Apesar de o mercado dar como praticamente certo que o Banco Central (BC) descumprirá a meta de inflação por três anos seguidos, Fabio Kanczuk, que saiu recentemente do órgão e é o novo head de Macroeconomia da ASA Investments, confia que a convergência inflacionária em 2023 é “um jogo que ainda dá para o BC jogar”. Para ser bem-sucedida, contudo, a autoridade monetária tem de continuar o choque de juros no auge da campanha eleitoral, com altas da taxa Selic ao menos até outubro, finalizando o ciclo em 14,25% ao ano.

Para Kanczuk, que deixou a diretoria de Política Econômica do BC em dezembro e esteve à frente da maior parte do atual processo de alta da Selic, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve continuar elevando os juros básicos até ter sinais claros de que o ajuste está freando a inflação. Isso deve ocorrer no fim do ano, após a “festa total” dos auxílios criados pela PEC Kamikaze. “Mas, se não desacelerar, o BC continua”, diz, em entrevista ao Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.

Até o momento, o BC só sinalizou novo aumento da Selic no Copom da semana que vem, de 13,25% para 13,50% ou 13,75%, e que o juro deve ficar mais restritivo por mais tempo para alcançar uma inflação ao redor do centro da meta em 2023 (3,25%, banda até 4,75%), ante a projeção atual de 4,0%.

Leia os principais pontos da entrevista.

O boletim Focus indica que o BC não está convencendo o mercado sobre alcançar a meta de inflação. Como avalia a comunicação do BC?

A verdade é que todo mundo, inclusive eu, está tentando ganhar dinheiro. Enquanto está ganhando, você fala que o BC está muito bem. Quando perde, fala que só faz burrada. Então, por enquanto, para mim, está um espetáculo. Se a ASA começar a perder dinheiro, eu mudo de ideia e digo que o BC está fazendo tudo errado.

As projeções de mercado não demonstram confiança de que o BC vai cumprir a meta em 2023, assim como deve ocorrer em 2022. Ainda é possível cumprir a meta do ano que vem?

É um jogo que ainda dá para jogar. O BC, em cada reunião, faz um plano de voo que tem mostrado que dá para fazer a convergência no horizonte naquele momento. No Focus desta semana, o juro vai até 13,75%. O BC deve dizer: “Não vou fazer 13,75%, vou além e não vou cair tão rápido. Vou ficar mais tempo com o juro alto, é isso que vai fazer a inflação convergir para a meta”.

Então, o BC vai além da sinalização de Selic a 13,75%?

Exato. O BC tem de tentar perseguir a meta, e com 13,75% não vai conseguir. Vai fazer plano de voo acima de 13,75%. O atual forward guidance é sem compromisso, é um plano de voo que pode ser alterado e que foi alterado um monte de vezes este ano. O BC fala uma coisa e faz outra, porque não prometeu, era uma ideia inicial que depende dos dados. O BC deve falar que vai além de 13,75%, e que, na reunião seguinte, deve aumentar de novo, talvez com uma magnitude menor. Depois, se vierem dados muito bons de inflação, até pode parar.

E quando o ciclo termina?

Minha impressão é de que o BC continua subindo até ver sinais claros de que a política monetária está tendo efeito. Eu achava que a economia brasileira já tinha de estar desacelerando, mas ainda não está. Já tem juros o suficiente para fazer a economia desacelerar. Agora tem o dinheiro que vai cair na conta, os R$ 600 (do Auxílio Brasil), o para taxistas… A festa total, todo mundo com dinheiro. No terceiro trimestre, vai ser muito difícil a economia desacelerar. Isso confunde mais o que está acontecendo. Meu chute é que, no quarto trimestre, vai dar para ver finalmente a economia desacelerar. Aí o BC vai ter tranquilidade para parar. Nosso cenário (na Asa) é de Selic a 14,25%, terminando em outubro.

Como a alta de juros é impopular, não há o risco de o BC ficar na mira dos discursos acalorados dos candidatos à Presidência?

Eu acredito que vai ter esse risco. Mas a impressão que eu tenho é de que não deve ter pressão política de verdade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.