A entrevista do general Agnaldo Del Nero publicada pelo Estadão e documentos do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) e do EstadoMaior do Exército brasileiro são as principais provas apresentadas pelo Ministério Público da Itália à Corte de Assise de Roma no processo em que foram denunciados 13 brasileiros – um só permanece vivo – por participação na Operação Condor, a ação de serviços secretos da América do Sul para eliminar opositores políticos nos anos 1970.

O caso deve ter sua sentença neste ano e será o primeiro em que vai julgar um militar brasileiro por crimes da ditadura, o coronel Átila Rohrsetzer, ex-chefe da Divisão Central de Informações (DCI) do Rio Grande do Sul.

O procurador Ermínio Carmelo Amélio quer mostrar que ele estava na cadeia de comando do sistema repressivo e, portanto, tinha o domínio do fato sobre o que acontecia, sendo responsável pelos crimes ocorridos em sua jurisdição. A mesma tese é defendida pelo advogado do Estado italiano (espécie de AGU), Luca Ventrella, que já atuou em processos contra militares alemães acusados de crimes de guerra na 2.º Guerra Mundial (mais informações nesta página).

A reportagem do Estadão que se tornou peça da acusação foi publicada em 30 de dezembro de 2007. O texto contava as declarações gravadas do general Del Nero: “A gente não matava. Prendia e entregava. Não há crime nisso”. O general disse ainda que este procedimento foi adotado com “dois italianos”. Os dois eram os ítalo-argentinos Lorenzo Viñas e Horácio Domingos Campiglia, ambos montoneros.

O primeiro desapareceu em Uruguaiana (RS), em 26 de junho de 1980. Fugia da Argentina para a Itália. A entrevista de Del Nero, segundo Ventrella, mostra “uma admissão direta de culpa dos brasileiros”. Para o procurador, Del Nero “confessou o envolvimento brasileiro no caso”. Amélio citou ainda como prova documentos obtidos pela reportagem, como o Relatório de Informações Externas da 2.ª Seção do Estado-Maior do Exército brasileiro, de 15 de agosto de 1976, que trata da Argentina. “Os responsáveis pelo combate à subversão consideram que a liquidação física do terrorista é medida necessária.” O relatório secreto mostraria que o Brasil sabia o destino dos presos.

Campiglia foi detido no Rio, em 12 de março de 1980. O coronel Paulo Malhães – já falecido – assumiu ter participado da prisão, como parte da Operação Gringo, braço da Operação Condor no Brasil. Amélio vai entregar à Justiça cópia do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) com as informações de Malhães sobre o caso. E analisar uma nova denúncia contra outros integrantes do CIE.

Testemunhas

O procurador requisitou ainda o depoimento do juiz aposentado João Carlos Bona Garcia, que militou na Vanguarda Popular Revolucionária e foi preso em 1970. Bona acusa Átila de tê-lo torturado, diz que ele era amigo de Malhães e ouvia música enquanto aplicava choques. Amélio também deve receber por escrito o relato do ex-governador de Minas Fernando Pimentel (PT), que foi preso com Bona. “Fui interrogado várias vezes por Malhães e duas vezes pelo Átila, que me torturou com choques. Ele tinha uma posição de mando sobre o Dops gaúcho. Ele e Malhães trabalhavam de forma coordenada”, disse Pimentel.

Marco Bastoni, defensor italiano de Átila, afirma que “não se pode fazer um processo criminal com a história”. Disse discordar da teoria do domínio do fato e que são necessárias provas para condenar alguém.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.