12/08/2020 - 15:14
A decisão do governo de centralizar nas mãos dos militares toda a fiscalização da Amazônia já está refletida no volume de recursos financeiros que o Palácio do Planalto tem destinado ao Ministério da Defesa. O Estadão obteve informações detalhadas sobre os R$ 630 milhões da Operação Lava Jato que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de setembro de 2019, devem ser usados exclusivamente para financiar ações de fiscalização e combate aos incêndios florestais na Amazônia.
Os dados do sistema Siga Brasil compilados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram que, dos R$ 630 milhões repassados pela Petrobras, a partir de seu acordo anticorrupção assinado com a Justiça, R$ 530 milhões, o equivalente a 84%, foram destinados ao Ministério da Defesa, com repasses distribuídos entre Exército, Marinha e Aeronáutica. Coube ao governo Bolsonaro definir onde colocaria o dinheiro, uma vez que a divisão desses valores não foi especificada pelo Supremo.
O Ministério da Defesa afirma que os recursos têm apoiado a sua presença “estrutural” na Amazônia, ou seja, uma atuação de forma permanente e consolidada, e não em situações pontuais ou extraordinárias. No documento de sua Política e a Estratégia Nacional de Defesa, enviada ao Congresso no dia 22 de julho, o ministério afirma que sua atuação na Amazônia exige “o incremento das capacidades de prover segurança e soberania, intensificando a presença militar e a efetiva ação do Estado”.
A maior parte do dinheiro – R$ 494 milhões – foi carimbada como recurso voltado à “proteção, fiscalização e combate a ilícitos na Amazônia Legal”. Os demais R$ 36 milhões foram reservados para a Operação Verde Brasil 2, criada pelo governo em maio, para enfrentamento de incêndios e desmatamento.
Dos R$ 100 milhões que restaram do acordo da Lava Jato, o governo repassou R$ 50 milhões ao Ibama, órgão de proteção ao meio ambiente que, com apoio da Polícia Federal, tem a missão institucional de proteger e fiscalizar a Amazônia. O Incra recebeu R$ 35 milhões e o Ministério Agricultura, R$ 15 milhões. Já ICMBio e Funai não tiveram nenhum repasse oriundo do acordo bancado pela Petrobras.
Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, a concentração de recursos comete um erro estratégico. “Usaram os recursos da Lava Jato para sobreporem-se à atuação dos órgãos de fiscalização, controle e proteção territorial”, avalia a especialista. “Estes órgãos ambientais vinham atuando com capacidade estratégica e precisavam ser fortalecidos, institucionalmente e do ponto de vista orçamentário. O governo não só perdeu a oportunidade de usar os recursos da Lava Jato para reforçar a política de controle do desmatamento na Amazônia que estava funcionando, como atuou para desmontá-la ainda mais.”
A escassez de recursos do Ibama, porém, não explica tudo. Soma-se a isso a baixa execução do orçamento que o órgão já possui. Por incapacidade administrativa, o Ibama mal consegue gastar o que recebe. Até julho, do orçamento de R$ 38,567 milhões autorizados para monitoramento, prevenção e controle de incêndios florestais, o órgão só utilizou R$ 9,332 milhões, conforme informações do Siga Brasil.
Os militares chegaram a usar parte dos recursos da Lava Jato para financiar as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorridas em 2019 (Verde Brasil) e 2020 (Verde Brasil 2). Ao todo, os orçamentos das duas ações somaram R$ 44,62 milhões desde o ano passado. Nesta semana, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que assumiu a responsabilidade pelas ações na Amazônia, pediu ao Congresso que aprove um crédito extraordinário de mais R$ 410 milhões para a Verde Brasil 2.
O pedido pode ser aprovado nesta semana. Se confirmado, o Ministério da Defesa somará quase R$ 1 bilhão em recursos para utilizar, especificamente, em operações na Amazônia. Trata-se de quase tudo o que o Fundo Amazônia destinou ao Brasil durante 12 anos, em 103 programas que tiveram resultados fundamentais na região. A título de comparação, a proposta de orçamento total para o Ibama em 2021 é de R$ 210 milhões.
Defesa diz que usa dinheiro da Lava Jato para “missão estrutural”
O Ministério da Defesa afirma que a concentração de recursos da indenização da Operação Lava Jato em suas ações tem o propósito de financiar projetos de longo prazo dos militares para a Amazônia, e não de bancar gastos com operações pontuais, como ocorre com a Operação Verde Brasil 2, que começou em 11 de maio e deve durar até 6 de novembro.
Em nota enviada à reportagem, a Defesa declarou que os recursos repassados pela Lava Jato “serão aplicados em investimentos estruturantes, que visam a dar àquela região uma melhor infraestrutura para atuação adequada das Forças Armadas”.
Os gastos previstos, segundo o ministério, incluem a aquisição de micro e nano satélites de monitoramento, fortalecimento de operações nos rios, recuperação da infraestrutura dos Centros Móveis de Alta Disponibilidade (CMAD) da Amazônia e implantação de um radar para detecção de tráfego aéreo ilegal. “Como se trata de processos licitatórios complexos, a realização do gasto não é imediata, mas o empenho (contratação) de todos os projetos deve ser realizado até o fim de dezembro de 2020”, declarou a pasta.
A respeito da Operação Verde Brasil 2 e o pedido de crédito suplementar de R$ 410 milhões, a Defesa informou que o dinheiro será usado em “atividades operacionais para emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e em ações subsidiárias na Amazônia Legal”.
Os recursos serão aplicados, de acordo com a pasta, em ações como deslocamento de tropas, desenvolvimento e participação de campanhas de conscientização ambiental, estabelecimento de bases operacionais, realização de levantamento de imagens por sensoriamento remoto, apoio logístico, de inteligência e de comunicações aos órgãos de controle ambiental e de segurança pública envolvidos na Operação. “Diante dos esclarecimentos, fica claro que não são recursos concorrentes, pois os objetos de gastos são de naturezas diferentes, sendo um de caráter estruturante e outro de caráter operacional”, declarou o ministério.