15/09/2022 - 7:08
O Ministério do Meio Ambiente decidiu adiar a vigência e reavaliar a nova lista de espécies ameaçadas de extinção do País, depois que a inclusão de alguns peixes foi questionada por governos estaduais e entidades pesqueiras. A principal contestação é sobre a entrada do pintado na lista, um dos peixes de rio de maior apelo culinário, por isso bastante valorizado pelos pescadores profissionais. Conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), especialistas estão estudando a possibilidade de liberar a pesca em regiões onde o peixe não está sob ameaça iminente.
O pintado é muito cobiçado também por pescadores esportivos, que movimentam o turismo em vários Estados. A portaria do adiamento, assinada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, foi publicada no último dia 5. A suspensão da vigência vai até 5 de dezembro, coincidindo com o início do período do defeso, quando a pesca é suspensa para a reprodução dos peixes. Na maior parte das bacias, o defeso vigora até o último dia do mês de fevereiro do ano seguinte.
Pela portaria que vigorava desde 7 de junho deste ano, 1.249 espécies foram categorizadas como ameaçadas de extinção na atualização da lista. De acordo com o ministério, 75% dessas espécies estão contempladas em Planos de Ação Nacionais para sua conservação.
O pintado (Pseudoplatystoma corruscans) entrou na nova lista – com a classificação de vulnerável – e acabou sendo o pivô do adiamento. O peixe é a base da economia pesqueira familiar em Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. O governo de Mato Grosso do Sul enviou ofício ao ministro Joaquim Leite pedindo que a entrada em vigor da portaria fosse postergada, fazendo-a coincidir com o início do defeso.
Conforme o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar, Jaime Verruck, a espécie pintado não é vulnerável na Bacia do Paraguai. “Temos estudos técnicos desenvolvidos pela Embrapa Pantanal, mostrando que no Mato Grosso do Sul essa espécie não é ameaçada. Pedimos o adiamento para preparar a defesa técnica que vamos apresentar ao ministério, mas se não houver a retirada, vamos partir para uma lista própria”, afirmou ele. “Importante ressaltar que em Mato Grosso do Sul temos um robusto conjunto normativo que desde o ano de 2019 já limita a captura do pintado, sendo estabelecidos tamanhos mínimos e máximos de forma a permitir que todos os exemplares coletados já tenham participado do processo de desova.”
Ainda segundo o secretário, para os pescadores profissionais artesanais, a cota é de 400 quilos por mês, seguindo as regras de petrechos, locais e épocas adequadas para captura. “A espécie é de extrema importância para mais de 5 mil pescadores artesanais cadastrados junto ao Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, representando cerca de 50% do desembarque (de peixes) da bacia do Rio Paraguai e 60% da bacia do Paraná. A suspensão abrupta da captura poderá causar efetivos problemas sociais para pequenos municípios do nosso estado”, argumentou.
A Associação do Segmento da Pesca de Mato Grosso, que representa cerca de 100 mil pescadores do Estado, prepara medida judicial para que a portaria que pode proibir a pesca do pintado seja reavaliada. Conforme a presidente Maria Odenilma da Silva, a normativa ignorou estudos científicos de quatro anos que indicam uma abundância do peixe na bacia do Rio Paraguai, que irriga o Pantanal.
Segundo ela, os rios pantaneiros estão livres de barragens, que são a principal ameaça à reprodução de espécies como o pintado. “Há uma quantidade de espécies que eles querem colocar em vulnerabilidade, mas só analisaram as bacias do São Francisco e do Paraná, que não têm nada a ver com a Bacia do Paraguai. No Mato Grosso, temos pessoas comprometidas com a pesca. Trabalhamos nisso há 24 anos e há dez lutamos contra os grupos políticos que tentam fechar a pesca. Sem estudo científico aqui a gente não engole nada”, afirmou.
Sobrevivência
O pescador Francisco Teodoro da Silva, presidente da Colônia Z-3 de Rondonópolis (MT), que abrange 400 famílias de ribeirinhos e pescadores, disse que o pintado representa ao menos 70% da renda dos pescadores. “Se fechar a pesca, todas essas famílias, inclusive a minha, vão passar dificuldades.” Ele, a mulher e a filha Isabela vivem com os recursos da pesca. “Estamos em época de pintado e, em uma noite boa, podemos conseguir 80 quilos desse peixe. As peixarias pagam R$ 25 o quilo do peixe inteiro. É a nossa renda.”
Ele contou que anualmente ocorrem quatro “cabeceiras” (passagem de cardumes) dessa espécie nos rios Cuiabá, Vermelho, São Lourenço e Itiquira, formadores da bacia do rio Paraguai. “A sede da colônia está na margem do Rio Vermelho, mas hoje os peixes estão subindo o Rio Itiquira, que fica a 126 quilômetros”, disse. Pescador há 33 anos, Silva acha que as portarias do governo sobre a pesca nem sempre levam em conta a realidade dos rios. “O dourado, por exemplo, que está com a pesca proibida, tem demais nos rios. Aqui, tem pescador que fisga quatro dourados no dia e é obrigado a soltar.”
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso e o Conselho Estadual da Pesca (Cepesca) enviaram ofício ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) solicitando orientação sobre a pesca da espécie na bacia do Alto Paraguai. “A secretaria aguarda a regulamentação, pelos órgãos federais, do uso sustentável deste recurso pesqueiro, que dirá como deve ser a exploração de espécies consideradas vulneráveis, como é o caso do pintado”, disse, em nota.
Segundo a pasta, o artigo 3º da Portaria 445/2014 permite o uso sustentável de espécies em vulnerabilidade, desde que regulamentado e autorizado pelos órgãos federais competentes e atendendo a critérios técnicos estabelecidos previamente. “Sem a publicação desta normativa, não é possível afirmar se haverá proibição da pesca, ou então, quais as medidas restritivas aplicadas”, disse.
Hidrelétricas
De acordo com a pesquisadora Luciana Carvalho Crema, coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Aquática Continental (Cepta/ICMBio), a principal ameaça ao pintado são mesmo os barramentos de hidrelétricas ao longo dos rios, pois é uma espécie migradoura e as barragens prejudicam a reprodução.
A outra ameaça é a hibridismo que afeta a reprodução da espécie, já que o pintado acaba se reproduzindo com o cachara, espécie híbrida produzida em cativeiro, gerando filhotes híbridos, que são diferentes geneticamente da espécie nativa.
Não existe a possibilidade, segundo Luciana, de excluir o pintado da lista de extinção. “O que o Ministério do Meio Ambiente fez foi prorrogar o início da vigência da portaria. O que pode acontecer é a publicação de um plano de recuperação do pintado. Ele continua listado como espécie ameaçada de extinção a partir de dia 5 de dezembro, que vai coincidir com o período do defeso, então ele não vai poder ser pescado. Concomitantemente deve sair o plano de recuperação da espécie, avaliando a situação do pintado no País e vendo a possibilidade de pesca em algumas regiões onde ele não esteja ameaçado”, disse.
Sobre a demanda dos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso para a liberação da pesca em rios pantaneiros, ela disse que depende dos novos estudos que os pesquisadores realizam por determinação do ministério. “Na verdade, quem vai poder responder são os pesquisadores que vão fazer essa avaliação. Os maiores pesquisadores que conhecem o pintado estão discutindo essas questões, se há locais e quais locais poderiam ser liberados para a pesca”, afirmou.
Um grupo de trabalho também avalia a inclusão de um grupo de tubarões, popularmente conhecidos como cações, na lista de ameaçados.
Como é elaborada a lista
Para elaborar a Lista Oficial das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção no Brasil, que detém 20% das espécies existentes no mundo, foram avaliadas 5.353 espécies da flora e 8.537 da fauna. O ICMBio é responsável pela avaliação do risco de extinção da fauna, enquanto ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro cabe a avaliação da flora.
Das espécies de fauna, 1.249 foram consideradas ameaçadas: 465 estão na categoria Vulnerável (VU); 425 na categoria Em Perigo (EN), 358 estão Criticamente em Perigo (CR) e uma está extinta na natureza. Elas são 257 espécies de aves, 59 espécies de anfíbios, 71 espécies de répteis, 102 espécies de mamíferos, 97 de peixes marinhos, 291 de peixes continentais, 97 de invertebrados aquáticos e 275 invertebrados terrestres.
A partir deste ano, a lista nacional das espécies em extinção será atualizada anualmente. Essa mudança de estratégia, segundo o ICMBio, permitirá que a lista reflita resultados mais atuais, com menor diferença de tempo entre a avaliação do risco de extinção de uma espécie e sua aplicação nas políticas públicas de conservação da biodiversidade.
Apesar da entrada de 219 novas espécies e subespécies da fauna na lista, entre elas o pintado, 220 espécies tiveram melhora em seu estado de conservação, indo para categorias de menor risco do que estavam em 2014, incluindo 144 que saíram desta lista.
Tartarugas-marinhas
Um dos bons exemplos é o das tartarugas-marinhas. Quatro das cinco espécies existentes no Brasil melhoraram seu estado de conservação. A tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), que estava na categoria “Criticamente Em Perigo”, a mais ameaçada antes da extinção, agora está na categoria “Em Perigo”; enquanto as espécies de tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) e cabeçuda (Caretta caretta) passaram para o status ‘Vulnerável’, saindo de “Em Perigo”.
Já a tartaruga-verde (Chelonia mydas) saiu da Lista de espécies ameaçadas, sendo considerada uma espécie quase ameaçada, o que significa que ainda depende de ações de conservação. A única que ainda não saiu deste rol foi a tartaruga-gigante (Dermochelys coriacea), que ainda permanece como Criticamente Em Perigo.