A Petrobras adota uma “conduta anticoncorrencial” ao definir os preços dos combustíveis com base nas ações de um cartel internacional – a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) -, afirmou o novo conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto, em entrevista ao Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.

Depois de Jair Bolsonaro (PL) reclamar várias vezes dos preços dos combustíveis, Augusto, 46 anos, que era assessor especial do gabinete pessoal do presidente da República, traz uma tese nova que, se for para frente no órgão, pode levar a punições e até a determinações que resultariam na mudança da política de preços da Petrobras.

Ele defendeu o aprofundamento das investigações no setor para apurar se há um conluio para segurar a produção de combustíveis de modo a maximizar lucros. “Não será inesperado a gente encontrar um cartel no setor de óleo e gás”, disse o novo conselheiro. Leia os principais trechos da entrevista.

O senhor citou já em sua primeira sessão no Cade o setor de óleo e gás como um dos mais preocupantes.

Não é papel do Cade regular preço, mas podemos observar se há alguma conduta anticoncorrencial. E um dos sintomas é o sobrepreço. Falam que a Petrobras trabalha com valor de mercado, mas isso é definido por um cartel clássico. Um cartel de países fixa artificialmente o preço lá fora, e uma grande companhia aqui diz que vai reproduzir. Como vamos lidar com isso? Quando você adere a uma conduta do cartel, você está cometendo uma conduta anticoncorrencial.

Esse é um setor em que há muitas investigações no Cade. Elas são suficientes?

Não será inesperado a gente encontrar um cartel no setor de óleo e gás. Precisamos fazer perguntas, como se o setor de petróleo está produzindo na capacidade. Não tem nada de ilícito não produzir tudo o que pode, desde que não seja uma conduta artificial. Se tiver conluio para a Petrobras não produzir o que poderia, para maximizar o lucro e inflar o preço, pode caracterizar uma conduta.

O Planalto e o Ministério da Economia citam o Cade como alternativa para resolver a alta dos preços dos combustíveis. O senhor veio com essa missão?

Não, não vim com essa missão. Fui indicado pelo presidente, mas, uma vez aqui dentro, o conselheiro tem seu mandato e autonomia. Agora, seria de uma cegueira deliberada não ver o óbvio: esse é o grande tema. É extremamente difícil chegar ao posto de gasolina, ver o preço a R$ 8 e achar que é normal.

O presidente Bolsonaro falou com o senhor sobre o preço da gasolina?

A única coisa que ele me pediu foi que viesse para cá fazer um trabalho sério. Não falou sobre gasolina.

O senhor citou que essa questão da Petrobras é de 2016. O Cade errou por não ter visto isso antes?

Não acho que o Cade errou. Esses problemas se tornaram mais visíveis no cenário mais recente. O mundo inteiro vai ter de aprender. O Cade foi leniente com a Opep, mas qual órgão regulador enfrentou a questão? Talvez o Brasil seja pioneiro.

O Cade ficou dividido no julgamento da compra da Oi por Claro, TIM e Vivo, e houve críticas e trocas de acusações entre os conselheiros. O senhor tem algum lado nessa briga?

O Cade ficou dividido em um caso. Não acho que temos um órgão dividido. Ali foi uma decisão muito difícil, é natural, todo mundo saiu de cabeça quente, mas, uma vez tomada, essa decisão é do Cade. O alinhamento do meu voto é da convicção da tese, não estarei em nenhum lado. Gostaria de ter votado no caso, não sei dizer qual seria meu voto, mas tenderia, pela minha posição, a aprovar a operação.

Como o Estadão mostrou, a Polícia Federal divulgou áudio em que o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, se refere ao presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, como “meu menino” e diz “botei ele lá”. Vê interferência política no Cade?

A indicação das autoridades do Cade passa por um filtro político, passa pelo Senado. É um filtro democrático. Todas essas autoridades têm mandato, justamente para proteger de pressões. Se a Polícia Federal tem evidência de malfeito, é outra discussão. Não tenho conhecimento disso e não acredito que exista. Imagino que (a divulgação dos áudios) é um constrangimento, mas não tenho nenhum tipo de preocupação, não vi nada que desabonasse a conduta do presidente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.