“O aprendizado dessa viagem me ajudará a levar outras

formas de cultivo para a minha região”

Virginia Alves Almeida,

produtora em Glória do Goitá (PE)

O s olhos da pernambucana Virginia Alves de Almeida não escondem o espanto ao observar uma extensa plantação de flores comestíveis. Do alto de seus 26 anos, era a primeira vez que via esse tipo de planta e, diante da novidade, era natural que hesitasse por alguns minutos em provar a iguaria. Mas a curiosidade logo vence e ela leva algumas pétalas à boca, abrindo um leve sorriso de satisfação. O que para Virginia é uma novidade, para a dona daquele cultivo, localizado na região de Alto Santa Maria, no norte do Espírito Santo, Helga Tesch, é algo comum e corriqueiro. E essa é apenas uma das grandes surpresas e contrastes descobertos pela jovem que pela primeira vez havia deixado sua pequena fazenda de 10 hectares no município de Glória do Goitá, no interior de Pernambuco, onde produz mandioca, para conhecer de perto outra realidade agrícola. Virginia faz parte de um grupo de jovens produtores que participam do programa Intercâmbio Rural, promovido pelo Instituto Souza Cruz, que leva moças e rapazes para conhecer outras realidades rurais fora de seus Estados de origem, para que possam assim descobrir as diferentes formas de produzir encontradas em diferentes regiões brasileiras. “O programa funciona em 11 etapas, cada etapa em um Estado diferente. São cerca de 120 jovens”, explica o gerente do Instituto Souza Cruz, Luiz André Soares. A cada nova etapa os jovens ficam cerca de 15 dias hospedados em propriedades locais, acompanhando o dia a dia da fazenda e vendo de perto o sistema de produção. “É uma oportunidade para eles observarem diferentes formas de se fazer agricultura e, invariavelmente, podem copiar os modelos para suas regiões de origem”, completa.

O caso da agricultora pernambucana Virginia ilustra bem esse tipo de situação. Além de ajudar o pai no cultivo da mandioca, ela atua na instituição de Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), que trabalha promovendo alternativas de cultivo para os produtores de sua região. “Nosso grande desafio é convencer os agricultores a sair da monocultura da mandioca e investir em outros cultivos, como hortaliças, frutas, etc.

Aqui isso já é muito bem disseminado e mostra que é possível”, ressalta Soares. Na pequena propriedade de 15 hectares, são produzidos 62 tipos de hortaliças, todas plantadas no sistema orgânico. “Nós também aprendemos muito com as experiências que os jovens que nos visitam trazem. Às vezes a impressão é de que moramos em países diferentes”, revela Helga, que pela primeira vez recebe os intercambistas.

 

Novos horizontes: a produtora Helga Tesch apresenta o modelo de produção orgânica ao jovem Maycon Danillo, que pela primeira vez deixou sua produção de grãos no Tocantins

Sentir-se estrangeiro dentro do próprio país. Essa foi também a sensação do produtor Maycon Danillo Dias Furtado, de apenas 18 anos e que pela primeira vez deixou a fazenda da família, localizada no município de Porto Nacional, no Tocantins, para viajar cerca de dois mil quilômetros até o interior do Espírito Santo. “Nunca tinha acompanhado uma produção familiar, principalmente orgânica, feita com trabalho manual. Em minha região, o foco é o plantio de grãos e pecuária, tudo mecanizado”, revela o jovem, que, além das lembranças, pretende levar na bagagem um novo projeto. “Depois de conhecer esse tipo de produção, estou planejando iniciar um cultivo de mandioca orgânica na minha região”, anima-se.

Na medida em que os dias de convivência vão passando, novas descobertas vão surgindo e coisas que para alguns parecem banais se transformam em surpresas para esses ilustres visitantes. É o caso de José Valdo Santos Pinho, 26 anos, que produz milho e feijão no município de Araci, no semiárido da Bahia, região marcada pela seca constante. Qual não foi a sua surpresa ao se deparar com uma nascente de rio que corta a propriedade por ele visitada. “É incrível essa abundância de água. É algo que não temos e que dificulta nossa produção”, diz o jovem, que anota cada detalhe do que vê. “Aqui estou aprendendo práticas agrícolas interessantes, que podem ser reaplicadas na minha região”, complementa. Ele está na região de Guarapari (ES), onde o casal Luciana e Leomar Poton planta e beneficia frutas, transformando-as em polpas. “Aos poucos estamos abandonando o plantio e focando na agroindústria, que oferece um produto com alto valor agregado. Já produzimos cerca de 2,5 toneladas de poupas por ano e nossa meta é aumentar”, explica Luciana. “É esse tipo de empreendedorismo que queremos passar para os jovens que nos visitam”, completa Leomar. Lição que é aprendida até por quem vive numa região extremamente afastada, como Marcos Aurélio Monteiro, produtor no município de Feijó, no Acre. “Trabalho com minha família em 36 hectares, onde produzimos feijão, milho, mandioca e criamos peixes”, diz o rapaz de 23 anos, que se espanta com a visão que a maioria das pessoas tem de seu Estado. “A primeira coisa que me perguntam é a respeito da vida na floresta. Eu tenho que explicar que eu não vivo na floresta”, diverte-se. Agora, Monteiro já vislumbra novas possibilidades. “Temos potencial para o plantio de coco, que pode ser transformado em poupa e também do café”, planeja o jovem, que, afora a parte agronômica, não esconde que sua grande experiência se deu mesmo há alguns quilômetros da fazenda. “Nunca vou esquecer a primeira vez que vi o mar.”

Descobrindo a agroindústria:

os visitantes José Pinho e Marcos Monteiro (da esq. para a dir.) ao lado do casal Leomar e Luciana

 

 

Sem fronteiras

Programa de intercâmbio foi criado há três anos e funciona com a participação de várias entidades de educação agrícola, que selecionam os jovens que participam de cada uma das etapas

 

 

 

120 estudantes é o número de participantes do projeto

 

11é o número de Estados visitados