Escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para participar da campanha em ato no teatro Tuca da PUC de São Paulo, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vem se transformando numa espécie de porta-voz informal para a área econômica junto a investidores e veículos de imprensa internacionais.

Ao Estadão, Meirelles disse que é razoável um “waiver” – licença para gastar fora do teto de gastos – de R$ 100 bilhões. “O mercado não aceita mais do que R$ 100 bilhões”, ponderou ele, que tem citado estudo do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) que aponta um potencial de custo adicional de R$ 430 bilhões nas contas públicas com as medidas, tanto do lado das receitas quanto das despesas, aprovadas pelo governo Bolsonaro e pelo Congresso.

Nos últimos dias, Meirelles tem feito um contraponto às propostas dos economistas do PT e defendeu a aprovação de uma “excepcionalidade” no teto de gastos no primeiro ano do próximo governo. A declaração motivou uma reação debochada nesta quarta-feira, 26, do ministro da Economia, Paulo Guedes. “Bem-vindo, fura-teto”, disse Guedes, em referência ao fato de que o “cara que fez o teto” agora defende o seu “furo”.

“Ele (Guedes) não entendeu que a finalidade mais importante do teto é forçar a definição de prioridades e a aprovação de reformas. A primeira foi a da Previdência e, agora, a administrativa. Sem o teto, nada disso ocorreria”, rebateu.

Como os economistas do partido foram orientados a não falar nessa reta final, Meirelles vem ocupando espaço de referência como interlocutor econômico para fora da campanha. Mas tem sido alvo de “fogo amigo” de integrantes do comando do PT. Em 2016, ele comandava a equipe que propôs a regra do teto durante o governo Michel Temer, regra criticada pelo PT desde o seu anúncio.

“É sintomático que o único economista que ele (Lula) de fato convidou para o evento no Tuca foi a mim. O Geraldo Alckmin convidou o Persio (Arida), economista ligado a ele. Uma sinalização não de que vá nomear um dos dois para um cargo específico, mas de que respeita”, ponderou.

Meirelles disse que não há compromisso de Lula com nomeação para cargos, num eventual governo, para sua participação na campanha. O seu nome, porém, está presente na bolsa de apostas para o ministério da Fazenda se Lula sair vitorioso nas eleições. Chamou atenção esta semana o tom assertivo dele em entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews.

Somente na quarta-feira, ele deu entrevistas para o Washington Post e Financial Times. Nas redes sociais, o ex-ministro tem postado posições, acompanhadas pelos investidores, sobre os temas mais importantes de definição de política econômica.

Para Meirelles, Lula pode conseguir apoio do mercado se sinalizar uma política responsável do ponto de vista fiscal, mas ponderou que há uma preocupação do mercado com a possibilidade de que Lula não faça aquilo que fala e opte por uma política como no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Mas são compatíveis os diversos compromissos que Lula está assumindo com a austeridade e com a responsabilidade fiscal”, afirmou. Segundo ele, Lula tem ouvido seus conselhos para fazer a reforma administrativa nos moldes da realizada em São Paulo, quando era secretário de Fazenda, que enxugou as empresas estatais.

“Em São Paulo, tinha um grande número de empresas estatais com orçamento, com custos de pessoal, contas a pagar que tinham sido criadas para executar obras específicas que já terminaram”, disse. “A finalidade da criação da empresa já deixou de existir, mas ela continuou.”

Para ele, é possível fazer um enxugamento muito grande e que abre um espaço enorme para investimentos sociais e de infraestrutura. Ele argumentou que muitas dessas empresas não têm mais receitas, só “empilham” despesas.

O ex-ministro também defende corte de benefícios para se conseguir fazer o ajuste fiscal e diz que é possível fazer mudanças na regra do teto com crescimento real (acima da inflação), mas com o pressuposto de uma reforma administrativa. “Pode um pouquinho, mas não muito”, disse ele, que rejeita a proposta de vincular o teto ao PIB. Meirelles também avalia ser possível conceder um crescimento real do salário mínimo, desde que não seja uma regra permanente, e avaliou ser necessário um reajuste dos salários dos servidores.

“A meta de primário não é suficiente. O problema do primário é que é receita e despesa e não adianta fixar meta em cima do que não se controla, a receita”, disse Meirelles. Na campanha, Lula e ala política do PT já sinalizaram anteriormente que preferem revogar o teto e ficar com a meta de superávits primários (receitas menos despesas sem levar em conta o gasto com juros da dívida), que seria “mais modernizada”.