10/09/2018 - 10:00
O Jardim Tarumã, à beira da rodovia BR-262, é um bairro da periferia de Campo Grande. Até a rua Marcino dos Santos, próximo à região central da capital sul-mato-grossense, são cerca de 16 quilômetros. A distância já foi um caminho quase desconhecido para os agricultores Juarez Silva de Oliveira e Lúcia Oliveira, donos de sete hectares no bairro. Hoje, esse trecho da capital tem se tornado cada vez mais curto e muito familiar. É que na rua Marcino está a sede do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar MS), uma paraestatal mantida por produtores e vinculada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). No Estado, as tarefas do Senar faz parte das atribuições da Federação da Agricultura e Pecuária local (Famasul). Desde abril, Oliveira integra o programa Hortifrúti Legal, um programa de assistência técnica e gerencial do Senar MS. “Vim de um momento complicado”, afirma ele. “No ano passado foi muito difícil. Nós não conseguíamos sustentar a produção.” O agricultor, que cultiva cebolinha, salsa, coentro, rúcula, almeirão, couve, agrião e alface, diz que chegou a comprar alface de outro um fornecedor, por um preço muito acima do mercado local, para não perder clientes no seu ponto de venda. Hoje, com uma gestão mais refinada e conhecimento técnico, sua horta está dimensionada para nove mil pés de alface, volume que ele espera vender por R$ 2 a unidade. Oliveira também quer investir no cultivo de brócolis e de morango, e tem planos para o futuro. “Vamos nos programar para instalar a hidroponia no ano vem, principalmente para garantir a alface no verão.”
Oliveira faz parte de um grupo de 400 pequenos agricultores que no ano passado comercializaram 3,3 mil toneladas de produtos hortifrúti por R$ 4,8 milhões. O valor foi 55% acima ao apurado em 2016, ano em que 250 produtores venderam 2,1 mil toneladas por R$ 3,1 milhões. Neste ano, a previsão é comercializar R$ 6 milhões. Para Lucas Galvan, superintendente do Senar MS, independer do tamanho de uma propriedade, a ideia é ela seja inserida no mercado para que busque melhores oportunidades de negócio. “O despertar do empreendedorismo está nos pilares da atuação do Senar”, diz Galvan. “O aumento da renda e a melhoria na qualidade de vida gera confiança no produtor”. Para o Senar isso pode levar o Mato Grosso do Sul a melhorar os negócios nessa cadeia de produção. Em 2017, a Central de Abastecimento do Estado (Ceasa-MS) comercializou 186,2 mil toneladas de legumes, verduras e frutas, como melancia, batata, laranja, pepino, alface, quiabo, tomate, berinjela, entre outras. Desse total, apenas 24,7 mil toneladas foram produzidas localmente. Isso coloca o Mato Grosso do Sul como importador de 86,7% de sua demanda. Os produtos foram comprados em 15 Estados, mais a Argentina, com destaque para São Paulo, com 49,5 mil toneladas e o Paraná, com 30 mil toneladas.
Para amenizar esse quadro de dependência, o programa Hortifrúti Legal tem como foco a gestão do negócio, um dos principais pilares na perenidade dos empreendimentos. O curso Negócio Certo Rural (NCR) faz parte do pacote e inclui aulas de gerenciamento e de manejo dos cultivos. “O trabalho do Senar é para que o agricultor consiga enxergar a sua propriedade como uma empresa”, diz Galvan. “O projeto vem crescendo porque, de modo geral, os produtores que aderem ao programa já possuem um perfil empreendedor e isso ajuda no acompanhamento técnico das proproprieades.” De acordo com o engenheiro agrônomo Victor Almeida, técnico de campo do Senar MS, no caso de Oliveira, o gargalo da produção era consequência da falta de planejamento. “O gasto com insumos na propriedade era alto, devido ao uso sem critérios técnicos”, diz ele. “Além disso, não havia um escalonamento de plantio de forma adequada.” Oliveira, que chegou ao Senar MS por indicação de um amigo, diz que hoje não conseguiria mais dispensar a ajuda. “O diálogo com o técnico faz toda a diferença”, afirma o agricultor. “Esse apoio foi fundamental para entender sobre rotação de cultura, plantação continuada, e por aí vai.”
Assim como a maior parte das capitais brasileiras, Campo Grande tem há muito tempo o seu chamado Cinturão Verde, área de produção ao redor da cidade. O início do movimento data de meados dos anos 1930. Mas Almeida diz que sua expansão e consolidação não têm sido constante ao longo dos anos, porque os produtores entram e saem da atividade com alta frequência. Além disso, grande parte deles sempre trabalhou com técnicas culturais antigas e baseadas em achismos. “Um número muito reduzido exerce a atividade realmente de forma correta, planejada, com rentabilidade e sustentável”, afirma ele.
O programa Hortifruti Legal não está apenas na capital. Contando Campo Grande são 30 municípios integrados. É o caso de Terenos, o terceiro maior produtor de frutas, verduras e legumes do Estado, depois da capital e do município de Jaraguari. No ano passado, Campo Grande produziu 7,6 mil toneladas, Jaraguari 3,3 mil toneladas e Terenos, 3,2 mil toneladas. O produtor Antônio Xavier Rocha, de Terenos, está completando um ano no programa. Antes disso, ele quase desistiu do cultivo de alface no sistema hidropônico, técnica na qual as plantas são alimentadas por meio de uma solução nutritiva, sem contato com o solo. Com problemas de produção e sucessivas perdas, Rocha chegou a arrendar as suas instalações. “No programa, a assistência dá segurança para a gente”, diz o produtor. “Hoje, consigo manter o ciclo da planta sem perda de produto. A diferença é de 100% do que era antes para agora.” Rocha, que é associado a uma cooperativa local, vende 960 pés de alface por semana. Nos últimos três meses, a receita foi de R$ 43 mil.
Além de um mercado em Terenos, o produtor entrega 25 caixas de alface diariamente no Ceasa MS. Almeida dá o diagnóstico do motivo da propriedade não funcionar antes da adesão ao Hortifrúti Legal: faltava planejamento. A propriedade de Rocha saiu de uma produção de até cinco mil pés de alface por mês, para até 20 mil plantas. “O produtor vinha gastando muito. Mas com o escalonamento de plantio e a organização da cultura em geral, aos poucos o negócio foi dando certo”, diz ele. “Com a capacitação, os produtores aprendem a calcular os custos, melhorando os tratos culturais e as técnicas de irrigação e de adubação.”
No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas, a alface é a folhosa mais consumida. Entre todas as hortaliças ela é a terceira mais produzida. No varejo, ela movimenta R$ 8 bilhões por ano. No Mato Grosso do Sul ela é a hortaliça mais produzida. No ano passado foram 1,7 mil toneladas. De acordo com Francisco Paredes, gestor do Departamento de Assistência Técnica e Gerencial do Senar MS, o cultivo de alface tem sido impulsionado com o programa. A folhosa já é o segundo produto em volume, perdendo apenas para o cultivo de mandioca. “No último ano, os assistidos pelo Senar produziram 645 toneladas de alface, volume equivalente a 24,3% da produção total de hortifrútis no período”, diz Paredes. “A comercialização da folhosa gerou cerca de R$ 1 milhão aos produtores e tem se tornado sinônimo de negócio.” Entre as cultivares estão a crespa, além da americana, da lisa, da mimosa e da roxa.