 191 é uma das peças desse processo. Foi redigido para ser um ‘liberou geral’ principalmente para o garimpo em terras indígenas, sem os devidos cuidados ambientais, contrariando a Constituição. É isso que está em foco”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. “O restante é desculpa que o governo está usando para concretizar esse projeto de destruição. A regulamentação adequada da mineração em terras indígenas passa muito longe do conteúdo dessa proposta. Só a existência do PL 191, mesmo sem votação, já está causando processos de degradação irreversíveis.”