É antiga a insatisfação de vários agentes brasileiros com a cadeia dos agroquímicos. Fabricantes se queixam da morosidade na aprovação de novos produtos; produtores rurais, dos preços; e o consumidor, do excesso dos químicos nos alimentos. A solução para minimizar todos esses problemas pode estar no uso em maior escala dos bioinsumos. Nesta entrevista à RURAL, Maria Luiza Castro, representante brasileira na presidência da RED Latam e cofundadora da CESIS Consultoria, empresa dedicada a registros de bioprodutos, defende o uso equilibrado entre os produtos de origem natural e os químicos. Para ela a solução agrada os consumidores, os produtores e até mesmo os fabricantes, que ao diversificarem o portfólio podem se beneficiar de um mercado que deve movimentar mais de US$ 18 bilhões no mundo até 2026.

Como a senhora avalia a legislação dos agroquímicos e bioinsumos no Brasil?
Maria Luiza Castro — O Brasil está no topo da cadeia de importação de produtos químicos. E como culturalmente os agricultores utilizam muito esses produtos no combate de pragas e doenças, os órgãos regularizadores — Ibama, Anvisa e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) — constituíram uma maneira de legislar focada nos químicos. Mas uma lei é uma lei. Ela é curta, simples e direta. Então, é preciso, a partir deste texto, criar outros instrumentos jurídicos que expliquem os requisitos para a indústria poder regulamentar novos produtos. Só que inicialmente esses requisitos eram quase todos de bases químicas. Não se pensava em produtos à base de fungos, bactérias e muito menos em utilizar uma vespinha para combater pragas.

Isso explica o porquê dos biológicos demorarem tanto para tracionar?
Os produtos biológicos já são uma realidade no Brasil há mais de 30 anos. A questão é que eles estão inseridos em uma legislação antiga (1989). Nela são definidos como agrotóxicos ‘produtos de origem física, química ou biológica que alterem os processos da natureza para atuar no combate de pragas e doenças agrícolas’. Isso colocava os biológicos na sombra dos químicos.

Desde então não houve nenhuma modernização desta legislação?
Ela vem se transformando ao longo do tempo. Inicialmente, tivemos ações pontuais de um órgão ou de outro para tentar regular alguns produtos de base biológica que tinham demanda. Os primeiros a serem regulados foram aqueles com organismos microbiológicos, em 1997. Em seguida, tivemos a liberação dos semioquímicos (substâncias químicas liberadas por insetos que atraem algumas pragas para que sejam extirpadas). Foi uma caminhada até que, em 2005 e 2006, a Anvisa criou um grupo de trabalho para desenvolver normas direcionadas aos biológicos. Esse movimento levou o Ibama e o Mapa a se unirem à Anvisa para publicar um instrumento normativo conjunto que garantisse regras para que os produtos biológicos fossem considerados seguros ao meio ambiente e à saúde humana.

Quais foram as bases para a regulamentação brasileira?
O Brasil olhou para as legislações internacionais, especialmente para as adotadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e pela USDA, agência de proteção ambiental americana. Não inventamos a roda. Nossos técnicos se inspiraram, melhoraram e adequaram todos esses requisitos às especificidades locais. Em 2020 foi dado um passo importantíssimo para o setor com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos. Hoje, podemos dizer que temos uma das mais completas legislações mundiais para o registro de produtos agrícolas.

Um dos pontos citados pela indústria como crítico no processo é o tempo de aprovação de novos produtos pelos órgãos competentes. Qual a avaliação da senhora?
Esse realmente é um grande gargalo, um ponto crítico. Posso afirmar, porém, que essa queixa é a mesma em países estrangeiros, estejam eles na Europa ou nos Estados Unidos. Mas veja bem: os órgãos reguladores têm muita responsabilidade, porque não só vão liberar um produto que chegará à mesa dos consumidores brasileiros, como também de milhões de pessoas ao redor do mundo. Então, imagine o risco na liberação acelerada ou errônea de um produto químico ou biológico que afete a saúde humana ou do meio ambiente? Os problemas decorrentes podem ser graves como neurotoxicidade ou cancergenesidade.

O uso de bioquímicos em lavouras também traz riscos à saúde e ao ambiente?
Sim. Além de alguns biológicos apresentarem níveis de toxicidade, é preciso avaliar se o micro-organismo do novo produto não ameaça outros existentes na região em que será aplicado, por exemplo. Voltando a questão anterior é importante destacar que o prazo de aprovação de um biológico, que antes era de dez anos ou mais, hoje é
de cerca de três anos. O prazo está bom, mas ainda há espaço de melhoria em algumas ineficiências.

Como quais?
Uma delas é que além da aprovação dos órgãos nacionais, os produtos precisam ser submetidos à aprovação estadual. O outro ponto é o tamanho da equipe que o governo possui para analisar os processos. Em uma visita que fiz à EPA, agência ambiental americana, na época que eu trabalhava no Ibama, somente na área de checklist, que recebe os processos para ver se está tudo certo, havia 88 pessoas. No Ibama, eram duas. De lá para cá, melhoramos um pouco, mas estamos longe do necessário. O ideal seria dar celeridade já que do ponto de vista do ESG, a redução dos químicos é muito bem-vinda.

Ou seja, ainda de economicamente viável e com menos impacto negativo ao meio ambiente, os biológicos podem ajudar na reputação do agro?
O uso de bioinsumos vem ao encontro da necessidade de crescimento sustentável do agronegócio. Já somos líderes mundiais na produção de bioinsumos e o mercado vem em uma curva crescente de demanda. Os biológicos chegam como um importante fator de afirmação da agricultura brasileira. Eles representam o futuro do setor.

Do ponto de vista dos consumidores há uma vilanização dos químicos, mas há como plantar em escala em um ambiente tropical sem eles?
Eu não acredito. Defendo uma harmonia dos usos.

Do ponto de vista de negócio, produzi-los em escala é um bom negócio?
Segundo dados da consultoria Spark, o mercado de biológicos já atingiu R$ 1,7 bilhão e vem crescendo de 35% a 40% ao ano, em contraste com os químicos que é de cerca de 3,5% ao ano. Já o mercado global de biológicos de controle vai alcançar US$ 18 bilhões até 2026. Ou seja, já é um bom negócio e vai se tornar ainda melhor, pois só está começando.