09/11/2022 - 22:00
Dez anos após iniciar operações no País com importação de caminhões e planos de ter fábrica local, a Foton Aumark do Brasil (FAB) se prepara para ir à Justiça contra a marca chinesa por rompimento unilateral de contrato. A empresa foi criada pelo economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-diretor do Banco Central, e pretende buscar compensação por investimentos feitos e parcelas do lucro futuro que teria na associação com a Foton Beiqi, uma das maiores fabricantes de veículos pesados da China.
Em princípio, o processo que deve ser encaminhado no início do próximo ano deve pedir indenização de cerca de R$ 600 milhões. É mais uma briga envolvendo parcerias entre empresas brasileiras e multinacionais por eventuais descumprimentos de contratos. Casos dessa natureza já envolveram a Caoa e a francesa Renault – e depois a coreana Hyundai -, e o grupo SHC, do empresário brasileiro Sérgio Habib e a Citroën, hoje pertencente ao grupo Stellantis.
A FAB informa que, até agora, importou cerca de 3 mil caminhões e chegou a montar entre 600 e 800 veículos em uma linha alugada na Agrale (RS). O projeto de construir fábrica própria, inicialmente prevista para 2016, não foi para a frente, apesar da aquisição de parte de uma área antes destinada à Ford, em Guaíba, também no Rio Grande do Sul.
O advogado Flávio Zambom, do escritório Flávio Zambom Advocacia, afirma que, ao longo dos anos, a Foton Beiqi não cumpriu vários acordos estabelecidos em contrato e passou a atrasar entregas de veículos e peças ou não entregar os volumes solicitados. “Antes os prazos eram de mais ou menos quatro meses do pedido até a chegada dos caminhões e passou para oito meses, gerando problemas para a FAB, para as revendas e para o consumidor”, diz.
Todos os gastos com homologações de produtos, nacionalização, compra da área e início de terraplenagem foram bancados pelos parceiros brasileiros. Com a crise econômica a partir de 2016, falta de produtos e sem apoio financeiro, no fim de 2018 o grupo entrou em recuperação judicial. Na época, tinha dívidas de R$ 120 milhões com bancos privados e fornecedores e conseguiu pagar até agora R$ 20 milhões.
“Informamos a China sobre a RJ e não houve nenhuma decisão de interromper a cooperação”, informa Mendonça de Barros, presidente do conselho da Foton. Segundo ele, os pedidos de caminhões e peças foram praticamente suspensos. Ele conta que, neste ano, foi surpreendido quando soube, pelos concessionários, que a representante da fabricante no País, a Foton Motors Brasil (FMB) passou a importar os veículos e entregar diretamente aos concessionários, sem a participação da FAB.
Segundo Mendonça de Barros, essa empresa está tocando a operação usando a rede de revendas que a FAB criou, assim como sua estrutura de financiamento, se aproveitando de um mercado em crescimento. Também mudou o porto de desembarque dos veículos do Rio Grande do Sul para Santa Catarina. “Não nos cabe agora outra saída a não ser buscar compensações estabelecidas na lei brasileira.”
A FMB é dirigida pelo chinês naturalizado brasileiro Shaoyi Lu. Procurado, ele disse que só poderia falar com a reportagem no início de dezembro.
Paulo Mathias, presidente de Abrafoton, que reúne as concessionárias da Foton, diz que houve um entendimento entre a FAB e a FMB para que, enquanto elas buscam uma solução para a parceria, a importação seria feita de forma direta, “para evitar que a rede sucumbisse sem produtos para comercializar”.
Em março, os concessionários receberam 240 caminhões, ainda entregues via FAB. Neste mês e no próximo chega mais um lote de 400 veículos, desta vez importado e repassado a eles diretamente pela FMB. “Agora os pedidos estão chegando sem problemas de interrupção”, afirma Mathias. Segundo ele, antes eram feitos cerca de 230 pedidos de caminhões ao mês, e chegavam em média 30 a 40.
Rede tem 19 ex-revendedores Ford
A rede atual é formada por 24 grupos que administram 30 revendas. Desse total, 19 grupos eram concessionários Ford que foram descredenciados quando a marca parou de produzir caminhões na fábrica do ABC paulista, em 2019. Dois anos depois, a multinacional também fechou a planta de Taubaté (SP) e de Camaçari (BA), onde se instalou quando desistiu de ir para Guaíba.
Mendonça de Barros, cuja atuação sempre tinha sido voltada à área financeira, conta que entrou no negócio de caminhões após pedido do cônsul chinês em São Paulo, feito em 2010, para que recebesse representantes do grupo Foton Beiqi interessados em parceria com grupos brasileiros.
Ele já tinha visitado a China quando presidia o BNDES e voltou ao país para conhecer as operações da fabricante de caminhões, com quem acertou ser representante da marca como importador. O projeto mudou de dimensão após o programa Inovar-Auto, que encareceu as importações e oferecia subsídios para quem instalasse fábricas no Brasil.
Segundo ele, o grupo já tinha aprovação de financiamentos do BNDES para a construção da fábrica, assim como do Banrisul (banco do Rio Grande do Sul), mas não chegou a usar o dinheiro.