10/09/2017 - 8:00
Ser agricultor no Brasil é tarefa para os fortes. Somente eles conseguem suportar as pressões que vêm de dentro e de fora da porteira. Do lado de fora, a maior parte da opinião pública, que desconhece o que são as boas práticas no campo, acredita que a maioria dos produtores são os vilões da história, envenenando as plantações com os defensivos agrícolas. O fato é que o Brasil consome pouco agroquímico, comparado à área cultivada. Enquanto na Holanda se aplica 20,8 quilos de ingrediente ativo por
hectare, no País são apenas 2,3 quilos por hectare, segundo o Conselho Científico para a Agricultura Sustentável (CCAS). Já dentro da porteira, uma série de pragas fica à espreita de um deslize do produtor para causar danos fabulosos. Mas há produtores que aprenderam a contornar esse problema e têm se saído muito bem na tarefa. “Decidimos fazer o que é certo, seguindo todas as recomendações técnicas”, diz Alcides Brunetta, 82 anos, dono da fazenda Santa Ana, de 1,4 mil hectares em Mamborê, no interior do Paraná. Com cultivos de soja, milho, trigo e aveia intercalados em 1,1 mil hectare, a propriedade é um exemplo de boas práticas agrícolas. Mais do que tudo, Brunetta prega o respeito às normas de uso de agroquímicos, o cuidado com a segurança e a saúde dos funcionários, a preservação de matas e a manutenção do solo sempre fértil. Para José Aroldo Gallassini, presidente da Coamo, a maior cooperativa de grãos do País, que faturou R$ 10,8 bilhões em 2016, esse é o único caminho para produzir e alimentar uma população crescente. “No Brasil, sem os defensivos não se colhe em grande escala”, diz Gallassini.
Hoje, a Coamo mantém 250 técnicos agrícolas para assistir seus 28,2 mil cooperados. Brunetta é um deles. O produtor foi um dos desbravadores rurais no Paraná. A esposa Vanice Clotilde Brunetta, 73 anos, conta que aos 36 anos ele deixou sua terra natal, Santa Catarina, em busca de um lugar melhor para plantar. “Morávamos num terreno pedregoso e que faltava água”, diz. “Foi em Mamborê que encontramos o lugar ideal, e tinha o que nos faltava: água.” Dos 46 anos agricultando as terras no Paraná, os últimos 15 anos foram dedicados à intensificação das boas práticas agrícolas, com a ajuda da Coamo.
O trabalho envolve a seleção de cultivares de alta tecnologia, defensivos de última geração e um plano de rotação de plantios e de produtos aplicados no campo. De acordo com o agrônomo Diego Monteiro, técnico de campo da cooperativa, durante a safra, por exemplo, não se repetem os mecanismos de ação dos defensivos. “Entre fungicidas, inseticidas e herbicidas, trabalhamos com quatro mecanismos diferentes para cada grupo”, diz Monteiro. No jargão técnico, o mecanismo de ação é como o produto faz a planta daninha morrer. Se usar sempre o mesmo, ela torna-se resistente mais rapidamente. No caso da Santa Ana, também são realizados treinamentos regulares com os dez funcionários da fazenda, sobre segurança do trabalho, saúde e a importância dos equipamentos de proteção individual (EPIs) ao manusear os agroquímicos. O trabalho é supervisionado pelos filhos de Brunetta, Ana Borgo, Givanildo e Giovana Patrício, além do genro Alceu Borgo, que hoje são os herdeiros que administram a fazenda.
O atual nível de sofisticação tem exigido mais do que trabalho duro. É preciso investir também. Da média de 190 sacas de 60 quilos de grãos colhidos anualmente, por hectare, o custo total tem ficado em 110 sacas por hectare com o uso de defensivos, máquinas e mão de obra. O custo médio para quem não utiliza alta tecnologia é de 65 sacas por hectare na região. Para o agrônomo Givanildo Brunetta a vantagem é maior, no final das contas. “É por causa desse investimento que mantemos a produtividade”, diz Givanildo. Na cultura da soja, por exemplo, a produtividade saltou 8,6% nas últimas três safras. Saiu de 72,3 sacas por hectare em 2014/2015 para 78,5 sacas no ciclo 2016/2017. Baseado nos preços médios da soja e do milho na safra passada, foram cerca de R$ 7 milhões em receita.
O resultado do trabalho na fazenda tem ido além de superar em 26,6% a média de produtividade de soja do Paraná, que hoje é de 62 sacas por hectare. Na Santa Ana não há sinal de prejuízo com as plantas daninhas resistentes, um problema causado pelo erro de dosagem de herbicidas e pelo uso de produtos com o mesmo mecanismo de ação. Essa prática tornou mais fortes algumas espécies que hoje estão espalhadas em 20 milhões de hectares no País, segundo a Embrapa. Entre as 34 plantas consideradas pragas nas lavouras, as principais são a buva, o azevém, o amargoso, o capim-pé-de-galinha e o caruru-gigante. A conta é do agrônomo Mauro Rizzardi, pesquisador da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, e membro da Iniciativa 2,4-D, criada pela americana Dow AgroSciences e a australiana Nufarm. Além dele, outros sete pesquisadores integram a Iniciativa 2,4-D. A ideia do grupo é que personagens como Brunetta sejam mais comuns no País. Isso porque, embora se use em pouca quantidade de defensivo por área, há muitos erros de aplicação. “Nosso propósito é gerar informação técnica sobre o uso correto e seguro dos defensivos agrícolas”, diz Rizzardi.
A preocupação é grande porque só existem no mundo 13 mecanismos diferentes de ação dos defensivos que podem ser compartilhados pela indústria. No Brasil são 12, e três já estão na lista dos quais não impedem mais o avanço de plantas daninhas. “O glifosato é um deles”, diz Rizzardi. “O que é preocupante, dada à importância dessa molécula para o manejo de daninhas”. Segundo a química Ana Cristina Pinheiro, coordenadora do Programa Boas Práticas Agrícolas da Dow e da Iniciativa 2,4-D, foi justamente a partir do uso excessivo do glifosato, nos Estados Unidos, que hoje o país enfrenta uma alta infestação de plantas resistentes a herbicidas. “Apesar de os agricultores americanos terem um histórico de conhecer bem as boas práticas agrícolas, eles optaram por utilizar apenas um tipo de produto, esquecendo o manejo integrado de pragas”, diz Pinheiro.
O Brasil está nessa mesma rota dos americanos, mas a história pode mudar, se as prescrições técnicas forem seguidas. Por isso, desde 2010, a Dow, em parceria com universidades como a UPF e a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita” (Unesp) desenvolve treinamentos e palestras itinerantes, conscientizando produtores e funcionários das fazendas. Não há dados precisos sobre a área abrangida até agora, mas o foco é sempre as principais regiões produtoras de grãos do País. Até o final do ano passado, 16 mil pessoas foram treinadas, em 20 Estados. Neste ano, a meta é chegar em dezembro com mais quatro mil capacitações. “Queremos avançar mais” diz Pinheiro. “Hoje, dentro de uma plataforma digital, com vídeos, por exemplo, levamos o conhecimento de uma forma mais simples e de fácil entendimento.”
Nesse sentido, até para o público urbano o tema tem sido passado a limpo. No mês passado, o jornalista Nicholas Vital apresentou em São Paulo seu livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, lançado pela Editora Record. “O que se propaga sobre o tema é uma prática do terror aos agroquímicos”, afirma Vital. O trabalho de apuração e entrevistas com cerca de 50 especialistas, entre médicos, biólogos e agrônomos durou dois anos. “O problema é o uso incorreto dos defensivos”, diz Vital. “Há dados mostrando que apenas 15% dos trabalhadores no campo usam o EPI. Esse é o erro.”