04/12/2022 - 20:10
A primeira fase do vestibular da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) trouxe questões interdisciplinares e com temas contemporâneos, como meio ambiente, gênero e violência. Professores ouvidos pelo Estadão consideraram a dificuldade “mediana”, com a cobrança de que o candidato tenha conhecimentos previstos no currículo do ensino médio e pensamento crítico, com um perfil que se aproximou à proposta do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A aplicação do vestibular, principal porta de entrada da Universidade de São Paulo (USP), ocorreu ontem.
Temas relacionados ao meio ambiente tiveram destaque, como o efeito estufa e o uso de fertilizantes e agrotóxicos. O destaque nesse ponto foi a questão com um texto assinado por diversos cientistas brasileiros publicado neste ano na revista Science, que fazia referência a uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), durante o período em que Ricardo Salles foi ministro do Meio Ambiente, que extinguia áreas de proteção permanente (APPs) em manguezais e restingas do litoral. “Felizmente, em dezembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal considerou essa legislação inconstitucional”, dizia um trecho.
A prova abordou também questões de gênero, como a inserção da mulher negra no mercado de trabalho e a participação feminina na política. O ambiente profissional foi abordado a partir de um texto do sociólogo Jessé Souza, que destacava a difusão do termo “colaborador”, em vez de funcionário, nas empresas, como um eufemismo. Um texto-base permitia ainda uma leitura crítica sobre “detonar” universidades e florestas.
Em outros temas, questões abordaram países da América Latina, como o Equador e o México, com um trecho do livro Meu Tio Atahualpa, que questionava o uso da expressão “índio sacana”. Referências internacionais também estiveram presentes em perguntas sobre a divisão territorial da África antes e depois da colonização e o colapso da União Soviética, por exemplo. A canção Sujeito de Sorte, de Belchior, foi citada, em uma parte sobre gramática.
Ditadura
O “monopólio da violência” foi tratado a partir de dois textos, um do intelectual alemão Max Weber e outro do jornalista Bruno Paes Manso, relacionado às milícias no Rio de Janeiro. No caso da ditadura militar, foi abordado um momento histórico anterior ao golpe: o “Comício das Reformas”, feito pelo então presidente João Goulart na Central do Brasil, em março de 1964. A questão pedia uma avaliação do evento a partir de duas imagens de faixas de apoio a Jango.
Para Giba Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, uma das questões que chamou a atenção foi a que trouxe um texto com um italiano aportuguesado, escrito por imigrantes recém-chegados ao País. “Tinha uma comparação entre o ambiente da Itália e do Brasil, como na Canção do Exílio, do Gonçalves Dias”, comenta.
O diretor do Cursinho da Poli ainda chama a atenção para as questões interdisciplinares em Inglês, relacionadas a Física e Química, por exemplo. “Exigia um repertório muito grande”, diz. Na avaliação do professor, a USP buscou selecionar um “estudante leitor e estudioso, que se interesse pelo mundo que vive e tem formação crítica, que sabe fazer leitura de gráficos e tem a língua estrangeira como algo obrigatório para ele”.
Sérgio Paganim, diretor do Curso Anglo, avalia que foi uma prova que explorou muitos gêneros textuais, com mapa, poemas, gráfico, texto filosófico, quadro etc. “Até meme. É uma característica que vai aproximando a prova da Fuvest de Enem e Unicamp. Mistura temas clássicos do ensino médio e mais modernos em textos de apoio.”