O Ministério do Esporte vai propor a criação de uma agência reguladora para atuar na fiscalização da manipulação de resultados e eventos em diversas modalidades esportivas. A ideia de criação da estrutura foi apresentada hoje (20) durante audiência pública na Comissão de Esporte do Senado para tratar da manipulação de resultados esportivos.

A secretaria-executiva do Ministério dos Esportes, Juliana Agatte, disse que a futura agência atuaria nos moldes de outras agências reguladoras já existentes, como o Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), entre outras.

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“A gente entende que o tema assume essa relevância de uma agência. É importante que ela tenha uma autonomia, apesar de vinculada ao Ministério do Esporte, toda uma estrutura de estado e que além da discussão da manipulação de resultados, a gente abarque temas relacionados a essa discussão como o racismo no mundo do esporte, violência e ao combate a todas as formas de discriminação e violência nas arenas esportivas”, disse.

Batizada inicialmente de Agência Nacional de Proteção e Fomento à Integridade Esportiva, o órgão atuaria no aperfeiçoamento de ações para fiscalizar e combater a manipulação de resultados. Segundo Juliana, as ações seriam feitas em conjunto com outros órgãos como a Polícia Federal, o Ministério Público, a Interpol, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre outros.

“Ela atuaria não só no futebol, mas em todas as modalidades esportivas. Ela tem o enfoque de fiscalização, mas tem uma parcela muito importante da discussão de prevenção [à prática de manipulação] e educação nos valores do esporte.”

A discussão sobre a criação de um órgão de regulação e fiscalização ocorre em meio ao debate do projeto de lei que regulamenta a aposta esportiva por meio de quota fixa (as bets). O texto, que incorpora a Medida Provisória 1182/23, que regulamentou o tema, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado para análise do Senado.

Lavagem de dinheiro

O assessor especial do Ministério da Fazenda para o tema da regulamentação das apostas esportivas José Francisco Mansur disse que a iniciativa do governo visa combater não só a manipulação de resultados e eventos esportivos, mas também a lavagem de dinheiro.

A proposta também trata da prática de publicidade abusiva por parte das casas de apostas em canais, que fomentam os canais esportivos e as programações esportivas das TVs abertas, fechadas e mídias sociais. Essas casas patrocinam ainda 39 clubes de futebol das séries A e B, modalidades olímpicas, não olímpicas e paralímpicas.

Pelo texto, ficam proibidas propagandas que veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou sobre possíveis ganhos que os apostadores podem esperar. As peças publicitárias não poderão sugerir ou dar margem para o entendimento de que a aposta pode ser uma alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro.

Esse tipo de publicidade, de acordo com Mansur, tem o potencial de favorecer o vício em apostas: “a aposta é um lazer, não é um mecanismo para se ficar rico, as pessoas não devem ter a ilusão de que irão enriquecer apostando”, disse ao aconselhar apostadores. 

Se tiverem recursos para fazê-lo que o façam como lazer, mas não caiam nas mentiras que, às vezes, são contadas de que apostas são um meio para enriquecer. Estudos do mundo inteiro mostram isso não é verdade.

Mansur disse que além do projeto, o governo criou um grupo de trabalho interministerial, que além da Fazenda é integrado pelas pastas de Esporte, Justiça e Controladoria-Geral da União. Integram o grupo ainda a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Comitê Paralímpico Brasileiro, a Associação Nacional de Jogos e Loterias, entre outros. O objetivo é elaborar uma portaria especifica contra a manipulação de resultados e eventos.

A intenção é utilizar mecanismos de tecnologia para identificar, em tempo real, se uma aposta está fora de um padrão comum, em diferentes esportes.

“Isso vai ligar um alerta no sistema do governo e, em uma escala de um a cinco, se chegarmos a um nível três de suspeita de manipulação, ter mecanismos para oficiar as empresas para retirar essa aposta”, disse Mansur que esclareceu ainda que o sistema emitiria notificações para diferentes órgãos para as devidas apurações e investigações.

Audiência pública para debater manipulação de resultados de jogos, na Comissão de Esporte do Senado – Lula Marques/ Agência Brasil

O projeto para coibir a manipulação de resultados foi encaminhado pelo governo federal após o escândalo em jogos dos campeonatos brasileiros de Futebol das séries A e B, investigado pela Operação Penalidade Máxima, pelo Ministério Público (MP) do Estado de Goiás no final de 2022.

A investigação apurou a existência de uma organização criminosa especializada em corromper atletas profissionais de futebol para assegurar a ocorrência de determinados eventos nas partidas e, com isso, para garantir o lucro de integrantes da organização em apostas esportivas.

O promotor do MP de Goiás Fernando Martins Cesconetto disse que a apuração teve início após denúncia de um dirigente do clube goiano de futebol Vila Nova relacionada à manipulação de resultados em partidas da série B do Brasileirão.

O MP descobriu que a organização criminosa oferecia a atletas profissionais valores entre R$ 50 mil a R$ 500 mil reais para que eles praticassem determinadas condutas nas partidas, como receber cartões amarelos, vermelhos, cometer pênalti, garantir o placar parcial em etapas.

As manipulações ocorreram em 13 partidas de futebol, sendo oito do Campeonato Brasileiro da Série A de 2022, uma da Série B de 2022 e quatro de campeonatos estaduais realizados em 2023.

“Essas ações eram para garantir o lucro desses apostadores em inúmeras apostas feitas em casas esportivas em detrimento, óbvio, da imprevisibilidade, da lisura e moralidade decorrente de qualquer competição esportiva.”

O promotor disse ainda que a organização criminosa apresentava uma estrutura com divisão de tarefas distribuída em diferentes núcleos: um financiador, que atuava para garantir a existência de verbas para pagar os atletas cooptados, assegurar o abastecimento de contas em casas de apostas para a execução das apostas; o núcleo de apostadores que entrava em contato com os jogadores profissionais oferecendo as quantias e mandando os valores para as contas dos atletas ou de laranjas; o de intermediadores que aproximavam os atletas dos aliciadores e o núcleo de apoio operacional que garantia o controle das contas e os pagamentos.

Até o momento foram denunciadas 32 pessoas e a Justiça Desportiva firmou nove acordos com atletas profissionais de não persecução penal, que resultaram no pagamento de R$ 640 mil reais em multas. Cesconetto frisou, entretanto, que as investigações mostraram que o esquema envolvia uma pequena parcela dos atletas.

“Temos uma plena certeza que é uma minoria de jogadores que cedem a essas tentações. Ao mesmo tempo em que nos deparamos com inúmeros episódios em que os atletas cederam e concordaram em fazer os eventos manipulados, nos deparamos com inúmeros episódios em que os atletas recusaram e rechaçaram qualquer oferta desse tipo, porque já sabem que é crime”, disse.

Na avaliação do promotor, além da repressão é preciso também investir na prevenção desse tipo de crime.

“Se ficarmos apenas na ótica de atuação na esfera repressiva, não vai ser suficiente para coibir essas condutas. É necessário que tenhamos também uma atuação sob o viés preventivo, integrado com todos os atores envolvidos, incluindo também clubes, federações, fiscalizações, sejam nas casas de apostas que venham a atuar legalmente nesse sistema e empresas que realizam esse monitoramento e os órgãos de fiscalização para que tenham uma comunicação maior”, recomendou.