14/11/2017 - 13:40
Pela primeira vez, depois de quase 17 anos morando no Brasil, o executivo japonês Takehiko Shimada, 57 anos, desembarcou em Maceió em meados do mês de agosto. Embora aprecie um passeio na praia, e a capital alagoana seja uma das cidades litorâneas mais bonitas do País, Shimada estava pouco interessado em colocar os pés na areia. O que ele queria, e cumpriu à risca, era acompanhar todas as discussões que aconteceram no 11º Congresso Brasileiro do Algodão, realizado pela primeira vez nessa cidade pela
Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). O evento reuniu 1,3 mil participantes durante quatro dias, a maior parte produtores da fibra. Terminado o congresso, antes de retomar a sua rotina de visitas a fazendas, de extensas reuniões com fornecedores de insumos, com acionistas e com equipes de campo, Shimada foi apreciar as ondas de um dos litorais mais sensacionais do Brasil. Mas o passeio foi rápido. “Nesse momento, minha atenção é toda para o algodão”, diz ele. Shimada assumiu há quatro meses a presidência de um dos maiores grupos que atuam no agronegócio brasileiro, a Agrícola Xingu, controlada pela japonesa Mitsui & Company, gigante com presença em 66 países e dona de uma receita global de US$ 39,7 bilhões no ano passado.
Além do agronegócio, o conglomerado Mitsui opera em mais 11 setores, incluindo siderurgia, energia elétrica, químicos, mineração, transporte e logística, alimentos e comunicação. No ano passado, a Agrícola Xingu respondeu por uma receita de R$ 236,4 milhões (cerca de US$ 90 milhões). Ela veio do algodão, da soja e do milho, cultivados em uma área de 48 mil
hectares de nove fazendas, espalhadas pelos Estados de Mato Grosso, Bahia e Minas Gerais. Shimada, que nasceu em Yokohama, uma das mais importantes cidades comerciais do Japão, localizada na região metropolitana de Tóquio, foi escolhido para comandar uma guinada nos negócios rurais da Mitsui. Na nova estratégia, é justamente o algodão que está ganhando importância no projeto de crescimento da empresa japonesa. Para a safra 2017/2018, que começa ser semeada nos próximos meses, a área destinada à fibra vai crescer 45% na comparação com a safra passada. A meta é plantar 21 mil hectares. Mas o projeto é ir além. Nos próximos cinco anos, os planos da Mitsui são aumentar a área de algodão em 43% e chegar a 30 mil hectares cultivados, ocupando um terço das terras agricultáveis que a companhia prevê deter no País até lá, chegando em cerca de 100 mil hectares. “O algodão é uma cultura que envolve muito capital de giro e investimento”, afirma Shimada. “Mas ele certamente será o nosso carro-chefe daqui para a frente.”
A decisão da Xingu não é uma aventura ou uma partida de karuta, o mais popular jogo de cartas do Japão. Ela tem um fundamento. Neste ano, as lavouras de algodão, colhidas na safra 2016/2017, devem bater o recorde em Valor Bruto da Produção (VBP). Os números levantados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estão mostrando, até agora, uma receita de R$ 21,1 bilhões, valor 75,6% acima do que foi registrado em 2016. É o maior VBP já alcançado pelas lavouras de algodão, desde o primeiro levantamento realizado há 28 anos. Vale lembrar que o VBP se refere aos valores que circulam dentro das fazendas. Ele não representa o valor da cadeia, que no ano passado movimentou R$ 14,3 bilhões. É esse
crescimento bilionário do VBP que embala o algodão brasileiro. Com o resultado dessa safra, o País deixa para trás o fiasco da temporada 2015/2016, quando foram colhidas 1,3 milhão de toneladas de pluma de algodão, volume que representou uma quebra de 23% em função de problemas climáticos nas principais regiões produtoras dos Estados de Mato Grosso e da Bahia. Já na safra encerrada neste ano, os bons ventos que sopraram quase que uniformemente em todos os 940 mil hectares cultivados elevaram a produção para 1,5 milhão de toneladas de pluma de algodão, segundo o mais recente levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Para a safra 2017/2018, a área de cultivo deve crescer 20%, chegando a 1,1 milhão de hectares. Mas nos próximos cinco anos, a expectativa da Abrapa é que o Brasil dobre o plantio de algodão. Em grande parte, isso vai depender, é claro, da disposição de grupos de peso que atuam na cadeia na qual a Xingu não está sozinha. Ao lado da companhia estão gigantes com influência sobre o setor do agronegócio, como a Amaggi, que pertence à família do ministro da Agricultura Blairo Maggi; o grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, um dos maiores produtores do País; a SLC Agrícola, controlada pela família gaúcha Logemann; mais os grupos Terra Santa, Horita, Schlatter, entre outros, a maior parte deles com áreas de cultivo que ultrapassam 20 mil hectares.
Shimada afirma que a sua missão é fazer uma imersão total nesse universo da alta produção. “Tenho visitado as fazendas e procuro acompanhar a produção”, diz ele. A modéstia, no melhor estilo oriental, tem embalado a maior parte de suas observações sobre as estratégias da companhia. “Seria um pouco difícil para a Xingu se tornar a maior empresa do Brasil,
frente a esses gigantes do algodão. Mas podemos ser a melhor empresa do País, para quem trabalha nela, para os compradores das nossas commodities agrícolas e para o nosso acionista.” O fato é que foi por causa do algodão que a Xingu conseguiu ampliar a sua receita em 20,2% em 2016, revertendo o prejuízo da seca de 2015, que foi de R$ 80 milhões. Neste ano, a companhia vai fechar o balanço com saldo positivo. Segundo o diretor financeiro, Sergio Della Libera, a empresa vai lucrar no período. “Ele é o resultado das 27,9 mil toneladas de pluma de algodão colhidas e bem vendidas”, diz Libera. De acordo com o agrônomo Tahishi Nitta, diretor de produção da empresa, desde a safra passada tudo tem corrido conforme o planejado. “Por isso, já travamos na bolsa cerca de 50% da produção da safra 2017/2018”, afirma ele. No final do mês passado, o quilo do algodão custava R$ 5,26, valor 6,5% acima do início do ano passado.
NO BOLSO Para o CEO do grupo Terra Santa, Arlindo Azevedo Moura, que também é o presidente da Abrapa, a cultura do algodão é a que mais está rentabilizando o produtor. Não por acaso, dos R$ 842,3 milhões faturados pela companhia na safra 2016/2017 com as culturas de soja, milho e algodão, cerca de 90% da receita da Terra Santa veio do algodão, cultivado em 27,1 mil hectares. A empresa é dona de sete fazendas em Mato Grosso, totalizando uma área de 158,2 mil hectares. Moura faz parte do coro dos contentes, grupo de produtores bastante eufóricos que acreditam em dados subestimados da safra apresentada pelo governo. Ele acredita que a produção esteja em 1,6 milhão de toneladas na safra 2016/2017, cerca de 7% acima do dado oficial. “Refizemos as contas e constatamos que a produtividade da pluma de algodão foi a maior já vista no País”, afirma o executivo. “O rendimento por hectare ficou em 1,8 mil quilos e não 1,7 mil quilos, como o anunciado.” O executivo acredita em um crescimento de 15% ao ano nas próximas safras, o que elevaria rapidamente o País a cerca de dois milhões de hectares cultivados. “Nessa safra já estamos crescendo acima desse porcentual.”
O que sustenta essa visão do presidente da Abrapa é a grande corrida do mercado em busca de fibras naturais. Segundo o Conselho Consultivo Internacional do Algodão (Icac, na sigla em inglês), o crescimento médio do consumo mundial da commodity foi de 1,4% por ano, nos últimos seis anos. O aumento imediato da área cultivada colocaria o Brasil, hoje com 1 milhão de hectares destinados ao algodão, lado a lado com o quarto maior produtor global, o Paquistão, embora ainda fique longe dos maiores produtores mundiais. No caso, a Índia, com 12 milhões de hectares, seguida pelos Estados Unidos, com 4,5 milhões de hectares, e pela China, com 3,1 milhões de hectares. Mas cabe boas comparações com a dupla da dianteira. Ante os Estados Unidos, o Brasil colhe mais quilos de fibra por hectare. De acordo com dados da Abrapa, enquanto os americanos conseguem cerca de mil quilos de pluma por hectare, os brasileiros chegaram à média 1,6 mil quilos nas últimas safras, 60% acima.
Já com a Índia e a China, a disputa ocorre em um outro nível, o de agregação de valor. “Esses dois países estão produzindo uma fibra de péssima qualidade”, afirma Moura. “A China tem informado que seus estoques sustentariam a indústria têxtil local por um ano, mas é uma reserva cara e sem qualidade”. A saída será comprar fibra superior para melhorar seus estoques e o Brasil está apto a contribuir com essa causa. No ano passado, por exemplo, o País exportou para lá 65,3 mil toneladas, o que rendeu US$ 91,2 milhões. O fato é que a qualidade da fibra brasileira começa a chamar a atenção no mercado global. Pelo padrão internacional, em uma escala de medida, 11 é a nota máxima para uma fibra super branca e 81 é a pior nota, levando em conta a cor, o comprimento das fibras, as impurezas e o modo como foi realizado o beneficiamento do algodão em caroço. A faixa média dos algodões brasileiros está entre as notas 31 e 41, classificação que pode garantir um bônus de até 5% ao preço de mercado. Com uma média US$ 1,54 por quilo da pluma na bolsa de Nova York, o bônus significa um quilo vendido por US$ 1,62. “É um preço espetacular”, diz Moura. “E somente conseguimos esse adicional porque o mercado internacional está reconhecendo que o produto brasileiro é superior.”
O governo brasileiro está de olho fixo nessa cultura, inclusive para garantir a competitividade necessária ao produto nacional. Não foi a toa a visita do presidente Michel Temer e do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, a uma lavoura no início do mês de agosto, em Lucas do Rio Verde (MT). A região é uma das grandes produtoras de algodão de Mato Grosso e o Estado é o maior produtor do País, respondendo por 66,1% da safra nacional da fibra. Na temporada 2016/2017, foi colhido um milhão de toneladas, 15% a mais que a safra anterior. “O presidente ficou impressionado não só com a qualidade da lavoura visitada como também com o seu nível tecnológico”, diz Maggi. “Elogiou a pujança de Mato Grosso e ainda passou pela experiência de dirigir uma colhedeira das mais avançadas”. Para manter o clima de otimismo irradiado pela commodity agrícola, está na pauta do governo acionar ferramentas de proteção de preços e de crédito para o produtor. Para a esta safra de 2017/2018, já foram contratados R$ 25 milhões nos primeiros dois meses do Plano Agrícola e Pecuário 2017/2018. O valor total dos recursos é da ordem de R$ 188,4 bilhões. Segundo o secretário de Política Agrícola do Mapa, Neri Geller, os recursos são capazes de sustentar a guinada da produção do algodão brasileiro. “Não tenho dúvida que com a organização que o setor possui, aliado ao crescimento da rentabilidade da fibra, os produtores terão acesso fácil ao crédito”, diz Geller. “E vai ser um espaço garantido também para pequenos produtores.”
PEQUENOS Nessa escalada da produção, embora os grandes agricultores se destaquem, é consenso no setor, incluindo a Abrapa, de que o aumento de área virá com a forte participação dos pequenos e dos médios produtores que também apostam em tecnologia. Como é o caso de Hermínio Ueklei Silva, 36 anos, da fazenda Riacho Quente, em Monte Azul (MG). Dono de 30 hectares, desde 2006 ele é um dos 97 agricultores associados à Cooperativa dos Produtores Rurais de Catuti (Coopercat). O grupo cultiva 800 hectares e está mostrando uma eficiência espetacular. Enquanto o custo médio de cultivo de algodão está em cerca de R$ 9 mil por hectare, na maior parte do País, na lavoura de Silva foi de R$ 4 mil. “Com o algodão, conseguimos um salto na produção e passamos a lucrar no campo”, diz Silva. No ano passado, a receita da fazenda foi de R$ 1,5 milhão. O produtor, que colhia cerca de 230 quilos de pluma, hoje colhe acima de mil quilos por hectare. Para o gerente técnico da Coopercat, José Tibúrcio Carvalho Filho, a expectativa é aumentar ainda mais a produtividade, chegando até a dois mil quilos por hectare. “Hoje, somos sim uma referência na produção de algodão e estamos indo em frente”, diz Carvalho Filho.
A cooperativa está a poucos passos de ter o selo Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que desde 2012 vem sendo difundido pela Abrapa. O selo atesta que o produtor seguiu regras sustentáveis, como o uso responsável de agroquímicos e o respeito ao meio ambiente. O ABR alcança cerca de 70% da área plantada no País e é um passaporte para o agricultor receber uma outra certificação, a Better Cotton Initiative (BCI, Iniciativa Melhor Algodão, na tradução do inglês). O BCI é um selo de reconhecimento internacional, que reúne produtores, empresas e entidades de pesquisa. “Nós já estamos esperando esta certificação para a safra 2018/2019”, diz Carvalho Filho.
O BCI é uma garantia de acesso a mercados. Um exemplo é a rede holandesa de lojas de vestuário C&A, dona de uma receita global estimado em US$ 10 bilhões, que também atua no Brasil. Ela tem planos ousados para as suas 1,8 mil lojas em 24 países, incluindo as 270 unidades no País. De acordo com o executivo Paulo Correa, presidente da C&A Brasil, o plano da companhia é vender apenas roupas de algodão certificado a partir de 2020. “Desde 2015, fazemos parte da BCI”, diz Correa. “O caminho é estimular nossos parceiros e fornecedores a utilizarem matéria-prima certificada.” O executivo diz que o consumidor tem reconhecido o esforço da companhia. Ele não revela a quantidade de peças vendidas, mas afirma que 40% do comércio no Brasil levam o selo BCI. “Acredito que no futuro as questões de sustentabilidade não serão mais tratadas como um diferencial de marca, porque elas serão necessárias”, diz Correa. “As empresas que não se adequarem a esse mercado não vão sobreviver.”
A briga com os tecidos sintéticos continua no campo. Segundo um estudo encomendado pela Abrapa, e realizado pela empresa de pesquisa Markestrat, com base em dados de 2014, o algodão representa metade do mercado da indústria de confecção. Do total de R$ 114 bilhões movimentados na produção de roupas, 54,6% das peças tinham em sua composição acima de 70% de algodão, o que significa um movimento de R$ 62,2 bilhões. Até 2019, a expectativa é que essa participação cresça 5,5%, chegando a R$ 65,7 bilhões. Para incentivar o uso do algodão, há um ano a Abrapa criou a campanha Sou de Algodão durante a São Paulo Fashion Week (SPFW), a mais importante mostra de tendências de moda do País. “Temos um longo caminho para estimular a demanda do consumidor”, diz Moura. Desde o ano passado, a entidade investiu R$ 6 milhões em promoção da fibra, com a meta de chegar a R$ 60 milhões nas próximas duas décadas.
“Vai dar certo. Os Estados Unidos possui um projeto semelhante há 40 anos”, afirma Moura. “Lá, eles investem US$ 70 milhões por ano para promover o algodão.” A iniciativa no Brasil já tem alguns adeptos, como o estilista paulistano Alexandre Herchcovitch; o idealizador da SPFW, Paulo Borges, e a consultora de moda Lilian Pacce, todas figuras conhecidas no mundo fashion. O próximo passo, segundo Moura, é criar nas lojas de varejo ambientes exclusivos com a chancela Sou de Algodão. “Vamos mostrar as roupas confeccionadas com fibra brasileira e a sua riqueza”, afirma Moura. “O consumidor precisa saber que nosso algodão é sustentável e tem por trás uma cadeia de valor que vai do gigante em produção até o agricultor familiar.”