Produtores com faturamento 400% maior, cidades incluídas em novas rotas de turismo e comunidades com autoestima renovada: o mercado de produtos com indicação geográfica (IG) no Brasil chegou a 134 produtos neste mês de maio com histórias de transformações como estas em todas as regiões brasileiras.

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Trata-se de um segmento no entanto novo no país em comparação a Europa, onde surgiram as primeiras IGs ainda no século XVIII. Dados da União Europeia já registram mais de 3,5 mil patentes, que incluem nomes famosos até no Brasil como o Champanhe da França, o Gorgonzola da Itália e o Gouda da Holanda.

Maior autoridade de marketing do agronegócio brasileiro e um dos maiores profissionais da área do mundo, o professor José Luiz Trejon afirma que as IGs podem dobrar o tamanho do agro do país.

“Um agrobusiness de 500 ou 600 bi com 10 ou 12 commodities é legal. Conseguimos, fizemos. Mas temos que dobrar ele de tamanho para dobrar o PIB do Brasil, e esse é o caminho”, afirma.

A fala de Trejon ocorreu durante o Connection Terroirs do Brasil, evento que reuniu 52 produtores com IGs de 16 estados brasileiros em Gramado (RS) entre os dias 28 e 31 de maio. Outra palestrante do evento, a chef italiana especialista no queijo italiano Parmegiano Regiano Francesca Lopresti concorda. “Quanto um produto é bom, ele precisa ser reconhecido, e o Brasil tem muito produto bom.”

Valor para além do preço

Com o selo de IG, produtos adquirem valor agregado, ou seja, uma característica publicamente reconhecida que com o tempo vem a refletir em um preço maior. Além disso, no processo para conquistar o selo, os produtores em geral passam por uma profissionalização que reflete em melhoras em sua qualidade de vida.

Em Sítio Fechado, zona rural do município de Jaguaribe (CE), as rendeiras costumavam costurar seu artesanato apenas por tradição. Ocasionalmente, vendiam para atravessadores que iriam levar os produtos para revenda no sudeste.

“Um caminho de mesa assim elas vendiam por R$ 18”, conta Claisa Figueiredo, presidente da Associação de Artesãos do Sitio Fechado (Artemus). “Hoje, a gente vende a mesma peça por R$ 120”, compara. Outra peça, uma renda maior de mesa, era vendida por no máximo R$ 50, e hoje não sai por menos de R$ 250, um aumento de 400%.

A artesã Claisa Figueiredo exibe peças de renda de Jaguaribe (CE), produto que recebeu indicação geográfica
A artesã Claisa Figueiredo exibe peças de renda de Jaguaribe (CE), produto que recebeu indicação geográfica. Crédito: Matheus Almeida/IstoÉ

O ganho com a conquista de uma IG para a renda vai além do financeiro. “Antes passava de mãe para filho, mas os filhos já não queriam mais. Hoje, a gente está renovando os artesãos em uma velocidade maior”, segue Figueiredo, que diz que já há jovens se profissionalizando e inclusive homens, historicamente mais distantes da rendaria.

A cerâmica de Alegria (CE) sofre com um problema similar de fuga de artesãos. Com o recém conquistado registro de IG em abril de 2025, o presidente da Associação dos Artesãos da Alegria, Samuel Souza, espera que o cenário mude. “Os jovens estão migrando para outra profissão, porque o artesão hoje só ganha para viver”, diz.

Com uma IG bem estabelecida, os ganhos ultrapassam as famílias produtoras e atingem toda a própria região. Por exemplo, o interior do Rio Grande do Sul, onde foi estabelecida a primeira IG do país, conquistou com o tempo uma posição de destaque no enoturismo, o turismo dos vinhos.

“Quando as pessoas vão pra lá elas vão precisar de um lugar para se hospedar, se alimentar, e com isso a gente desenvolve a economia local”, comenta o presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos, André Larentis. “Quem pode acompanhar, vê como o Vale dos Vinhedos vê como era um anterior como qualquer outro, e hoje seu nome já é reconhecido até fora do país.”

Para Jósé Luiz Trejon, falar em IGs “significa resgate da nossa origem, de oportunidades econômicas e de qualidade de vida para seres humanos incríveis. Pois quando um ser humano esquece seu bisavô, ele esquece dele mesmo. É resgatar a raiz de quem nós somos.” O professor segue: “Bendita a soja! Mas ela some no processo. Você pode produzir commodity, mas ninguém come commodity. As pessoas comem saúde, sabor, prazeres e cultura.”

Breve história da indicação geográfica

Tentativas de associar produtos à suas localidades ocorreram desde a Idade Média. Ao longo do século XX, os registros se consolidam internacionalmente ao lado da legislação de proteção sobre direitos autorais e patentes.

No Brasil, o marco legal das IGs é a Lei da Propriedade Industrial (nº 9.279/1996), que estabelece o reconhecimento dos selos aprovados por outros países e os caminhos para aprovação e conquista de certificados de autenticidade para produtos brasileiros.

O primeiro reconhecimento brasileiro ocorre em 2002 para a região gaúcha do Vale dos Vinhedos, que abrange as cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Já a Carne de Onça de Curitiba (PR) foi o produto a conquistar o selo mais recentemente, emitido pelo Instituo Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) em 20 de maio de 2025.

Como um produto recebe um selo e se torna uma IG

Como o nome indica, a indicação geográfica necessita associação com um território, seja um ou vários municípios ou até estados, como ocorre com o Mel do Pantanal, produzido tanto no Mato Grosso como no Mato Grosso do Sul.

Existem dois tipos de IG, conforme explicou a gestora de projetos de Indicação Geográfica do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Maira Fontenele, em entrevista à IstoÉ Dinheiro.

“A indicação de procedência (IP) é um reconhecimento pela fama. O reconhecimento que vem muito pela cultura. É o caso da carne da onça, um prato típico do Paraná”, explica. “Já a denominação de origem (DO) precisa ter comprovação, estudos técnicos, Embrapa envolvida, universidades que atestem causalidade, como que uma fruta é mais doce naquela região, que tem percentual maior de uma substância, algo assim.”

Mel do Pantanal exibe selo de Indicação Geográfica, na categoria de Indicação de Procedência
Mel do Pantanal exibe selo de Indicação Geográfica, na categoria de Indicação de Procedência. Crédito: Matheus Almeida/IstoÉ

Frequentemente, produtos conquistam primeiro o selo de IP e, posteriormente, o de DO. Por exemplo, a primeira IG brasileira, o Vale dos Vinhedos, apenas reuniu os requisitos para sua DO em 2012.

A conquista de uma IG envolve a criação de uma associação ou entidade autogerida por diferentes produtores para requisitar o registro juto ao INPI. A organização de produtores deverá formular um caderno de especificações técnicas com a descrição do produto e, no caso do selo de DO, as características do produto ou serviço que se devam exclusiva ou essencialmente àquele meio geográfico.

Um conselho regulador deverá ser definido pela associação, que zelará pela qualidade da produção. Os integrantes podem ser produtores, que observarão o trabalho de seus colegas, ou incluir parceiros externos. “De acordo com as características do local, esse conselho regulador vai ter uma estrutura ou outra, mas é ele que avalia se o produtor está em conformidade com o caderno aprovado”, explica Fontenele.

O Sebrae desenvolve um trabalho de descoberta de comunidades com possíveis IGs, auxílio aos produtores para estruturar a solicitação junto ao INPI e desenvolvimento da gestão profissional após a conquista do selo. No momento, 43 projetos apoiados pelo projeto aguardam aprovação do órgão regulador.

O jornalista acompanhou o festival Connection Terroirs do Brasil a convite da organização do evento.